Materia publicada no site do Grupo Folha deste domingo trouxe levantamento que mostra que o governo do Estado de São Paulo realizou apenas cinco dos 30 eventos-teste que anunciou para o processo de retomada do setor em meio à pandemia do coronavírus. Segundo Eduardo Aranibar, subsecretário da pasta de Desenvolvimento Econômico, que organizou os eventos-modelo, o projeto não foi em frente à época porque a pandemia acabou diminuindo.
A reportagem surge no momento em que foram estabelecidas recomendações para limitação da capacidade de público, o que causou revolta no setor, especialmente no de ferias de negócios. As entidades representativas lançaram diversos manifestos nos últimos dias mas nenhum dos representantes delas foi ouvido na matéria publicada neste domingo.
Em maio de 2020, o governador João Doria (PSDB) havia anunciado que seriam realizados dez eventos-teste. Na última quarta-feira (12), o governo paulista restringiu a capacidade máxima nos estádios em jogos de futebol e recomendou o mesmo para eventos.
Defensor das restrições que entraram em vigora na semana passada, o presidente da SPI (Sociedade Paulista de Infectologia), Carlos Magno Castelo Branco Fortaleza diz que o ideal seria testar todos os participantes do evento. “A testagem amostral tem a mesma lógica da pesquisa eleitoral”, comparou. “Você não elege um presidente com base em pesquisa eleitoral, certo?”
Há situações em que você precisa de 100% de conhecimento. São as situações em que você não pode deixar passar nenhum caso. Então, um evento seguro exigiria, no mínimo, que se testasse 100% dos participantes.”
Em julho de 2020, a secretária de Desenvolvimento Econômico, Patrícia Ellen, confirmou que seriam realizados 30 eventos:
12 eventos de economia criativa, dois esportivos, dois de negócios e 14 sociais.
Todos deveriam ter público com vacinação completa e testado, além de uso obrigatório de máscara, álcool em gel e capacidade reduzida, e com monitoramento pós-evento. No entanto, em vez das 30 experiências ao longo de um período de seis meses, foram realizadas apenas cinco em um intervalo de um mês e meio.
Os cinco eventos-modelo realizados foram a Expo Retomada, feira de negocios B2B em Santos no mês de julho com 1.500 participantes, sendo que 2 pessoas testaram positivo pré-evento (o que impediu a entrada) e 3 pessoas testaram positivo pós-evento.
Outro foi o Show-jantar no Clube Paulistano em agosto na capital. Foram 210 participantes, sendo que 1 pessoa testou positivo pré-evento (o que impediu a entrada) e 1 pessoa testou positivo pós-evento.
Em agosto também aconteceu a Feira das Feiras evento aberto ao público em geral. Foram 3.000 participantes, sendo que 6 pessoas testaram positivo pré-evento (o que impediu a entrada) e 6 pessoas testaram positivo pós-evento.
Depois tivemos a Volta SP 10K . A corrida de rua contou com 1.200 participantes, sendo que nenhuma pessoa testou positivo pré-evento e 1 pessoa testou positivo pós-evento.
Por fim o jogo de futebol Brasil x Argentina em setembro. Dos 1.500 participantes 25 pessoas testaram positivo pré-evento (o que impediu a entrada) e nenhuma testou positivo pós-evento
Mas o monitoramento pós-evento não foi feito com todos. Na Expo Retomada, por exemplo, dos 1.500 participantes, foram testados pós-evento 463 pessoas. Ou seja, pouco mais de dois terços do público não passaram pelo procedimento.
“Fomos mais conservadores”
Aranibar diz que, em julho de 2021, não havia como saber de que maneira a pandemia estaria nos meses seguintes. “Então, fomos mais conservadores, anunciando vários eventos como se a pandemia caminhasse talvez com taxas mais elevadas, mesmo em meses como outubro e novembro.”
Junto com o avanço da vacinação e a redução no número de casos e mortes, o governo de São Paulo começou a relaxar as restrições e praticamente tudo já estava liberado em termos mais flexíveis do que previam os testes. “A gente acompanhou esses eventos, mas não nesse modelo mais rígido, que eram os eventos-modelo”, afirma o subsecretário.
Anunciadas no pacote de eventos-teste, a etapa brasileira da Fórmula 1 e a Oktoberfest na capital paulista foram realizadas, mas sem os protocolos que estavam previstos inicialmente.
“O combinado de como o evento deveria acontecer e o acompanhamento da [Secretaria da] Saúde permitiram que esses eventos acontecessem já com o setor como um todo permitido a funcionar”, diz, argumentando que não eram mais necessários mais testes “antes de fazer uma liberação maior”.
De acordo com Aranibar, a área de Saúde do governo paulista indicou que se tem um “intervalo de confiança estatístico significativo a partir de uma amostra”, o que seria atingido com resultados sobre 20% dos participantes.
Segurança “não existe”
Fortaleza, que foi membro do Centro de Contingência do governo paulista contra o novo coronavírus, disse que, com o avanço da nova variante no Brasil, o ideal seria que se voltasse a tomar novas medidas restritivas.
“Tudo que se aprendeu nos eventos-modelo não se aplica à ômicron, que se transmite mais rapidamente”, diz. “Os princípios de segurança dos eventos-modelo, por mais que fossem coerentes com a epidemiologia que se conhecia na época, são insuficientes para a contenção da variante ômicron. Neste momento, a segurança que se diz ter ganho com os eventos-modelo não existe.”
Já para Aranibar, “mesmo com a variante, a gente está numa realidade completamente diferente de julho”. O subsecretário diz não ver necessidade de fazer uma nova leva de eventos-modelo em razão da ômicron. “Em última instância, a gente voltaria para protocolos estabelecidos naquela época, só que com a população vacinada agora.”
Ele diz que, junto com a área de Saúde, é feito o acompanhamento sobre os números de internações, mortes e casos. Para o presidente da SPI, porém, esse não é o melhor caminho. “Tem que lembrar que internações e mortes são indicadores tardios. Então, quando começa a subir internação e morte é porque a situação já está ruim.”
Os números no estado voltaram a subir, e a demanda por atendimento nos hospitais têm crescido. Existe ainda o problema da subnotificação —já que muitos estados reclamam que o sistema de registro do Ministério da Saúde ainda não foi retomado plenamente, mais de um mês depois do ataque hacker.
Eventos diferentes. Pesos e medidas também
Paulo Carelli, um dos organizadores da corrida de rua Volta SP 10K, evento-modelo no ano passado, diz esperar que, caso o governo adote restrições mais duras, “que se enxergue com responsabilidade as diferenças entre os eventos”.
“O que ficou evidente com os eventos-modelo é que uma corrida de rua não tem nada a ver com uma balada, uma festa de casamento, com evento de outra natureza que ocorre em ambientes fechados.”
Os especialistas do setor de eventos concordam que a segurança como uso de máscaras e alcool em gel e os rigororos cuidados com a saúde das pessoas são fundamentais e prioritáriso.
Mas a opinião geral é que o setor foi usado como “bode expiatório” e questionam autoridades políticas e da saúde: Se o problema é tão sério, porque as restrições não foram impostas também ao transporte público, funcionamento de shoppings bares e restaurantes ?
O fato é que nestes locais já não há nenhum contrôle e onde há, poucos protocolos são seguidos e nenhum deles é tão rigoroso como aqueles aplicados nos eventos corporativos e feiras de negócios.