Experiência de Marca

Brasil perde R$ 33 bi com restrição de publicidade infantil

As restrições à comunicação do mercado com o público infanto-juvenil já estão previstas na Resolução 163 do Conanda, que considera abusiva toda a publicidade e comunicação mercadológica dirigida à criança e ao adolescente, e vem sendo debatida em diversos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional.

O Brasil pode perder receitas de mais de R$ 33 bilhões, deixar de recolher um valor de R$ 2,2 bilhões em impostos e cortar cerca de 720 mil empregos com a restrição total à publicidade dirigida ao público infantil. A perda de receita equivale a duas vezes o gasto anual do governo com o Bolsa Família nos últimos dez anos, R$ 16,5 bilhões em média.

Os dados resultam de simulações do impacto das restrições realizadas pela consultoria GO Associados, do economista e ex-presidente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Gesner de Oliveira, e foram debatidos no dia 07/01, em um seminário realizado em São Paulo.

publicidadeinfantil_120809_condanda

O estudo foi feito a pedido da Mauricio de Sousa Produções (MSP), empresa do cartunista Mauricio de Sousa, criador da Turma da Monica, e hoje a maior produtora de conteúdo infantil do país.

“Chegamos a resultados fortes e, ao mesmo tempo, conservadores, pois o impacto pode ser muito maior do que esse. Além da Maurício de Sousa, há muitas outras empresas do segmento infantil que devem sentir os efeitos da restrição”, disse Oliveira, coordenador do levantamento.

As restrições à comunicação do mercado com o público infanto-juvenil já estão previstas na Resolução 163 do Conselho Nacional dos Direitos da Infância e da Adolescência (Conanda), que considera abusiva toda a publicidade e comunicação mercadológica dirigida à criança e ao adolescente, e vem sendo debatida em diversos projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional.

De acordo com o texto da Resolução 163 do Conanda, toda publicidade e comunicação mercadológica direcionada à criança e que utilize linguagem infantil, efeitos especiais, excesso de cores, trilhas sonoras infantis, personagens ou apresentadores infantis ou bonecos é considerada abusiva.

A resolução ainda define a comunicação mercadológica como toda e qualquer atividade de comunicação comercial, incluindo publicidade, páginas na internet, embalagens, promoções, merchandisingações de marketing promocional em shows e espetáculos, atingindo em cheio o licenciamento de marcas infantis.

“Proibir é cortar toda possibilidade de diálogo. Temos que pensar juntos um modo de proteger as crianças”, afirmou Mauricio de Sousa durante sua participação no debate.

“Desde sempre tivemos muito cuidado com tudo o que produzimos em nossos estúdios. A ética permeia todas as nossas histórias, fazemos um material universal, que respeita o espírito humano.”, completa o ilustrador.

Para Monica de Sousa, diretora executiva da MSP, a empresa “não acredita da proibição; somos pela educação e aprendizado. Com a restrição à publicidade infantil, voltamos a uma era em que não havia produtos para crianças. Será uma conquista perdida e o fim do mundo lúdico infantil.”.

Segundo Monica, “as crianças voltarão a consumir produtos que não são para ela, mas para adultos. As pessoas que acreditam na proibição não sabem a importância do lado lúdico para a criança”.

O estudo da GO Associados utiliza a Mauricio de Sousa como referência no setor de produção de conteúdo infantil para estimar os impactos econômicos das estrições à publicidade e ao licenciamento de marcas infantis.

O trabalho usa como base a estrutura produtiva da economia brasileira em 2009 e leva em conta a redução da demanda de diversos setores da economia que têm produtos licenciados pela Mauricio de Sousa Produções.

De acordo com Gesner de Oliveira, o licenciamento de produtos com a marca Turma da Monica envolve 13 setores: agricultura, silvicultura, exploração florestal; alimentos e bebidas; têxteis; artigos do vestuário e acessórios; artefatos de couro e calçados; celulose e produtos de papel; jornais, revistas, discos; perfumaria, higiene e limpeza; artigos de borracha e plástico; material eletrônico e equipamentos de comunicações; móveis e produtos das indústrias diversas; comércio; e serviços de informação.

A simulação, segundo o economista, consiste em reduzir a demanda dos setores nos quais se inserem os produtos licenciados com a marca Turma da Monica, representativa das marcas infantis no Brasil.

“Trata-se de uma hipótese de choque sobre o consumo das famílias em função da limitação à publicidade”, diz Oliveira.

Isso se deve, segundo ele, aos efeitos de se restringir qualquer publicidade dirigida à criança, pois os danos são gerados em cadeias que não envolvem exclusivamente as empresas que utilizam a publicidade como forma de divulgar seus produtos.

