Entrevista

“Antes, todo mundo concordava com o que eu falava. Agora, por ser mulher, eu tenho que falar o porquê, o como e o quê”, conta Bruna Junqueira

Em entrevista exclusiva ao Promoview, Bruna compartilha sua jornada desde os primeiros passos na organização de festas até os desafios como mulher trans em um mercado predominantemente masculino

No competitivo mundo dos eventos, poucos nomes se destacam tanto quanto o de Bruna Junqueira. Com uma trajetória que começou na adolescência e se transformou em uma carreira brilhante, Bruna é uma verdadeira pioneira no setor. Em uma entrevista exclusiva ao Promoview, ela compartilha sua jornada desde os primeiros passos na organização de festas até a liderança de sua própria empresa, enfrentando desafios como mulher trans em um mercado predominantemente masculino.

Bruna Junqueira

Bruna, em qual momento você soube que queria trabalhar com eventos?

Eu estou nesse ramo, vai fazer já 24 anos, comecei muito novinha, com 13 anos. Desde antes disso, eu gostava muito de animação e stop motion. Eu fazia bonequinhos com o Lego, tirava um frame do vídeo e fazia animação. Logo apareceu uma oportunidade de eu fazer uma festa da escola. De entrada, eu cobrei só um refrigerante. Quando eu vi, eu tinha um estoque de refrigerante que duraria um ano.

E aí eu comecei a cobrar as festas, que começaram a se tornar maiores. Não só do meu colégio, mas dos colégios do bairro. Até que um casal passou em frente a uma festa minha e decidiu me contratar para um evento. Comecei a fazer casamento com apenas 15 anos. Com 16 já produzia evento corporativo, e logo em seguida eu entrei no live marketing. A minha primeira empresa se chamava Dark Knight. Imagina, uma empresa corporativa contratar uma produtora chamada Dark Knight (risos)? Acabei mudando o nome.

Em 2008, eu conheci a técnica de projeção mapeada ou videomapping. E um dos primeiros mappings que eu fiz foi para a Gerdau, um mapping gigantesco. Foi engraçado, porque eu cheguei na agência e aí eles olharam para mim — eu era apenas um menino na época — e não confiaram que eu sabia fazer. Eu peguei cartolina, montei uma mini maquete e fiz em miniatura na hora para eles.

Então, a minha experiência começou meio que sempre tentando buscar algo novo. Desde então eu venho trabalhando com mapping, com vídeo, com live marketing, com eventos musicais, parques, em várias áreas.

Tem algum case especial que te marcou?

Tem sim. O primeiro cliente da Maze FX foi a HBO, com o Game of Thrones. Foi um grande projeto que eu tenho muito orgulho. Na Comic Con de 2018, a gente fez a mesa do Dragonstone, com perspectiva forçada e uma sala toda imersiva. Tinha o trono de ferro, a parte da muralha… E os donos da série vieram para o Brasil e elogiaram muito o nosso trabalho. Imagina, os caras que criaram a série te elogiando?

E também tem um outro em especial, que foi um projeto que eu fiz para o Tim Burton também, um mapping. Ele fez questão de nos conhecer. Ele e a produtora, viraram para mim assim “Amazing! Está muito bonito, está muito legal, vocês são muito criativos”.

Ambos os projetos são projetos bem antigos, mas foram um marco. A gente era uma produtora, e a gente virou A produtora depois deles.

Na verdade, o meu maior projeto, eu tive o prazer de criar ele do zero. O VIANOVA e os Viajantes do Espaço foi feito na pandemia, na época que estava tudo fechado. A gente criou um projeto que você entrava no teu carro, e viajava para o espaço. A ideia era levar o público que estava isolado, fechado na sua casa, para para um lugar inimaginável. Foi no ginásio do Ibirapuera, um espaço de 7 mil metros quadrados. Mais de 70 mil pessoas compareceram. Foi algo que revolucionou a era do live marketing daquela época.

Você trabalha em um mercado que é predominantemente masculino. Como você se sente sendo uma mulher nesse espaço?

