Um ambiente diverso e inclusivo tem de abrir espaço para protagonistas. Porém, nem sempre, devido às bolhas nas quais vivemos, conhecemos quem servimos ou quem pode somar em nossa estratégia.
Isso acontece porque, desconhecendo esses pontos cegos, buscamos nas redes em que estamos inseridos e não encontramos, e isso vai nos frustrando, de forma que atuar com diversidade soa distante e complexo.
Esse é o momento em que devemos refletir: será que estamos buscando nos lugares certos?
Como gestor da agência um.a, fui convidado para ser mentor no evento “Startup Weekend Diversidade e Inclusão”, uma maratona de um fim de semana, com objetivo de incentivar a criação de soluções disruptivas.
Abrir-janelas de oportunidades como essa, onde conheci a Samanta Lopes, hoje coordenadora Latam do Programa de Capacitação MDI, agregou à construção do programa, elaborado com a Pearson Educacional do Brasil.
“Conhecer o Ronaldo, como organizadora do Startup Weekend voltado à diversidade e inclusão, foi o início de uma nova etapa na construção de carreira à qual dedico minhas atividades de educadora e empreendedora. Saí do segmento corporativo em 2014. Na época, busquei recolocação por meio de agências especializadas, mas um grande incômodo surgia a cada entrevista, quando os hunters diziam que precisavam apagar várias partes do meu currículo porque nenhum gestor iria me contratar com aquele perfil – ‘ninguém vai contratar alguém para atropelá-lo’.”, comenta Samanta.
“Fiquei extremamente indignada com tudo aquilo! Sou bacharel em Publicidade, tenho especializações na área de serviços e marketing, foram anos atuando em coordenação e gestão de equipes, treinamentos, gestão de contratos. Lutei para construir uma carreira apesar das dificuldades que o racismo trouxe, afastando oportunidades do meu caminho, perseverei e construí uma sólida jornada, e agora queriam apagá-la?”, complementa.
“Não aceitei e mudei o rumo, buscando, em formações educacionais e técnicas, estruturar uma nova base de habilidades. Assim me tornei agente das mudanças, passei a abrir espaços mais seguros para outras pessoas, e, essa aproximação e conexão com o Ronaldo permitiu que eu atuasse em minha área de formação.”, continua Samanta.
“Escolhi ser empreendedora e educadora para mudar essa realidade: Atuo para que pessoas vindas de grupos invisibilizados se preparem para estar em espaços de escolha, enfrentar o preconceito e dinamizar suas potências. Gostar de tecnologia me levou ao mundo dos hackathons e de startup weekends, e aos espaços de educação não formal, como ONGs e programas de acesso ao letramento digital, por meio de editais da Prefeitura em São Paulo. Aprendi programação front-end e me encantei com a área de STEM e robótica, onde trilhas de aprendizagem criativa me permitem trabalhar o letramento digital de forma lúdica e autoral. E foi esse perfil multi skill que me conectou ao Programa Mestre em Diversidade Inclusiva (MDI), porque falar de diversidade e inclusão é estar aberta a abraçar o protagonismo de pessoas diversas e potencializar suas habilidades, suas histórias, abrir espaços para que brilhem e mostrem quanto podem realizar quando as oportunidades são disponibilizadas.”.
A aproximação provoca conexão e abre espaço para a escuta ativa, que é fundamental e faz toda a diferença. A presença da Samanta aumentou nossa atenção sobre as palavras, as imagens e os discursos, bem como nos protegeu não só no MDI, mas também em todas as ações de live marketing desenvolvidas pela um.a.
“A agência tem, nas regras de negócio, uma exigência quanto à presença de equipes plurais, desde a produção até os castings que oferta aos clientes. Participar das rodas de construção dos projetos, em que todas as vozes podem manifestar suas ideias, protege todas as iniciativas criadas, porque evitamos inserir vieses nas concepções. Por exemplo, quando vamos preparar uma proposta de evento com o tema étnico-racial, é muito relevante que protagonistas sejam indicados, não apenas os que estão nos holofotes das mídias, mas referências que estão invisibilizadas, porque há muitos projetos incríveis acontecendo em prol da luta antirracista que não chegam às grandes mídias.”, afirma Samanta.