“A restrição acaba impactando todo um conjunto de cadeias produtivas que tem, em seu nicho mercadológico, as crianças e os adolescentes”, afirma Gesner de Oliveira.

Redução

A partir da identificação da cadeia produtiva da Mauricio de Sousa, a GO similou uma redução de R$ 100 milhões na produção de cada um dos 13 setores afetados. Essa redução decorreria do decréscimo no consumo dos bens e serviços em questão pelas famílias. Ou seja, R$ 100 milhões a menos na demanda de um determinado segmento vai impactar o valor bruto de sua produção em igual magnitude e, consequentemente, o valor bruto de produção da economia.

Além disso, o impacto não ficará restrito a um efeito direto, já que haverá um efeito indireto decorrente da redução na produção de outros setores da economia que vendem parte de sua produção para o segmento atingido pelo impacto inicial.

Da mesma forma, a redução da demanda em um determinado segmento afeta também o recolhimento de tributos por parte das empresas que o compõem e o nível de emprego, cuja consequência é a redução da massa salarial da economia, o que, pelo seu efeito multiplicador, irá reduzir ainda mais o consumo de bens e serviços das famílias.

Somadas, as reduções de R$ 100 milhões em cada um dos setores representariam um choque negativo de R$ 1,3 bilhão sobre a produção, resultando em uma retração de mais de R$ 5,3 bilhões no valor anual de produção da economia brasileira. Esse mesmo choque provocaria uma perda de 103 mil vagas de trabalho e quase R$ 900 milhões em salários. Já o governo abriria mão de uma receita de R$ 457,4 milhões em tributos.

Impacto por Setor

A GO Associados também fez simulações em cinco setores da economia afetados pela restrição à publicidade sobre os quais há informações públicas sobre os royalties pagos pelo licenciamento de marcas infantis: brinquedos; produção agrícola; alimentos; higiene e limpeza e comércio.

Nestas simulações, partiu-se de um choque de 50% no faturamento, ou seja, de uma redução da receita do setor à metade com as restrições à publicidade, para identificar como se daria o impacto econômico em cada um dos setores.

No caso do setor de brinquedos, o estudo considerou o faturamento de R$ 2,015 bilhões da produção nacional em 2013, conforme dados da Abrinq. Um choque negativo de 50% no faturamento causaria uma retração de quase R$ 4,8 bilhões no valor anual da produção da economia brasileira.

Em número de empregos, a redução seria de mais de 94,7 mil vagas e R$ 824,1 milhões seriam perdidos em salários. Já a arrecadação de tributos seria reduzida em quase R$ 460 milhões. Gesner de Oliveira lembra que esse impacto negativo ocorreria apenas na produção nacional, beneficiando o consumo de produtos importados, que não requerem propaganda.

A produção agrícola foi outro setor cuja simulação de choque negativo de 50% do faturamento resultou em impactos econômicos. Considerando os produtos agrícolas destinados ao público infantil de uma empresa nacional do setor (R$ 33,37 milhões em 2013), haveria uma retração de mais de R$ 42,7 milhões no valor anual da produção da economia brasileira.

Em número de empregos a redução seria de mais de 1.500 vagas, o que levaria a uma perda de R$ 6,4 milhões em salários. A arrecadação de impostos cairia R$ 2,8 milhões.

O terceiro setor a passar pela simulação da GO Associados é o de alimentos. O estudo partiu do faturamento obtido por uma empresa nacional do setor com produtos destinados ao público infantil, de R$ 76,78 milhões em 2013.

Com um choque negativo de 50% neste faturamento, haveria uma retração de mais de R$ 155,3 milhões no valor da produção anual da economia brasileira. Quase 3.000 vagas de trabalho seriam perdidas, o equivalente a R$ 22,6 milhões em salários. O governo abriria mão de uma receita de R$ 14 bilhões.

No setor de higiene e limpeza, o estudo da GO considerou o faturamento de R$ 1,67 bilhão de uma empresa com produtos destinados ao público infantil. Neste caso, a simulação foi feita a partir de um choque negativo de 30% na produção da empresa, resultando em uma retração de mais de R$ 2,6 bilhões no valor da produção anual da economia brasileira.

Haveria uma perda de 44 mil vagas de emprego e um impacto negativo de R$ 424,6 milhões em salários. A perda de arrecadação do governo com tributos seria de R$ 285,2 milhões.

O último dos cinco setores a passar pela simulação da GO é o do comércio. A partir de um choque negativo de 50% na venda de produtos infantis atualmente licenciados, o que representaria R$ 4,55 bilhões.

