Estes dias um amigo me disse: “Partiu ‘Projeto Verão’!”. “Que legal”, pensei e perguntei: “Que negócio é esse?”. Ele me explicou que era uma mistura de contratar e frequentar uma academia, junto com o penoso ato de fechar a boca durante todo o último trimestre do ano. Tudo isso para poder desfilar orgulhoso na praia, com um “corpinho sarado” durante o verão.
Isso me lembrou o quanto, de certa maneira, agimos assim o ano todo. Quantos de nós não trabalha de 12 a 14 horas, de segunda a sexta, para no final de semana, desestressar enchendo a cara. Aqui em casa, por exemplo, me privo de vinho de segunda a quinta, para curtir infinitas taças no final de semana.
Quantos de nós não odiamos as tardes de domingo, pois sabemos que vamos fazer tudo igual e de novo a partir da próxima segunda-feira?
Quantos-de nós nos entregamos aos prazeres da vida somente em nosso período de férias do trabalho?
Esses são pequenos e até divertidos delitos, mas que revelam nosso jeito de evitar pensar muito sobre as coisas, para não termos que nos esforçar mudando os hábitos.
Parece que gostamos mesmo é de procrastinar as decisões que nos afetam, para depois ficar “correndo atrás do próprio rabo”.
A questão é que esse comportamento impacta, e muito, na nossa vida. Quantas histórias não conhecemos de gente que trabalhou dos 15 aos 60 anos para acumular o máximo de dinheiro possível, e, depois de velho, estressado, sem saúde e sem família, acabar não conseguindo usufruir da “recompensa”?
Quantas pessoas, chefes de família, conhecemos e que, infelizmente, não conseguiram viajar com suas companheiras ou companheiros, porque elas ou eles não estavam mais lá; quantos pais não conseguiriam acompanhar o crescimento de seus filhos porque estavam ausentes, lutando pelos recursos que pareciam prioritários para a sobrevivência deles?
Quantos desencontros causamos por falta de tempo! E quanto tempo gastamos andando em círculos. E quanto deixamos de evoluir ou ir além por preguiça de ressignificar as coisas. Por fim, quando deixamos de curtir a vida por medo de mudar.
A pandemia nos provocou, mostrando que é possível ter vida pessoal no trabalho e trabalhar dentro de nossas casas. Lembrou que, como adultos, nos sentimos muito bem com a junção de responsabilidade e autonomia.
Tanto é verdade, que hoje no mundo corporativo ninguém quer voltar a trabalhar das 9h às 18h em um lugar específico, sem a liberdade de tomar suas próprias decisões.
Claro que não é fácil desligar o automático e resistir a olhar nossas redes sociais pela vigésima vez no dia, mas precisamos investir mais tempo em nos conhecer melhor, saber mais sobre nossas crenças e valores, e, assim, passar a agir em sintonia com eles.
Passar a dizer “sim” para aquilo que de fato acreditamos e concordamos, e a dizer não, para tudo aquilo que não concordamos e não queremos mais para nossas vidas.
É verdade que devido a vários fatores, principalmente os culturais, as pessoas da minha geração (entre 45 e 60 anos) não conseguiram resolver bem esses conflitos, mas, em compensação, parece que deixamos filhos melhores e mais preparados para lidar com essas questões.
As gerações mais novas podem dar conta do desafio justamente porque são mais leves, sem compromissos com as coisas materiais ou o sentimento de segurança que tanto nos seduz.
Os jovens percebem o quanto nós fomos e somos escravos dessa cultura, e, por isso, buscam coisas mais simples e possíveis para suas vidas. Coisas que necessitam e desejam, mas que, acima de tudo, podem ter e usar já.
Por isso é tão importante a conexão entre as gerações. Essa troca diversa entre pessoas de diferentes idades e experiências. A juventude é um convite para repensar escolhas e criar novas sinapses e soluções para velhos hábitos.
Então, ao contrário de corpos sarados, deveríamos buscar educação alimentar e equilíbrio para podermos gozar de uma vida saudável e prazerosa o ano todo.
Deveríamos focar esforços no resultado do trabalho, para resolver rapidamente nossos desafios profissionais, e assim termos mais tempo para viver, conviver e viajar com os amigos já no próximo final de semana.
Deveríamos repensar nossa expectativa de futuro feliz, para que ele chegue mais rápido em parcelas reais, que possam ser usufruídas na companhia saudável das pessoas que amamos.
Precisamos de mais coerência em nossas decisões do dia a dia e menos ansiedade e depressão. Chega de sofrer todo domingo por ver o final de semana acabar.
As pesquisas mostram que passamos mais de 3 horas por dia nas redes sociais. Bora sair um pouco delas, refletir sobre nossos desejos reais e tomar as decisões que vão criar semanas melhores e mais leves. Coisas simples, que qualquer um pode repensar e fazer diferente, a partir de agora.
No mundo corporativo, temos que aproveitar essas janelas para a humanidade que as empresas estão abrindo para nos posicionarmos e criarmos uma cultura mais conectada com a realidade. Uma cultura mais diversa e inclusiva que abraçará todas as pessoas, inclusive aquelas que vivem fugindo de viver a vida.