Eu tinha muitas amigas que me diziam que, em reuniões, elas eram apagadas. As pessoas não escutavam, simplesmente por serem mulheres. E eu entendia, mas ao mesmo tempo eu não entendia profundamente. Vivendo como uma mulher trans eu sinto isso na pele.

Por exemplo, de você estar numa reunião, principalmente numa reunião técnica, e te olharem. Querendo ou não, o live marketing, ele tem toda uma estrutura técnica. Por exemplo, o fone de trás, projeção, LED, toda uma estrutura. E uns 95% são homens, então meio que você não tem voz.

O que eu percebi é que você tem que se impor. Por exemplo, antes, eu falava duas coisas e todo mundo concordava. Agora, eu tenho que falar o porquê, o como, o quê e mostrar, sabe? Por causa da minha figura feminina. Eu tenho que me superar 10 vezes mais.

Hoje eu sinto toda uma dificuldade em relação a isso, mas a partir do momento quando as pessoas que estão a minha volta percebem o meu conhecimento, elas recuam. Querendo ou não, eu nasci na técnica. Então, as pessoas percebem que eu sei falar muito sobre o assunto.

A sua posição de liderança já foi questionada, por funcionários, clientes ou pessoas em geral?

Eu assumi a minha transição para o mercado em junho do ano passado. E fiz um vídeo falando que o próprio maior preconceito, quem tinha era eu mesmo. Primeiro eu tive que vencer o meu próprio preconceito para depois ter aprovação da minha família e da minha filha.


Existiu esse questionamento internamente, de não quererem ter uma CEO mulher ou mulher trans. Na época, toda a parte técnica da empresa foi renovada. Hoje, eles são meus amigos, eles compreendem, mas na época era um choque pra eles.

E de que outras formas a transição afetou a sua vida profissional?

A minha transição não foi do nada. Eu me identifico como menina desde os 7 anos, só que fui criado numa sociedade como aquilo era errado e me escondi. Então, criei toda uma vida, casei, tive filha, tive toda uma estrutura… Eu era um homem barbudo. E, de 2 anos pra cá, eu fui fazendo gênero fluído, pintava a minha unha, usava roupas femininas, mas ainda a com barba, até então eu realmente me assumir 100% uma mulher trans.

Pessoas muito próximas me apoiavam, mas quando eu falei “vou me assumir para a empresa, para sociedade”, eles disseram “opa, não, calma, não faça isso, não dá pra manter escondido?”.

Mas assim, eu não aguentava mais, eu sentia que estava enganando todo mundo à minha volta. E hoje eu me sinto muito verdadeira, comigo e com todo mundo. Eu sempre achava que eu tinha algo pra esconder, então, por mais que eu estivesse falando a verdade, eu não sentia isso, porque aqui dentro eu era outra pessoa.

Hoje, no mercado de eventos, não tem muitas pessoas na posição que eu estou. Acredito que eu sou a primeira, se tiver mais alguém, por favor, mande mensagem pra mim [risos]. É um trabalho diário, porque você tem que continuar a sua carreira e você tem que continuar a sua transição, que é um processo.

E você diria que ser a primeira é uma jornada solitária?

Empreender, por si só, já é muito solitário. Aí você junta isso com a transição e sim, é muito solitário. Então, hoje eu tenho fases assim que eu me sinto muito sozinha, apesar de ter o apoio da família, da esposa, da filha. Eu não tenho ninguém pra abraçar e discutir coisas parecidas, sabe? Falta uma referência.

Você disse que se sente mais verdadeira e mais autêntica. Isso mudou também o seu processo criativo?

Eu sempre tive esse DNA de criatividade e empreendedorismo, só que agora eu estou numa fase que eu tenho um momento só para mim, que é a maquiagem. Porque é uma hora que você não está com o telefone, ninguém está falando com você, você não está vendo televisão… É um momento diário que você sempre tem lá seus 30, 40 minutos, e você faz uma reflexão.

Enfim, está sendo muito legal, porque eu fiquei muito mais detalhista. Só para poder fazer um delineado você tem que ser muito detalhista [risos]. Então, eu fiquei muito mais detalhista, mais organizada, mais criativa e sem dependência de muitas pessoas. Antes eu precisava de um desenhista, de um roteirista, e hoje muitas das coisas eu consigo desenvolver sozinha.

