Experiência de Marca

50 tons de cinza… e outras cores

“Se você tiver que morrer, é melhor no Times”, esta frase, do jornalista A.M. Rosenthal, resume o quanto é importante a seção de obituários dentro de um dos maiores jornais do mundo: o New York Times.

“Se você tiver que morrer, é melhor no Times”, esta frase, do jornalista A.M. Rosenthal, resume o quanto é importante a seção de obituários dentro de um dos maiores jornais do mundo: o New York Times.

Anos atrás eu fiquei muito intrigado quando li “O livro das Vidas – obituários do New York Times”  – organizado por Matinas Suzuki. E até hoje eu me lembro muito dele, principalmente quando deparamos com aqueles notícias que a gente não gostaria de ter, mas que sempre nos tocam, nos questionam e nos fazem refletir sobre a morte, mas também sobre a vida. Tanto as dos que estão indo, quando as nossas – que estamos “ficando”.

No livro, é interessante perceber que dentro do rolo compressor de um jornal – e que pode ser facilmente comparável como o dia a dia de qualquer empresa e em qualquer mercado – as pessoas fiquem procurando algum lugar, uma oportunidade ou uma chance de mostrar o melhor delas. E elas sabem que isso só pode acontecer à margem do cotidiano de suas tarefas ou pautas.

Por isso, soa como uma grande ironia eles procurarem se sentir tão vivos quando estão justamente falando de um recém-falecido em uma coluna e mesmo que soe estranho, é impossível não se impressionar com a qualidade do conteúdo que se tem ali naquela parte do jornal que poderia ser considerada maldita, mas que transborda a magia de um texto bem escrito e que soa como um alento para quem trabalha na dura batalha de escrever (trabalhar) diariamente para um jornal (qualquer empresa), bem como um lenitivo para quem encara a dura realidade de ficar sem a presença (em vida) de um ente ou conhecido.

Ali vemos gente que escreve muito bem e que impressiona pela qualidade e o poder de sintetizar em poucas palavras uma vida inteira, narrando histórias de uma maneira emocionante e deixando claro o Ser humano fantástico de quem estão falando.

É como se encontrássemos vida dentro de algo que convencionamos chamar de morte.

O livro ainda ressalta que este pedaço tão renegado e às vezes tido como mórbido de um jornal, passou a ser ocupado por todos aqueles que queriam ali escrever o seu melhor texto, trazendo o requinte de um jornalismo literário, usando e abusando de uma forma linda e poética de escrever, que certamente não cabiam dentro do retrato exigido da comunicação de hoje: rápida, objetiva, direta e por muitas vezes rasa e impessoal.

Se você chegou até aqui, deve estar se perguntando porque justamente na Coluna do Dil Mota de número 50, eu estou falando justamente da morte, e cobrindo de 50 tons de cinza este espaço incrível e ao qual sou muito grato.

Eu queria falar hoje em como a gente se emociona com perdas, em como também somos tocados pelos comentários dos amigos e conhecidos (com peso e valor de serem verdadeiros obituários também) que encontramos nos perfis daqueles que se vão, mas a grande questão que me assalta é na realidade:

Por que não falamos tudo isso pra eles antes, quando ainda estavam aqui, nesse lance maluco que a gente chama de vida?

Semana passada, o mercado de eventos ficou chocado com a saída de cena de Raul Gay da TF7 Locações, um cara que infelizmente não conheci pessoalmente, mas que reforça a frase do editor de obituários do Times, Bill McDonald:

“Os melhores obituários são aqueles que nos falam de pessoas sobre as quais nunca tínhamos ouvido falar antes e nos deixam chateados por não termos tido a chance de conhecê-las.”

Foi lendo um pouco dos comentários e reações que a gente aprende muito sobre o que a pessoa é (ou foi), e, principalmente, em como a viam, talvez de uma forma ou em tons que ele jamais imaginaria.

Foram vários posts que relatavam a forma como ele se apresentava e que não deixava dúvidas de sua personalidade: “Meu nome é Raul Gay. Mas não se preocupe, não se assanhe e não se assuste.”, e quem não gostaria de ter conhecido gente que faça bem às pessoas e tragam um residual tão forte de sua existência.

Os posts (como obituários) traziam em poucas palavras a emoção e a síntese do que ele era como pessoa, e mesmo sem a proximidade, passei a conhecê-lo e do melhor jeito que ele é ou foi.

