Meus amigos, hoje parei novamente em um pensamento que me atordoa: como estamos, cada vez mais, dando protagonismo ao lado da moeda que deveríamos ignorar.
A vida está ficando muito chata. É claro que, como seres humanos, temos sempre que progredir em nossas relações. Pessoal, eu vivi o AI-5 numa universidade comandada por um general, num curso de comunicação social, e com gente no meu ouvido dizendo para pegar leve.
Voltando a 2024 e às nossas patrulhas de plantão. Já tratei aqui de racismo no esporte, em todos eles, mas em especial no futebol. Não é um assunto muito fácil para nos arriscarmos em alguns parágrafos, mas topei o desafio, sabendo que teria que encontrar um caminho para desenvolver minhas linhas, combinando palavras. A princípio, tudo isso é muito chato.
Quero dizer, discriminar é muito horroroso mesmo, seja por causa da cor, do credo, das crenças ou por qualquer outro motivo. Somente para ficar de referência, esta semana, início de maio 2024, o garoto Endrick, do Palmeiras, ao fazer um gol, comemorou como se fosse o King Kong. O menino é forte, tem um belo corpo de atleta, é um homem muito bonito; e lá foi ele correndo pelo campo batendo no peito, na posição que King Kong cansou de fazer em seus filmes. Resultado: cartão amarelo.
Fiquei absolutamente possesso. Não torço para o Palmeiras, mas sei que terminada a Copa América lá vai o Endrick para o Real Madrid, e quem sabe teremos um ataque com Rodrigo, Endrick e Vini Jr. Na Espanha. Não vai ser fácil de aturar. Mas voltando ao ponto. Cartão amarelo? Essa era uma pergunta que não queria calar. Até que alguns atores resolveram tomar seu papel de protagonistas. Imaginem, pois trata-se de um evento fictício.
Leitores, vocês têm ideia do que um delegado de jogo faz de importantíssimo, fundamental? Não??? Como podem então se declarar amantes do futebol? O delegado do jogo, além da burocracia, não faz absolutamente nada. Aliás, estou sendo malvado.
Quando chove, ele, como meteorologista emérito, saberá se a chuva vai parar. Ou, se preferirem, quando falta energia elétrica, ele, como PhD em engenharia, será capaz de dizer algo muito importante para todos. Aquele veredicto, determinação, ordem: sem luz, não há como ter futebol.
Genial.
Instrutivo.
E muito interessante.
Mas, naquela noite, nossa autoridade sentiu um espasmo de consciência, e concluiu o que se deveria se fazer, junto a Sua Senhoria, o juiz. Mas para que ele, delegado, não fosse acusado de retardar o reinício da contenda, toma uma atitude repentina. Rapidamente se levanta de sua posição e invade o campo.
O delegado, o da polícia, já põe sua tropa de prontidão. Nosso herói, o delegado, tinha por escrito a questão de ordem que queria colocar para o juiz, mas decidiu que seria melhor pessoalmente. Mesmo assim, levou o papel com a indagação a ser feita, antes do reinício da peleja.
Imaginemos a cena. Ele se dirige ao quarto árbitro e avisa que tem uma questão de ordem para tratar com o juiz. Sabe-se lá qual seria o protocolo nesse caso, pois todos os juízes já validaram o gol, mas, enfim.
Então, aquele senhor de terno, nó da gravata de bolinhas completamente torto, os botões da camisa social listrada esgarçados, dado que o volume torácico do delegado não cabia direito naquela camisa e muito menos no paletó, adentra as quatro linhas. No caminho, ia repetindo a pergunta a ser feita para não cair em nenhuma prova contra si mesmo. Era a sua grande chance de mostrar toda a sua sabedoria. Muito bem.
Os dois se afastam dos jogadores (isso quer dizer que o que está mais longe está a 10 centímetros) e ele finalmente questiona o juiz da peleja:
– Sr. Juiz, venho aqui, nesta situação inesperada, pois preciso colocar em meu relatório o motivo pelo qual Vossa Senhoria deu cartão amarelo ao jovem jogador da equipe esmeraldina, de nome Endrick, que, depois de colocada a bola nas redes adversárias, imitou o King Kong em sua comemoração? Minha dúvida está no motivo, pois preciso colocar no meu relatório. E o senhor me perdoe, mas não posso simplesmente escrever que o cartão foi aplicado porque ele apenas fez o gol. Daí minha dúvida.
