Sim, o título deste artigo já poderia revelar um plágio, mas na realidade é uma citação e uma homenagem a René Descartes, filósofo francês, que publicou esta obra em 1637.
Em linhas gerais, o Discurso se propunha a ser um Modelo quase matemático para conduzir o pensamento humano, já que a matemática tem justamente na certeza e na ausência de dúvidas, uma de suas principais características.
Descartes definia sua obra como “A ideia de um método universal para encontrar a verdade.”
A obra trabalhava muito o conceito da autoridade da razão (Algo comum hoje, mas uma novidade na Idade Medieval), mas por outro lado rejeitava totalmente a autoridade dos sentidos (Ou seja, as percepções do mundo).
Definindo que o conhecimento significativo só poderia ser atingido pela razão e que para isso era imprescindível abrir mão da “distração dos sentidos”.
Uma das frases mais conhecidas do “Discurso sobre o método” é “Je pense, donc je suis”, traduzido erroneamente para “Penso, logo existo”, mas que na realidade significaria “Penso, Logo Sou”.
A linha de pensamento, também conhecida por Cartesiana, trabalhava com a matemática e a geometria como inspiração. E quando vemos (de uma forma simplificada) os seus quatro preceitos que determinam seu Método de Raciocínio:
1. Receber escrupulosamente as informações, examinando sua racionalidade e sua justificação. Verificar a verdade, a boa procedência daquilo que se investiga – aceitar o que seja indubitável, apenas. Esse passo relaciona-se muito ao ceticismo;
2. Análise, ou divisão do assunto em tantas partes quanto possível e necessário;
3. Síntese, ou elaboração progressiva de conclusões abrangentes e ordenadas a partir de objetos mais simples e fáceis até os mais complexos e difíceis;
4. Enumerar e revisar minuciosamente as conclusões, garantindo que nada seja omitido e que a coerência geral exista.
Eu me pergunto se tudo isso não é muito parecido com uma abordagem de briefing ou principalmente com os enunciados das inúmeras metodologias que viraram moda e estão sendo implantadas nas mais diferentes empresas, dos mais diferente tipos de mercado, produtos e profissionais, inclusive na indústria criativa?
Por exemplo, quando pegamos uma metodologia como o Sprint, que se define como “Um processo de cinco dias para responder a perguntas críticas de negócios por meio de design, prototipagem e ideias de teste com os clientes”, definindo neste período de uma semana que cada um destes dias seja usado para uma das suas 5 fases: Mapear, esboçar, decidir, prototipar e testar.
A gente não está falando de algo muito parecido com um “discurso” que está a caminho dos seus 400 anos?
Óbvio que o Sprint é um “grande sucesso” de estratégia de negócios, inovação, ciência do comportamento, design thinking e muito mais – empacotado em um processo testado para que qualquer equipe possa usar – E na realidade, eu não estou aqui questionando a sua eficácia ou poder de aplicabilidade, mas abrindo um forte questionamento para o processo ensandecido do mundo atual em buscar processos e metodologias para serem aplicadas nas empresas, sendo que muitas delas não são e não têm absolutamente nada a ver com aquele negócio.
Chega a ser estranho entender como um método desenvolvido para a indústria do design, lógico que estamos falando do design thinking, simplesmente se transforme em um processo mundialmente utilizado, inclusive em muitas empresas que sequer têm profissionais como designers dentro dos seus quadros. Ah, mas qual é o problema? Você poderia estar se perguntando.
Nenhum, desde que a gente entenda que um processo desenvolvido para dar foco e trilho para um processo conduzido dentro de uma empresa criativa, com um produto criativo e com profissionais criativos no processo, pode necessitar de inúmeras traduções para ser aplicada em empresas que não têm nada disso.
Até para evitarmos a desnecessária explosão demográfica de “criativos” do mundo e o risco da falta de abastecimento de Post its, juntamente com um sintoma inquietante de uma atual e constantemente relatada grande crise mundial de qualidade criativa, que pode – entre outros inúmeros fatores – também estar associado a isso.
Se nem todo mundo é médico, arquiteto, engenheiro, contador, administrador, empreendedor e dentista. Todo mundo é criativo por quê? Lembrando que, na minha opinião, o que todos têm é a criatividade, fonte sem dúvida de insights que podem vir de qualquer pessoa, e que criativo para mim é um profissional que tem na criatividade a sua tarefa. Inclusive transformando insights em ideias, projetos e soluções para um problema ou briefing.
Mas quando chegamos a inúmeros outros processos como Scrum, Agile, Kanban, Lean Manifacturing Model, Prince, Six Sigma, Critical Path Method e outros inúmeros mais, alguns vindos do mundo digital e outros da própria indústria. Será que também não deveríamos nos questionar sobre sua aplicabilidade?
