Experiência de Marca

Intimidatório

O simples fato de estarmos diante da TV, torcendo pela seleção brasileira de futebol feminino, pode certamente contribuir para que nos tornemos pessoas melhores, menos preconceituosas.

Nova Zelândia. Estádio Eden Park. Na cerimônia de abertura da maior Copa do Mundo de futebol feminino já realizada não poderia faltar o hakaHaka é o nome genérico de como é conhecida a dança da etnia maori. Os All Blacks (e muitas outras equipes neozelandesas de rúgbi) a utilizam nas partidas para exibir sua força e unidade ao adversário. Essa superseleção usa um haka para simbolizar e mostrar ao mundo a integração racial e cultural, o que contribui para a unidade do país, de diferentes origens e etnias.

O Ka Mate, o haka que os All Blacks praticam há mais de um século, foi criado em 1820 pelo chefe maori Te Rauparaha. Como explica o site dos Blacks, dedicado à história dessa dança. A canção comemora a vida sobre a morte, e foi escrita após Te Rauparaha conseguir escapar de uma tribo rival. A dança, em sua origem, pode não ter tido um caráter intimidatório, mas seu nome, Ka Mate, significa “é a morte”. 

Pois bem, acho que este é o ponto: intimidatório. A maioria da imprensa que cobre futebol é composta por jornalistas, narradores, comentaristas do gênero masculino. Ainda bem que alguns veículos de comunicação já têm comentaristas de outro gênero. Entretanto, NO ÚLTIMO DIA 23/7, li uma matéria afirmando que esta Copa do Mundo é a maior Copa LGBTQIA+. 

Com base em quê essa afirmação foi feita? 

Alguém pesquisou na última Copa masculina, em 2022, quantos atletas não se declararam sendo do gênero masculino? 

Impossível dizer. 

A Copa aconteceu no Catar, país com uma visão completamente diferente da Austrália e da Nova Zelândia. Além disso, quantos se atreveriam a assumir esta condição? Principalmente num esporte que se confunde muitas vezes com o exercício e a demonstração da masculinidade, não é mesmo?

Meus amigos, para mim tanto faz o gênero dos atletas. 

Mas para que possamos oferecer uma análise com pesos e medidas iguais, deveríamos ter cuidado redobrado ao fazer afirmações da natureza, que está retratada naquela matéria. Afinal, isso não interessa, principalmente na perspectiva do esporte, não é verdade? Será?

O que acontecerá se aparecer um jogador, craque de bola, titular em qualquer seleção de qualquer país, que nasceu mulher e se transformou em homem? 

Como deveremos tratar o caso? 

No voleibol isso já acontece. 

No futebol, não é difícil inferir o que vai rolar em termos de comportamento, definições etc. Será mais fácil um homem que se transformou em mulher jogar numa competição feminina que o contrário.

Acredito, então, que essa matéria, além de não fazer nenhum sentido, nem deveria ter sido escrita e muito menos publicada. 

O ponto é simples: temos duas Copas de futebol, uma feminina e outra masculina. Ponto. 

Por que então afirmar que esta Copa é a que temos o maior contingente de pessoas que se declaram LGBTQIA+? Será que essa preocupação não aponta para um preconceito, antigo aqui no Brasil, de que mulher não joga futebol? Será que este não é um dos fatores importantes que mais impediu o desenvolvimento deste esporte, em sua versão feminina?

Lembrando, que a modalidade esteve proibida para as meninas durante décadas. Em 1965 existia o Conselho Nacional de Desportos, que controlava o desenvolvimento dos esportes no Brasil, reiterava que o futebol feminino era proibido por ser um esporte inadequado para o sexo feminino. 

Ainda bem que superamos e que aqui, no país do futebol, já temos campeonatos estaduais, regionais, brasileiro e continental sendo disputados normalmente. Mais um passo importante no desenvolvimento desse esporte tão familiar a nós todos. 

Me traz muita felicidade ver nas quadras, nos campos, meninas jogando futebol normalmente. Principalmente pelo fato de gostarem de praticar o esporte. Também gosto de assistir jogos narrados e comentados por mulheres. Para mim, pouca diferença existe. 

Mulher.

Mãe.

Esposa.

Avó.

Profissional.

Artilheira.

Goleira.

Zagueira.

Espero, sinceramente, que possamos encarar essa nova realidade de maneira sensata, e que patrocinadores possam se beneficiar dessa modalidade. E, mais importante que tudo isso: o simples fato de estarmos diante da TV, torcendo pela seleção brasileira de futebol feminino, pode certamente contribuir para que nos tornemos pessoas melhores, menos preconceituosas, podendo olhar e dar o valor que merecem as mulheres em nossa sociedade. 

Penso que esta é uma boa oportunidade para tal demonstração. Entretanto, esta Copa do Mundo precisa ser intimidatória mesmo. Principalmente no sentido de se ter respeito pelo público, pela adversária, pelo esporte.

E na estreia do Brasil contra o Panamá, já pudemos ver um futebol bem mais bem jogado do que o do time masculino. E ninguém reclamando que a técnica é americana.

Esperamos, também que não tenhamos cenas de mau gosto ou vexatórias, como aquela em que o melhor goleiro da Copa de 2022, eleito pela FIFA, ao receber o troféu o transforma em falo, colocando-o à frente de sua genitália.

Aliás, se tivéssemos mulheres nos postos de maior destaque na FIFA, duvido que aquela cena tivesse passado em branco.

E fica uma pergunta, quando teremos então uma presidente dirigindo o futebol mundial?

Meninas, mulheres de todo o mundo que estão construindo esse evento mundial, atentem para esta responsabilidade.

A Copa, como evento esportivo de alto nível, precisa ser um HAKA. Intimidatório, sim.

O futebol feminino pedindo passagem.

No sentido de mostrar a sua beleza, a magia de se ver uma equipe praticando o que de melhor existe no mundo da bola.

 Intimidatório sim, na garra de se mostrar que é maravilhoso e encantador, assistir a uma disputa no futebol, onde se mostram novos caminhos para a bola percorrer. 

Não é só futebol, mas também uma página importante na narrativa da participação feminina na história.

Foto: Chris Hyde – FIFA/FIFA via Getty Images