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Memórias de Férias inesqueciveis

Em minha vida profissional, passei por uns 16 processos de fusão e incorporação de empresas.

Em minha vida profissional, passei por uns 16 processos de fusão e incorporação de empresas. Ora a empresa onde eu trabalhava estava sendo vendida, ora estava comprando outra empresa. Sem qualquer dúvida, o aprendizado a que pude ter acesso tornou minha vida, no mínimo, cheia de emoções. É muito bom lembrar de cada uma delas, pois, além de ter sobrevivido a todas, ainda tive contato com culturas muito diversas, aprendendo a me adaptar às situações sem perder a minha essência nem renunciar aos meus valores.

Foi fascinante o exercício de entender como as organizações se movimentam e agem, e principalmente dominar os aspectos de comportamento, tirando sempre o melhor de cada uma delas. Um enorme desafio que exigiu muita atenção, sensibilidade e coragem de estar sempre no limite entre o novo, o politicamente correto e o completamente errado.

Como tudo em nossa vida, porém, acabamos sempre deparando com um “mas”. Num determinado momento, meu diretor saiu de férias. Sua equipe, na ocasião, era toda oriunda de outras empresas, o que o deixou em um dilema: quem seria chamado a responder pelo departamento, em caso de alguma necessidade da alta direção da empresa? Não deu outra. Por ser o de maior idade, com mais tempo de casa, e por ter participado de um dos primeiros processos de incorporação, coube a mim essa tarefa. Como sempre, as questões técnicas da área eram as mais simples de serem tratadas. A liturgia do cargo, porém, mesmo sendo um substituto somente por duas semanas, precisava funcionar com precisão. Não que isso fosse uma enorme dificuldade, apenas era necessário muita atenção aos detalhes:

  1. Estar sempre disponível a partir das 7 da manhã, às segundas-feiras.
  2. Nunca chegar depois das 7 da manhã e nunca sair antes das 19 horas.
  3. Quando houvesse reuniões marcadas, sempre chegar antes de seus superiores.
  4. Sempre estar pronto para se apresentar no andar da diretoria, de paletó e gravata.
  5. E mais alguns outros predicados, muito simples, e que basicamente bastava seguir.

Tive uma oportunidade sensacional: passei pela incrível experiência de comparecer a uma assembleia ordinária com acionistas presentes, onde, se houvesse alguma pergunta sobre sua área, você seria arguido e teria que responder. A todos os diretores, vice-presidentes, ao conselho e aos acionistas.

Foi impressionante, sobretudo, assistir às moças do café oferecer uma xícara a cada um dos presentes e terminar de recolhê-las antes do final do evento. Após o encerramento, achei mais extraordinário ainda; não durou mais do que 30 minutos, que para mim pareceram horas.

Mas o melhor da festa estava por vir. Se bem me lembro, faltavam três dias para que eu encerrasse a minha participação naquela jornada quando, por volta das 6 horas da manhã de uma quarta-feira, toca o telefone em minha casa. Do outro lado da linha, a secretária me informa que o presidente do Conselho havia solicitado minha presença, pois estava recebendo a visita de um ex-vice e me chamava para participar de uma pequena reunião. Meio dormindo e completamente assustado, respondi: 

– A senhora sabe para qual telefone está ligando?

E a resposta veio singela:

– Sei, sim, senhor Luiz, para a sua residência.

– Então, por favor, avise que eu estou a caminho, mas que ainda não estou na empresa.

Mais uma resposta tranquilizadora: 

– Senhor Luiz, vou avisar que o senhor está vindo.

Bem, não preciso contar a vocês como algumas tarefas feitas rotineiramente pela manhã foram canceladas, e as demais executadas de forma absolutamente imprudente. Escovar os dentes fazendo a barba. Pentear o cabelo calçando o sapato. Colocar o paletó lavando o rosto. Tomar café nem pensar, completamente desnecessário. Dirigir rezando para que os radares não estivessem acordados e os CETs estivessem olhando para outro lado ou lendo jornal. Dessa forma, um ritual que normalmente levava hora, hora e meia, foi feito para que eu pudesse chegar à empresa exatamente 32 minutos depois de a secretária ter desligado.