O cartão foi por motivo de classes sociais, na medida em que ele ainda não é king, e assim seria um desrespeito à realeza? Pois, como haveriam de se sentir nossos reis, se um aspirante a esse status tentasse queimar etapas e já se portasse como um rei? Mas aí eu me confundi porque não temos mais rei aqui no Brasil, não é? O que tinha morreu, e era imperador.
Então pensei em outro motivo: o Endrick se portou daquele jeito porque estava fazendo uma provocação aos, me desculpe, Vossa Senhoria, não sei mais como tratar, negros ou pretos, sei lá. Mas aí percebi que esse não deveria ser. Afinal, um jogador negro ou preto imitar um macaco não me pareceu um motivo adequado.
Àquela altura o delegado suava muito e já havia perdido toda a paciência para tratar do assunto. Afinal, só queria fazer o trabalho dele. Mas continuou.
– Será que ele está fazendo essa coisa de marketing, do novo filme do Planeta dos Macacos? Isso não pode, né?
Então, o juiz, já irritado, responde:
– Ele cometeu um ato antidesportivo, por um ou outro motivo, como o senhor mesmo disse. Escreva aí: ATO ANTIDESPORTIVO. E fim de papo. Faça o seu trabalho que eu vou fazer o meu. E saia já do campo de jogo.
– Mas, Vossa Senhoria, eu poderia pedir uma última coisa?
– Claro, mas seja breve.
– Pode me emprestar o seu cartão vermelho?
– Mas, para quê?
– Para que eu possa expulsar Vossa Senhoria, que é uma besta ou uma cavalgadura!
(Olha, não ouvia esse termo faz anos.)
Nesse momento, o delegado pegou o cartão vermelho e o amarelo. Chamou o Endrick, mostrou o amarelo e fez aquele gesto que sinaliza que tinha anulado o cartão. Voltou-se para Sua Senhoria e aplicou-lhe o cartão vermelho.
O juiz, que já estava muito pê da vida, berrou:
– O senhor é louco! Já expliquei o que aconteceu. Eu sou a autoridade aqui!
– Vossa Senhoria é um idiota – respondeu o delegado imediatamente. – Esse menino
vai embora depois da Copa América para a Espanha e nós, brasileiros, vamos perder o
melhor de seu futebol, pois ele não tem 18 anos ainda.
E assim, mais uma vez, o delegado sacou o cartão vermelho e expulsou o juiz, e ainda disse o motivo: conduta antidesportiva para com os amantes do futebol, pois dessa forma Endrick vai acabar jogando menos um dos sete jogos possíveis antes de ir para a Espanha.
Antes que os patrulheiros chatos me expulsem deste cantinho aqui, onde exponho minhas ideias sem qualquer tipo de censura, deixo bem claro que não estou defendendo total isenção para o jogador, que assim estaria liberado para fazer qualquer coisa no campo. Mas, senhores, aquele cartão amarelo ninguém saberá explicar.
Mas, Luiz, tinha dois torcedores do time adversário imitando macacos. Ok, o juiz que chamasse a polícia e o nosso delegado para que tirassem tais pessoas do ambiente. O torcedor não pode ter gestos racistas, e o Endrick não fez nenhum gesto dessa natureza, apenas homenageou um ídolo dele, o King Kong, repetindo a comemoração que sempre fez, e ponto.
Defendo o espetáculo, o futebol, o vôlei, o tênis, enfim, qualquer um, que seja bem jogado, bem produzido, com conforto e segurança para os torcedores. Quase enlouqueço com o cara que faz o gol, tira a camisa e leva cartão amarelo. Três desse e está suspenso.
E o torcedor que paga ingresso deixa de ver seu ídolo por conta de uma punição imbecil. Tirou a camisa depois de fazer o gol? Cabe ao clube definir como vai punir seu atleta que construiu uma situação de desrespeito àquela instituição, o clube. Claro que o caso Endrick nada tem a ver com esse relato. Mas que faz sentido, isso faz. E cartão vermelho para quem só atrapalha o espetáculo.