Ligar o “taxímetro” do desenvolvimento de uma programação de um aplicativo ou site, funciona para um processo criativo? O timesheet de desenvolvimento de um algoritmo, é o mesmo de uma campanha ou evento? Funciona igual? Dá para ter as mesmas métricas? Os profissionais funcionam de forma igual? O processo pode ser realmente visto da mesma forma?
Eu me questiono e jogo essa questão para quem quiser me ajudar a responder: Será não estamos com todo esse tecnicismo buscando performances, métricas e aplicações de “modelos tendência”, esquecendo que sua empresa, seu negócio, e, principalmente, as pessoas que o desenvolvem não são as mesmas daquelas onde esses processos são criados?
E ao aplicá-los, como forma de buscar diferenciação ou um jeito moderno de acelerar o seu negócio, será que não estaríamos sendo cartesianos como o próprio Descartes? Buscando formas matemáticas, dashboards, matrizes e todos os tipos de processos de condução que oficializem um processo de autoridade racional e rejeitando assustadoramente a autoridade dos sentidos e das sensações do mundo, como o próprio Discurso prega?
Em um mundo onde não cansamos de exaltar a necessidade das experiências e da preocupação com o Ser humano, a mecanização processual de sua forma de trabalhar está a serviço do quê? Da ampliação do seu poder de inteligência e criatividade ou uma armadilha para ele ser apenas parte de um processo, pilhado por uma gestão que não o provoque a ser inovador, mas a obedecer a ordem dos pilares que precisam ser seguidos e os campos em brancos que precisam ser preenchidos?
Eu não tenho dúvidas que o mundo atual e o do futuro se resume em duas grandes áreas de foco e estratégia: A tecnologia (e isso justifica tantas metodologias vindas dela) e a humanização (e aqui vai minha provocação: será que não precisamos então desenvolver processos que aceitem que a busca pela inovação e criatividade não é tão exata, tão previsível ou facilmente desenhada por meio de um fluxograma ou uma fria aplicação de um método matemático, que remonta à um passado onde se sonhava conduzir as pessoas para uma linha de raciocínio só, em mundo diverso como vivemos e que precisa estar abertos à flexibilidade e o lado orgânico das coisas?)
Será que não estamos, em um mundo tão open minded, com “A ideia de um método universal para encontrar a verdade”, quando sabemos que a verdade é relativa, pode não existir uma só e que precisamos nos abrir a todas as possibilidades?
E se “Penso, logo existo” me parece ótimo pela necessidade que o mundo tem em ter pessoas que repensem as coisas, busquem alternativas, inovem e tragam uma nova visão de tudo, a gente vai conseguir isso padronizando o processo de criar ou dando asas, liberdade e deliberando que ninguém precisa ter medo de errar?
Por outro lado, “Penso, logo sou” pode estar criando “Asas em cobras” determinando para uma série de pessoas que não tem na criatividade o seu melhor atributo (e isso absolutamente não é problema algum), o poder de decidir o que fazer, para onde ir, como definir e como resolver problemas a partir de um método, da aplicação de um processo, que descarta a naturalidade e possibilidade dos caminhos mais imprevisíveis (e célebres, como base das grandes ideias), para trabalhar um conceito assustador da previsibilidade que se avizinha com a leitura, interpretação e aplicação de tantos dados, que nos levam a adivinhar, entender e oferecer o que as pessoas querem, mas não mais a as surpreenderem com aquilo “que nem elas sabiam que queriam”?
Não vou aqui defender, condenar ou criticar quem está usando qualquer um destes processos. Sei da dificuldade de gestão de pessoas e a pressão por trazer mais rendimento e rentabilidade, mas não se esqueçam que são pessoas, não um programa que apertamos um botão e muito menos uma rotina que quando ‘startada’ chegará onde você sempre espera.
Se você quer ser diferente, repense seu negócio, se inspire sim em outros mercados, traga possibilidades, ensaie processos, mas não se esqueça que talvez o grande método talvez não exista, mas passe forçosamente pela necessidade de mergulhar no seu íntimo, no íntimo da sua empresa e de todos os seus colaboradores, para entender como fazer individualmente para que cada um possa ser o seu melhor e aí sim, ser o melhor para sua profissão, para sua empresa, para seu produto e para seu negócio.
Definitivamente o mundo e o seu negócio precisam de “melhores pessoas”, use então isso como um crivo para balizar se o seu método está sendo útil e cumpre com este quesito.
Eu só vim hoje aqui para “Discutir Métodos” e provocá-los a refletir se em um mundo tão binário, polarizador e carente de reais sentimentos, sensações e relações humanas, talvez não estejamos sendo os atores daquela “piadinha” da educação atual que diz que “Transformamos cada vez mais as crianças em robôs, enquanto tentamos transformar cada vez mais os robôs em humanos.”
Discuta todos métodos, os seus métodos e nunca deixe de questionar todos os processos, inclusive os seus.
Boa reflexão!