Fui direto ao andar da diretoria. Mais notícia boa: os dois senhores aguardam o senhor, na sala privativa da Presidência para tomar café. E quando soube quem era o outro participante, aí que imaginei que a coisa ia sair totalmente do controle. Entrei, pedindo licença e me desculpando pela demora, sem dizer onde eu estava quando fui chamado. Na verdade, não seria necessário mesmo. Claro que sabiam. Mas o bom da história era que, nessas ocasiões, os hábitos da cultura organizacional apontavam sempre para duas pessoas extremamente agradáveis e educadas.

– Por favor, Luiz, sente-se. Tome um café conosco. Quer um pedaço de queijo minas? Um pãozinho?

Agradeci e fiquei só no café, pelo menos para aquecer o frio na barriga! O presidente vira-se para seu convidado e diz: 

– Faça a pergunta. Ele é da área de marketing e saberá te responder.

Imaginem. O presidente me chama para responder a uma pergunta de um convidado dele… Pensei: nossa, como foi bom ter trabalhado aqui. Quando o chefe voltar, vai ter que promover alguém ou deixar o cargo vago até a próxima incorporação.

Finalmente, a pergunta:

– Luiz, por favor, me responda com sinceridade. Não me esconda o fato.

Claro, sim ou não poderiam me comprometer seriamente. O sim, significando que iria esconder, e o não com o sentido de que não iria responder corretamente.

Preferi me ater ao “Claro!” Como dizem, menos é mais.

– Meu filho, nós vamos patrocinar o time de futebol do Corinthians? Estou lhe perguntando porque, como você bem sabe, temos clientes de todas as torcidas, e por isso não devemos privilegiar somente um clube no Brasil.

Por um momento quase me faltou o ar. Primeiro, porque para aquela pergunta eu sabia a resposta. Depois, quis entender por que tinha sido chamado às pressas e passado todo aquele sufoco para solucionar uma questão que todos na empresa saberiam responder.

Mesmo assim agradeci a Papai do Céu por ser aquela a pergunta. E passei a resposta:

– Não, senhor. Não vamos.

– Luiz, você tem certeza absoluta?

– Tenho, sim, senhor.

– Mas a imprensa está noticiando o contrário. Por que não desmentimos?

– O senhor entende mais disso do que eu – respondi. – Todas as vezes que alguém solta uma notícia dessa natureza e a empresa envolvida nega, o que acontece? A negativa serve de total certeza de que, ao contrário do que se está dizendo, aquilo vai acontecer. Principalmente no futebol, que o Senhor tanto conhece. Por isso nos mantivemos em silêncio e, até que surja algo novo, vamos permanecer assim. E como sabemos que não existe nenhuma verdade nessa afirmação, logo, logo essa onda passa. O senhor não concorda?

– É, meu filho, você está certo.

Assim que ele termina essa frase, o presidente se vira para seu convidado e diz:

– Satisfeito, agora? Eu lhe disse, mas você não acreditou. Luiz, pega outro café e um pedaço do queijo. Está ótimo. 

Eu agradeci, me levantei, pedi licença, perguntei se podia ajudar em mais alguma coisa, cumprimentei os dois, muito aliviado, e saí da sala. Fui até o café, tomei outro e uma garrafa de água, bem gelada e bem devagar. Fiquei sentado ali um pouco e depois tomei o elevador para descer para o meu departamento. Assim que cheguei, a secretária do diretor que estava de férias vira-se para mim e diz:

– Ô Luiz, atrasado hoje! E se alguém lá de cima te chama? Como fica?

Olhei espantado para ela, mas continuei caminhando até a minha mesa. Estava exausto.

Quem sabe, depois de tanto tempo, se lerem estas memórias, alguém se lembrem desse dia. 

E você? De que situação, saia justa, semelhante ou não, você tem memória? Compartilhe aqui.