Camões escreveu um poema – ou melhor, uma odisseia – em dez cantos, Os Lusíadas, com uma quantidade enorme de palavras dando vida às aventuras vividas por seu povo, em mares e terras desconhecidos.
As armas e os barões assinalados,
Que da Ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca de antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram.
Talvez,-se Shakespeare tivesse a mesma inspiração, sua versão contando os feitos dos ingleses não desse para escrever metade do que Camões escreveu. Estou me referindo somente à riqueza que a língua portuguesa proporciona àqueles que se utilizam dela para dividir seus pensamentos, comparando com o inglês, que é uma língua muito mais pragmática e direta.
To be, or not to be,
That is the question.
Foi assim que o grande poeta e dramaturgo inglês resumiu – aliás, não, descreveu – o grande dilema do ser humano. E são esses dois versos, traduzidos para nossa língua, o fio condutor que guia o meu artigo de hoje.
Ao olhar para a famosa frase do teatro inglês, nos parece fácil a tradução: ser ou não ser. Mas e se traduzíssemos como estar ou não estar? Estaríamos corretos, pois não?
Ora, pois.
Essas armadilhas que nossa língua materna nos apresenta é que acabam trazendo para a nossa vida grandes dificuldades. Vou tentar me ater aos fatos do mundo corporativo, na medida em que não ousaria discutir esse assunto levando em conta o âmago do ser humano.
Pois bem, quando passamos para a vida em uma corporação, e estamos chegando para um novo desafio de trabalho, por exemplo, ou mesmo para uma simples reunião em que alguns não se conhecem, a primeira colocação absolutamente perfeita está na condição de responder a uma pergunta simples: Quem é você? Por favor, se apresente. E é nesse primeiro contato que começa a confusão. As respostas sempre vêm com o significado do verbo errado. A pergunta correta deveria ser: Quem está você? Se fosse em inglês, seria o mesmo: Who are you?
É um detalhe, eu sei, mas se o respeitássemos de uma forma mais positiva, poderia sem dúvida melhorar as relações corporativas. E digo isso porque já participei dessas reuniões em que as respostas começam com cada um mostrando as cartas que tem, como se fosse um jogo de pôquer. Eu sou diretor da filial Tubarão. Tenho 25 anos de casa e passei por várias posições. Eu sou doutor em ciências contábeis. E por aí vai. Ao final dessa pequena apresentação de quem somos – que na verdade se torna uma apresentação de credenciais para se saber quem manda –, estabelece-se o poder rapidamente. E se o objetivo for trocar e tentar achar soluções diferenciadas para uma determinada questão, lá vamos nós começar mais um grupo de trabalho, que sempre é muito lento e que fatalmente perderá o bonde da história.
Sim, querido leitor, o grande e maior engano ocorre por uma questão semântica simples, mas que, quando as pessoas envolvidas deixam de pensar e passam a acreditar que o verbo sempre tem apenas o significado de ser, elas só vão se surpreender no momento em que a corporação, por meio de uma avaliação, colocá-las frente a frente com valores que elas descobrem ter grande dificuldade para cultivar e desenvolver: as famosas competências.
Mais uma vez, um pequeno disclaimer para a minha crença. Acredito fortemente que os grandes problemas sempre têm início no entendimento perfeito da frase de William Shakespeare: ser ou não ser. Para a qual eu, para conseguir debater essa questão, estou admitindo duas versões corretas: ser ou não ser e estar ou não estar. A diferença de significado é muito grande, concordam? E dessa forma é obvio que dependemos de cada empresa realmente saber como continuará usando o significado ambíguo aqui existente.
Passando a fronteira do pessoal, aquela que eu disse que não me arriscaria transpor, talvez isso explique minha saia justa toda vez que vem para mim a pergunta: Quem é você? Muitas vezes fico pensando no que vou dizer, sem saber o que escolher. Posso começar com “sou formado em comunicação social com MBA em marketing”; ou “sou carioca, adoro uma praia e sou bom cozinheiro”; ou ainda “trabalho em São Paulo desde 1996, moro em Santana de Parnaíba e não pretendo voltar para o Rio de Janeiro”. Entretanto, essas afirmações refletem momentos de minha vida, sem revelar muita coisa para o meu interlocutor. Em algumas situações, claro que isso é bom; em outras, nem tão bom assim.
Mas então, Luiz, como resolver? Bem, vou fazer uma tentativa com o verbo estar. Luiz Fernando Coelho, 67 anos bem vividos, cheios de desafios, superados com alguma diversão, como gosto muito de fazer. Filho, marido, pai, avô com muito amor no coração. Estou desempenhando meu papel de empreendedor aprendiz com muita energia, apesar de nunca ter achado que conseguiria. E para você que ainda lê este artigo, posso dizer que tenho pronta uma palestra maravilhosa sobre gestão e performance baseada em cinco cases verdadeiros, construídos em minha vida profissional.
Essa descrição hoje reflete exatamente como estou. E isso é muito volátil. Amanhã, certamente alguma coisa vai mudar nela. Por isso, para mim, o correto em português é: Ser ou estar? Eis a questão.