Segundo Gesner de Oliveira, o comércio tem os efeitos multiplicadores mais elevados entre os setores analisados, abrangendo a venda de produtos de 11 setores da economia que formam a cadeia produtiva da Mauricio de Sousa Produções, utilizada como exemplo no estudo.

No caso do comércio, a retração no valor anual da produção da economia brasileira seria de mais de R$ 25,7 bilhões, resultando na perda de mais de 585 mil vagas de emprego e de R$ 5,1 bilhões em salários. Já o governo abriria mão de uma receita de R$ 1,46 bilhão em impostos.

“Os efeitos derivados das medidas restritivas sobre a publicidade de produtos infantis que resultam da retração nas vendas do comércio são bastante significativos”, afirma Gesner de Oliveira.

Os impactos no valor anual da produção da economia brasileira de cada um dos 5 setores analisados, somados, chegam a R$ 33 bilhões, enquanto a perda total de empregos seria de 720 mil vagas e a de arrecadação, mais de R$ 763,4 milhões em impostos.

Efeito Anticoncorrencial

Gesner de Oliveira lembra dos benefícios da publicidade para o aumento da concorrência, já que ela é a maneira como novos players ingressam no mercado. “Restringir a publicidade limita a competição e gera efeitos concorrenciais danosos”, afirma o economista.

Neste sentido, a Resolução 163 do Conanda, ao restringir a publicidade de produtos infantis, acaba por inibir a entrada de novos players no mercado, transformando-se numa grande barreira ao aumento da competição entre as empresas.

“Um mercado fechado diminui a oferta de produtos e os incentivos à inovação, e os players já estabelecidos ou aqueles que não são atingidos pela restrição acabam dominando o mercado, o que configura aumento de preço e redução da diferenciação e da qualidade dos produtos”, explica Gesner de Oliveira.

O economista afirma ainda que o ambiente de insegurança jurídica causado pela resolução inibe futuros investimentos em produtos destinados ao público infantil, restringindo ainda mais a oferta, a competição e a inovação. “Por tudo isso, o que se verifica é que a resolução do Conanda tem como consequência última o prejuízo daqueles a quem se pretende defender, os quais se deparam com produtos de qualidade inferior e preços mais elevados.”

Produção de Conteúdo Infantil

Outro efeito da restrição total à publicidade de produtos infantis é o desincentivo à produção de conteúdo infantil nacional. Sem a possibilidade de inserção de espaços publicitários, a programação infantil se tornaria menos atrativa para as emissoras de TV.

Segundo o estudo, em 2003 as cinco maiores redes abertas de televisão (Globo, Record, Band, SBT e RedeTV) exibiam em média 14 horas diárias de desenhos infantis. Em 2013 essa média foi de 4 horas e já há notícias de novas reduções na programação infantil. O cenário decorre de diversas limitações impostas à publicidade dirigida a crianças nos últimos anos.

Da mesma forma, a restrição total da publicidade e da comunicação mercadológica dirigida à criança afeta shows e espetáculos, uma vez que as produções teriam que ser financiadas exclusivamente por seus produtores, sem a possibilidade de captação de patrocínios e apoios institucionais.

A produção dirigida ao público infantil em outras áreas, como a da música, por exemplo, também seria afetada, na medida em que artistas não poderiam se valer da cessão de direitos autorais de suas obras para o mercado publicitário.

Inconstitucionalidades da Resolução

Do ponto de vista jurídico, a Resolução 163 do Conanda contém inconstitucionalidades. O artigo 22, inciso XXIX da Constituição Federal dispõe que compete privativamente à União legislar sobre propaganda comercial, ao passo que o artigo 220, parágrafo 3º, inciso II da Carta prevê que compete à lei federal estabelecer os meios legais que garantam aos cidadãos a possibilidade de se defenderem de programações de rádio e TV e da propaganda de produtos e serviços que possam ser nocivos à saúde.

Assim, qualquer tentativa de limitação à publicidade apenas pode ser estabelecida por meio de lei federal, jamais por meio de uma resolução.

Da mesma forma, a permissão contida na lei que criou o Conanda não atribui ao órgão competência para tratar sobre publicidade infantil, mas tão somente tratar sobre normas gerais sobre a política nacional de atendimento aos direitos da criança e do adolescente.

Além disso, a Resolução 163 do Conanda, ao estabelecer restrição total à publicidade dirigida à criança, incorre também na violação da Constituição Federal no que se refere aos direitos fundamentais à criação e à informação, à livre iniciativa e à liberdade de expressão.