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DTC Vs. Varejo – canais opostos, mas convergentes. Sim ou não?

Movimento de venda direta pode impactar o canal indireto e inviabilizar a operação dos distribuidores e varejistas

Um-artigo do CEO da FreightWaves que li recentemente me chamou a atenção. Andrew Silver questionava até onde o movimento de venda direta, que vem sendo adotada por grandes marcas nos EUA, pode impactar o canal indireto a ponto de inviabilizar a operação dos distribuidores e até varejistas.

Sem dúvida um tema super update que merece uma abordagem tropicalizada e contextualizada sob o comportamento do consumidor. De saída, precisamos situar o Brasil nesse cenário pois mesmo sendo o 5º maior país em extensão – apenas 13,41% menor que os Estados Unidos (3º), no panorama econômico e de infraestrutura estamos pelo menos 30 anos atrasados e o Tio Sam dispõe de 120 milhões de consumidores a mais, com maior poder de compra e acesso à internet que os brasileiros.

Aqui a busca pelo formato de venda direta sempre existiu e isso não é nenhuma novidade. Ocorre que essa tendência vem sendo turbinada pelo boom tecnológico, que baratou os custos e acesso às lojas online, e explodiu impulsionado pela pandemia. Vale lembrar que a Avon (agora uma empresa brasileira – adquirida pela Natura em jan/2020) iniciou suas operações door 2 door em solo brasileiro em 1958, e hoje o mercado brasileiro representa sua maior operação e maior força de vendas mundial, com cerca de 500 mil consultoras(es).

Neste caminho temos também outras estratégias que eliminam os intermediários, como aconteceu após a fusão entre Brahma e Antarctica há 20 anos, quando a AmBev iniciou o processo de venda direta das bebidas ao varejo com a implementação da distribuição B2B, absorvendo as empresas que distribuíam produtos Antarctica (Revendas), que passaram a operar como CDs, seguindo o modelo de verticalização da cia, hoje pertencente à Ab InBev, maior cervejaria do mundo. Esforço que continua hoje através de canais de comércio eletrônico com o Zé Delivery.

Lá fora, a decisão da Nike em cancelar sua operação de venda pela Amazon em novembro de 2019 incentivou outras marcas de prestígio como Ralph Lauren, Vans e Birkenstock – fabricante de calçados premium fundada em 1774, a retirarem seus produtos da prateleira digital do gigante do comércio eletrônico criado por Jeff Bezos. Ao encerrarem as suas vendas por este canal indireto B2B as marcas deram um passo muito ousado, mas a mudança de curso rumo ao modelo B2C DTC (direct to consumer) não parou aí. Essa nova dinâmica está indo ainda mais longe e já avança para o encerramento das vendas em alguns parceiros do varejo tradicional das lojas físicas também. A Under Armour anunciou que reduzirá a comercialização nos atuais três mil pontos de venda e a Nike sinalizou que retirará seus produtos das redes de varejo regionais como Dillard’s e Belk.

As marcas alegam que essa mudança tem o objetivo de promover a manutenção da consistência do seu branding. Desejam retomar o controle sobre a experiência do consumidor para construir relacionamentos melhores, captar dados fidedignos, evitar os ruídos e desgastes para a marca que surgem dos atendimentos não satisfatórios oferecido aos seus clientes pelos parceiros do varejo.

O argumento pode soar um tanto pretensioso e nos fazer perguntar – qual o motivo dessa mudança tão radical partindo para o modelo DTC ? Simplesmente porque as marcas sabem que são robustas o suficiente para isso, aliado ao fato de que descobriram que conseguem. 

Sim, é natural que haja um encanto corporativo idealista com o novo mundo higtech onde tudo parece possível, simples e fácil. Onde existe uma oferta completa de provedores de tecnologia de e-commerce e de logística terceirizada que viabilizam suas operações de venda digital. Onde ter a sua plataforma de comércio eletrônico significa a solução perfeita para o controle total, para acesso aos dados dos usuários que permitirão conhecer profundamente seu shopper, personalizar sua experiência de compras e fidelizar, garantir o atendimento perfeito, eliminar a concorrência das marcas próprias dos grandes varejistas, praticar margens mais altas, e uau…. teremos um modelo de negócios perfeito.

Sim! O e-commerce veio para ficar. E mais, para revolucionar os hábitos de consumo de produtos, serviços e conteúdo. Porém, temos que ponderar a sua convergência dentro de um universo estabelecido que já funciona e está convivendo com novos paradigmas, mas exige um tempo para processar e absorver as mudanças.

E não! A expectativa da plataforma DTC como uma solução mágica não significa em hipótese alguma o fim da necessidade da parceria com o canal indireto, o qual garantirá cobertura e penetração. E nem o fim da comercialização do varejo físico com pontos de contato através de exposição e vitrines que proporcionarão a ambiência emocional e experiência sensorial – poderosos construtores de vínculos afetivos definitivos com a marca, funcionando como ferramentas de aquisição de clientes e conversão de vendas.

Estudos de casos que obtiveram bons desempenhos no canal DTC constatam que a grande maioria destas marcas manteve suas operações de showrooms, vitrines físicas e forte visual merchandising. AllBirds, Casper, Bonobos e Warby Parker entenderam na prática que a presença física da marca também funciona como um suporte para a aderência do shopper ao e-commerce. Conclui-se, portanto, que DTC e varejo são canais de vendas convergentes.

Nesse contexto a viabilidade do DTC, lá como aqui, ainda dependerá de fatores como o tipo do produto comercializado, uma vez que as categorias de refrigerados e alimentos short shelf life, por exemplo, exigem estocagem e logística especializadas, incorrendo em uma operação sensível e de alto risco. Outro fator estratégico é a análise da margem média de contribuição do produto versus o seu CAC – custo de aquisição do cliente para a plataforma DTC, que é alto. Situação que exige prioritariamente comercialização de itens de alto valor agregado.

Montar e operar uma loja virtual está cada dia mais acessível em qualquer país, mas as marcas devem seguir operando com um modelo híbrido ainda por um bom tempo até que consigam amadurecer suas operações de distribuição de modo a garantirem presença física em pontos estratégicos, flagship ou no varejo, e autonomia de cobertura integral. As marcas que não respeitarem a complexa equação emocional, racional e influencial que está por trás de cada decisão de compra do shopper correrão risco de insucesso nas suas iniciativas comerciais com foco exclusivo no online.