Assim como o Raul, não poderia deixar de lembrar de outros nomes que além de próximos mexeram com o mercado em que atuo: o querido e saudoso Marcelo “Mineiro” Pompeu: um diretor de Arte e criativo incrível, músico e uma grande figura, que nos deixou cedo, aos 40 anos de idade.

Como não lembrar também do grande Márcio Azevedo “Maze”, outro contemporâneo do Mineiro, trabalhamos juntos, igualmente um tremendo diretor de Arte e músico, outro cara sensacional e que há pouco mais de um ano também nos deixou.

Mais do que a saudade deles, do incômodo de ver gente tão querida sair de cena tão cedo, ficava aquele gosto amargo de não ter certeza de que tinha falado pra eles o quanto eu os admirava e os achava do cacete. Talvez eles nem precisassem deste momento de sinceridade explícita, mas eu me sentiria melhor se tivesse dito.

Vou lembrar ainda de Pierre Alfonso Rousselet, um publicitário das antigas, diretor de Arte, ilustrador, escultor, pintor, músico e um cara que me ensinou muito no começo da minha carreira. Gaúcho e genial, tinha uma frase ótima todas as segundas-feiras pela manhã quando chegava na agência, depois de ter velejado no final de semana: “Pô tchê, e essa semana que não passa!”

Poderia ainda falar do Zé Eduardo Oliva – que conheci pouco, mas o suficiente pra saber o incrível cara que era, e unânime também nos comentários de quem conviveu com ele. E poderia completar a lista com outras tantas pessoas legais: gente que a gente saudades, que sentimos que poderiam estar ainda por aqui e deixando o mundo melhor.

Todos sabem que sempre falo do Seu Zé, meu pai. Mas eu não vou colocá-lo nessa lista porque pude falar pra ele tudo aquilo que eu queria e isso me dá uma sensação de leveza na consciência muito grande, mas não nego que fiquei muito emocionado quando li todas as mensagens que eu recebi e o quanto minha mãe ficou surpresa quando eu imprimi todas elas (já que ela não é assim muito internética rs), para que tivesse registrado o quanto ele tinha sido importante para as pessoas, a partir dos seus próprios relatos, ou seja: também de uma forma de obituário.

No final, e por ironia do destino, é num post homenagem ou em um obituário que conseguimos expressar nossas melhores palavras, descrever nossas melhores sensações e desenhar da maneira mais soberana o melhor da pessoa que estamos descrevendo, trazendo para a posteridade uma história real, um storytelling verdadeiro de alguém que fez mais do que uma passagem furtiva pela vida e pelo mundo: deixou um legado e ele também era constituído de gente.

Ao completar estas primeiras 50 colunas, eu queria dedicá-las a todos aqueles que me inspiraram em algum momento da minha vida a ser quem eu sou, ou o melhor que eu consigo ser e como forma de fechar essa fase, vale aqui um novo desafio: o de poder inspirar pessoas para que possam falar para as pessoas que admiram o que pensam delas.

E mesmo que elas nem se importem com isso, como seria legal saber que se um dia elas não estiverem mais aqui (e a gente sabe que esse dia vai chegar), a gente tenha conseguido dizer o que pensava, ou no mínimo dizer o quanto elas foram importantes pra nós.

É aqui que os 50 tons de cinza se transformam numa paleta colorida e vibrante: aquela que celebra a vida, as pessoas e a profunda gratidão de poder conviver com elas. A energia pulsante que poderia trazer a inspiração de um texto que diria entre outras coisas que: “A gente disse tudo que o tinha que dizer” ou que “Agradecemos a todos a quem devíamos nossa gratidão”.

O obituário por fim, é neste texto, uma grande metáfora das oportunidades que podem ser tardias, em nos manifestarmos em relação às pessoas: perdoando, nos ajustando, conversando, agradecendo, elogiando, combinando, nos acertando ou no mínimo dizendo o quanto elas são importantes para a sua vida.

Que ninguém dê a chance de ter um epitáfio como o do poeta Charles Bokowski: “Nem tente”. Mas que possamos deixar gravado no coração de todos o nosso dom de poder descrever de uma maneira fenomenal os seres humanos incríveis que admiramos.

A partir da próxima coluna, uma nova fase e uma nova proposta. Aguarde!

A mais 50 e obrigado por estar comigo.

 

Por Dil Mota.