Outro ponto para o qual voltamos nossas atenções foi abrir espaço para uma nova carteira de fornecedores, e a sustentabilidade dos projetos ganhou um novo olhar.
“Atuar em projetos nas periferias e nos espaços não formais de educação me aproximou de grupos empreendedores que fazem acontecer. Mapear essas potências e abrir espaços para que mostrem seus produtos e serviços aumenta a rede de apoio e gera um ecossistema mais sustentável. Essas ações garantem que a oferta por opções mais criativas e com verdadeiro impacto social sejam levadas aos clientes da agência. Infelizmente, ainda lidamos com propostas em que os nomes mais conhecidos da diversidade são escalados e nem sempre conseguimos mostrar outros talentos ao mercado.”, completa nossa coordenadora do MDI.
A transição ficou bem mais fácil quando escolhemos vivenciar a potencialidade de estar entre grupos diversos, conhecer suas histórias e apoiar seu desenvolvimento. Estar entre especialistas protagonistas é olhar o mundo por uma lente mais colorida, ampla e colaborativa.
A Samanta nos lembra que “O mercado está acostumado a querer profissionais prontos e esquece que muitas pessoas têm um ponto de partida e uma história de vida que lhes coloca em um nicho diferenciado dos modelos padronizados como ideais. É importante praticar a alteridade, ou seja, uma pessoa que estudou em faculdades de ponta sem precisar trabalhar, com suporte de seu privilégio, desfruta de recursos materiais e uma bagagem diferente de um profissional que aprendeu a se virar testando, sem orientação profissional, enquanto corria para pagar as contas em subempregos, sem acesso a investimentos. E é claro que isso também tem um grande valor.”
Entender essas diferenças é fundamental para apreciar as produções de cada um, sem cair no viés do coitadismo. Também é importante lembrar que o Governo é a entidade gestora e deve ajudar, mas a mudança vem de quem tem o poder para produzir riqueza, ou seja, se queremos mudanças, são as empresas que abrem espaço para que elas aconteçam de forma mais organizada, rápida, efetiva e sustentável.
Desta forma, trazer protagonistas especialistas para apoiar o processo de ampliar a pluralidade e abrir espaços inclusivos nas empresas é essencial.
A vida em sociedade cria uma série de filtros inconscientes em nossa mente, e a neurociência provou que muitas ações que pensamos escolher não foram questionadas por nosso cérebro, só reproduzem o que vimos e ouvimos durante nossa construção até a vida adulta.
A consciência desses vieses é essencial para assumirmos as mudanças que desejamos criar.
Enquanto educadora, a Samanta pontua: “Abrir espaços nas empresas onde diferentes histórias sejam respeitadas, onde haja programas para apoiar o desenvolvimento dessas potências é fundamental. Lembrar que a aprendizagem tem uma curva que precisa ser considerada e deve estar no planejamento de carreira e nas descrições de cargo para processos verdadeiramente voltados à inclusão das diferenças, também.”
“As empresas que entendem a importância de metas inclusivas são líderes de mercado porque visam desenvolver as pessoas e o ecossistema como um todo, e não apenas aplicar a ‘tokenização’, uma estratégia que penaliza as pessoas contratadas e não cria nenhum valor real de desenvolvimento sustentável para o mundo.”, enfatiza Samanta.
A reeducação corporativa é essencial, e é por isso que ressignificamos no Programa MDI a palavra “mestre”, porque entendemos que a busca pela excelência tem de ser contínua.
Precisamos promover trocas e fortalecer potências, porque, de verdade, podemos promover mudanças reais no mundo.