Estou muito animada com esse novo momento da minha capacidade de criação. Desde que eu me assumi, eu falo que eu sou uma mulher trans com muito orgulho, não tenho vergonha. E isso me deu todo um poder. Principalmente quando eu coloco o salto, eu me sinto uma mulher maravilha.

Bruna, posso dizer que mudou a sua autoestima também, então?

Mudou bastante. Minha autoestima, na verdade, ficou lá em cima. Claro que tem momentos da transição que você fica triste, porque você não está se sentindo mulher da forma que você gostaria, ou evoluindo como você gostaria de evoluir.

Mas, por exemplo, antes eu tirava poucas fotos. Hoje tem muitas fotos minhas, eu me amo. Eu não posso ver um espelho porque fico me olhando. Eu gosto de estar empoderada, me dá energia. O ego é bom para você se alimentar de você mesmo, assim. Eu faço por mim, não faço por alguém. Eu me arrumo pra mim.

Algumas pessoas depois que transacionam, apagam o passado. Para mim é diferente. Toda a trajetória que eu tive até aqui me transformou em quem eu sou. Se eu tivesse nascido mulher, essa história seria diferente. Então eu tenho muito orgulho de ser uma mulher trans, não um homem cis, nem uma mulher cis.

E qual é o próximo passo para a Bruna Junqueira?

Hoje a Maze está forte no setor de live marketing, estamos no setor de musical, também. Nós fizemos Matilda e Beetlejuice, e agora vamos fazer Cantando na Chuva. Somos fortes também no setor de parques, criamos o parque da Vila da Mônica, o parque da Globo, o parque de terror da Warner… Também atuamos no ramo imobiliário, a gente cria várias áreas imersivas para ajudar a vender apartamentos.

A gente tá se posicionando como o futuro do entretenimento. Então, o que a gente quer fazer é trazer um pouco dessa experiência que a gente tem de musical e parques para dentro do segmento de eventos e festivais. Criar todo um lado de experiência do início ao fim, para a pessoa realmente ter uma conexão com a marca, como a pessoa tem quando ela vai para a Disney ou para a Universal. E são pequenos detalhes, às vezes easter eggs que a gente coloca, que faz a pessoa se conectar.

Além disso, futuramente, a gente quer voltar com o VIANOVA. Daqui a um ano, mais ou menos, levar todo mundo pra Inimaginável de novo. Todo mundo vai viajar para o espaço com a gente.


Sobre Bruna Junqueira

Empreendedora visionária de São Paulo, Bruna Junqueira iniciou sua trajetória no entretenimento com apenas 14 anos. Autodidata e pioneira, ela é a CEO e fundadora da MAZE FX, um nome de destaque no entretenimento imersivo na atualidade.

Sua jornada não é apenas marcada por seus sucessos profissionais, mas também por sua coragem pessoal. Recentemente, Bruna abraçou sua verdadeira identidade ao passar por uma transição de gênero, refletindo a autenticidade com que conduz tanto sua vida pessoal quanto sua carreira.

Com trabalhos que se estendem por três continentes, Bruna colaborou com gigantes como Netflix (CCXP22), Warner (Parque de Terror 2022), Disney (Avatar2 2022), Vila da Mônica Gramado (2022), HBO (Game Of Thrones 2013-2019), Rock in Rio (Heineken 2019) e The Town (ITAU 2023), sempre com um toque visual impressionante.

Seu impulso para criar projetos originais levou à criação do “VIANOVA e os Viajantes do Espaço”, seu maior empreendimento até o momento. No teatro, seus efeitos visuais deram vida a musicais como “Peter Pan” (2017), “A Noviça Rebelde” (2017), “O Natal de Curitiba” (2018), “Madagascar” (2019-2021), “Cinderella” (2016-2021) e “Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolates” (2021).

Com um olhar sempre voltado para o futuro, Bruna continua a definir a direção do entretenimento, combinando paixão, inovação e empatia.