Assisti a um estudo sobre os números do YouTube de 2020, com o título YouTube Culture & Trends Report: A New Age of Creators, e o perfil dos canais que cresceram durante 2020 surpreendeu, apesar do cenário promotor de más notícias em todo o mundo: Os youtubers têm perfis diversos, por exemplo, o canal Dad, how do I?, que mostra dicas de um pai para autocuidado e como fazer diversas coisas do dia a dia sozinho.
Outros exemplos incluem vários personal trainers ao redor do mundo que ensinam a fazer exercícios em casa; pessoas idosas que abrem suas casas e passam dicas que facilitam e deixam os dias mais gostosos para elas e seus seguidores; outras jogam games de ação, compartilhando pela câmera momentos de seus dias e divertindo-se.
Uma boa surpresa é que a audiência de canais da região de Latam passou de 100 milhões de seguidores de todo o mundo, impulsionada por youtubers que contam suas histórias e seus cotidianos, suas dores, expõem características interessantes de sua cultura.
Ha-rappers que cantam em espanhol, falam de suas causas, inclusive rappers mulheres escancarando a opressão que acontece desde o trabalho na infância, pouco acesso à educação e a falta de qualidade de vida, vitimando meninas e mulheres pelo machismo, e tudo conectado à sua ancestralidade, na qual se apoiam por meio de histórias, lendas e crenças que permeiam a cultura indígena, presente em suas realidades.
Eu, enquanto consumidora de conteúdos do YouTube no Brasil, percebi que as tendências foram parecidas, diferenciando-se os grupos de identidades que passaram por um crescimento entre youtubers negros, da comunidade LGBTQIA+ e das pessoas com deficiência.
Há um grande número de canais e crescimento de seguidores. O isolamento social criou uma bolha na internet que parece mais acessível, inclusiva, segura e democrática, no entanto, o uso ainda é forte para denúncias: Por exemplo, são mulheres que denunciam as violências que sofrem por meio de músicas, poesias, rodas de conversas, entre outras manifestações espalhadas nas regiões de todo o Brasil.
Nem o tom de humor da programação esconde as provocações por trás de conversas aparentemente despretensiosas como em Avós da Razão, que fala de temas polêmicos diversos, abrindo espaço para conversas seguras e educativas sem pesar no modelo de “conselhos” com tom de superioridade.
Na mesma direção, Tempero Drag, Saia Justa, Papo de Segunda, entre outros, trazem conversas muito sérias, e o tom leve de provocação gera reflexões inevitáveis ante os dados e as histórias que são pauta, o que humaniza o formato identitário de manifesto nas mensagens.
Vários programas passaram para o modelo web. A GNT, por exemplo, disponibiliza diversos programas no YouTube e promove debates sobre temas atuais, assumindo os papéis de moderadores para ‘pôr a limpo’ e de educadores informais num espaço de manifesto e debate mais seguro, zona neutra que expõe pontos cruciais, prós e contras, geralmente propondo que haja respeito, acolhida à diversidade, enfrentamento às desigualdades, que pese inclusive na resistência à opressão aos mais vulneráveis.
Muitas empresas começaram a enxergar o potencial de associação a esses canais durante o isolamento social. Os holofotes saíram das tevês para as transmissões de lives pela internet.
Novos perfis de influencers surgiram e outros se fortaleceram. Idade, gênero entre outras características deixaram de ditar o modelo de sucesso, pois há audiência para cada um e os interessados crescem todos os dias.
Quanto mais diverso e divertido, acolhedor ou fofo, como os canais sobre pets, maior a possibilidade de crescimento orgânico da audiência.
O reflexo adentra as casas e empresas. Vemos em qualquer lugar diversos debates e atitudes, muitas ao extremo da intolerância. A política do cancelamento promoveu separação entre amigos, casais, famílias, pessoas que antes eram contidas por certo verniz social e que agora não se contêm.
Os choques sociais promovidos por racismo, machismo, homofobia, entre outros tipos de preconceito, explodem. Há uma licença subentendida de que podemos ser quem somos, e algumas pessoas mostram-se abusivas, violentas, esquecem do pilar mais básico de uma sociedade: O direito de alguém vai até onde o do outro começa.
Por um lado, a diversidade da população se fez presente mais uma vez. Grupos inteiros se uniram para resistir e mostrar que não há mais tolerância para esse tipo de postura, principalmente por parte das empresas.
Movimentos importantes como o Black Lives Matter cresceram e ganharam novas pessoas aliadas, protagonistas começaram a reagir.
Enquanto algumas empresas perderam talentos, outras lucraram com a inclusão. É o caso da Natura, que viu suas ações subirem após a campanha publicitária de Dia dos Pais que contou com um homem transexual.
Algumas empresas, em 2020, entenderam que nesse ambiente é necessário assumir um posicionamento. Esse cenário de identificação e busca por grupos de afinidade é um espaço seguro onde se criam relações de fidelidade e apoio, pessoas que se tornam defensoras naturais, que consomem e se aliam, que seguem nas redes sociais, querem ser colaboradoras e concorrem a vagas de trabalho, concedem likes e compartilham publicações e experiências que consideram significativas, geram crescimento na audiência e em branding.
Nesse sentido, pesquisa realizada pela consultoria +Diversidade aponta que o assunto deve ganhar ainda mais espaço na agenda corporativa: 97% das empresas ouvidas pretendem manter ou aumentar seus investimentos em inclusão neste ano – isso num cenário de cintos apertados e crise econômica.
Aqui é importante frisar que promover uma imagem inclusiva e não o ser na prática, em algum momento, devido à grande exposição a que todos estão sujeitos, irá vazar, e o risco de ser cancelado ou virar alvo de linchamento virtual pode causar grandes prejuízos que passam pelo financeiro e pela resistência a marca.
O próprio 2020 foi um ano em que várias marcas sofreram perdas que talvez sejam irreversíveis.
Por outro lado, muitos grupos se organizaram e enfrentam carência e escassez, promovendo em rede, apesar do isolamento social, apoio a comunidades inteiras ao garantir alimentos, itens básicos e presença solidária.
A diversidade que compõe o Brasil é incalculável, somos um país rico e esse discurso de miséria que impede a mobilidade social está sendo questionado, a resistência ao achatamento social e apagamento das histórias e das vidas agora é publicado e gera reações, a consciência e a tolerância da população aos abusos estão em ordem inversamente proporcional e promovem mudanças.
Agora faço um convite: Potencialize a diversidade, inclua! Depois dessas histórias incríveis, que tal fazer o experimento do pescoço, olhar e identificar quais diversidades surpreendentes estão ao seu lado, pertinho da sua empresa e de você?