“Cinco anos em cinco meses”. Esse é o trend topic nas redes sociais corporativas quando o assunto é transformação digital.
Sem dúvida, os meses da pandemia trouxeram urgência e prioridade a ações voltadas ao uso da tecnologia nos negócios, que poderiam estar “dormindo” nas gavetas dos executivos ou empreendedores, mas não eram novos e nem desconhecidos.
Vejo, contudo, exageros na comunicação, muitas vezes oportunista, no sentido de pressionar a oferta de tecnologia e serviços especializados para a “transformação digital”, colocada como a “pedra filosofal” ou condição única para se vencer a crise.
Percebo aquele ditado popular que fala “Para quem tem martelo, qualquer parafuso é prego”. Todo mundo tem solução para transformação digital e tudo é para a transformação digital. Seja lá o que isso poderá significar para cada empresa, organização ou mercado.
Vamos a alguns fatos.
A pandemia trouxe à mesa dos executivos e empresários pelo menos dois problemas imediatos que precisavam ser resolvidos.
O primeiro, relativo ao modelo de trabalho. De uma hora para outra, aqueles que nunca se imaginaram em um modelo de trabalho à distância, ou mesmo eram contra ele, não tiveram alternativa e precisaram buscar soluções do dia para a noite para manterem suas operações.
O segundo problema enfrentado por quem estava à frente das empresas foi como continuar vendendo e atendendo aos seus clientes e consumidores diante de um quadro de lojas fechadas, quarentena e distanciamento social.
Mais uma vez, um desafio para aqueles que não haviam considerado ainda o comércio eletrônico ou o atendimento multicanal como alternativa viável e atraente para os seus negócios.
Na educação, escolas, universidades e instituições de ensino em geral – públicas ou privadas – que não consideravam o ensino à distância como alternativa, não tiveram opção. Ou faziam dessa forma ou não cumpririam o calendário escolar.
Esses fatos conduziram, sem dúvida, a uma “digitalização” de atividades. Em nenhum desses casos esse processo representava disrupção. Pelo contrário, são baseados em conceitos e plataformas mais do que conhecidas. Muitas delas básicas.
Computação em nuvem, videoconferência e trabalho colaborativo à distância, EAD, sem contar as próprias redes sociais populares como o Instagram ou o WhatsApp.
Estes conceitos, adotados durante a pandemia, principalmente em empresas ou organizações com maiores condições de acesso à tecnologia, não eram considerados por uns, por falta de visão estratégica e negócios, mas, para outros, por falta de conhecimento, recursos adequados ou dificuldades no acesso à infraestrutura.
A exclusão digital ficou completamente exposta. O que vimos acontecer, por exemplo, nas escolas públicas ou mesmo privadas, onde houve imensa dificuldade na implantação do ensino à distância, seja pelas dificuldades técnicas e capacitação, seja pela falta de recursos por parte dos alunos ou professores para poderem acessar o conteúdo via internet – falta de equipamento adequado ou mesmo acesso à rede pública.
Sem grande publicidade ou alarde, a falta da inclusão também gerou problemas para um sem número de pequenas e médias empresas, as quais, sem condições de acessar recursos adequados de tecnologia – pelas mais diversas razões – usaram o que tinham à mão, mas muitas ficaram, de certa forma, excluídas, o que lhes causou imensas dificuldades ou mesmo a necessidade de fechar.
A transformação digital é um conceito amplo – o qual envolve capacitação, infraestrutura, processos e é claro, tecnologia – que precisa ser mais bem discutido, não só no meio empresarial de “alto nível”, que cria “tendências” e oportunidades de negócios, mas pela sociedade como um todo, pelas classes empresariais e amparado por políticas públicas inclusivas.
É essa a discussão que a gente deveria ter nesse momento. Como incluir o mercado empresarial em geral nesse contexto e permitir que um maior número de organizações possa ter acesso à tecnologia e aos seus benefícios?
Muita gente fala em inclusão digital sob o ponto de vista do cidadão. Mas ela precisa ser muito mais ampla. Ao incluir as organizações – empresas, ONGs, instituições de ensino – de qualquer tamanho no mundo digital, criaremos também as condições de competitividade e resiliência, para que sejam longevas em sua missão de gerar emprego e renda para estes mesmos cidadãos e ampliem suas capacidades de prever e enfrentar crises.
Só assim, no fim do dia, estaremos criando “tendências” e “oportunidades” muito maiores e mais relevantes do que aquelas que a gente vê no restrito mundo das redes sociais corporativas.