Recentemente, a união entre Rexona e Ronaldinho Gaúcho demonstrou que nem sempre uma colaboração entre marcas e celebridades conhecidas resulta na repercussão que se imagina. E que participar de discussões relevantes na sociedade depende mais de sutileza e envolvimento do que de verbas e celebridades.
Ronaldinho Gaúcho, conhecido pelos seus rolês aleatórios e por topar tudo por dinheiro, foi contratado para fazer uma ação para engajamento para a Rexona, marca patrocinadora da Copa América. Ele usou do seu ainda presente impacto midiático e do seu envolvimento com o futebol para fazer uma declaração forte sobre o atual estado da seleção brasileira:
“É isso aí, galera, pra mim já deu. Esse é um momento triste pra quem gosta do futebol brasileiro. Fica difícil encontrar ânimo pra ver os jogos. Esse é talvez um dos piores times dos últimos anos, não tem líderes de respeito, só jogadores medianos em sua maioria. Acompanho futebol desde criancinha, muito antes de pensar em me tornar jogador, e eu nunca vi uma situação tão ruim como essa. Falta amor à camisa, falta garra e o mais importante de tudo: futebol. Repito: nosso desempenho tem sido uma das piores coisas que já vi. Uma vergonha. Por isso, declaro aqui o meu abandono. Não vou assistir a nenhum jogo da Copa América, e nem comemorar nenhuma vitória.”
A ideia de pagar para ele fazer essa infeliz declaração era que ele “abandonasse” a seleção brasileira, para que, a partir do repúdio à sua declaração por outros jogadores e pela própria população brasileira, o herói Rexona pudesse aparecer salvando o dia e conclamando os brasileiros a jamais abandonar a sua seleção de futebol, assim como o Rexona, que não te abandona! O enredo de melodrama pastelão seria ruim se desse certo. Mas não deu.
Não deu, porque muitos concordaram com Ronaldinho Gaúcho. Seguidores do jogador foram dar a ele seu apoio pela indignação. Pessoas do meio do futebol contemporizaram, mas também concordaram. Romário, outro ex-jogador que gosta de declarações fortes, disse:
“Se a gente falar de seleção brasileira e for equiparar a seleção do Ronaldinho, ele tem razão 100%. A seleção brasileira do Ronaldinho foi a última seleção que encantou o mundo com o futebol apresentado. Com certeza, vai ser quase impossível a gente apresentar outra. Para mostrar que o Ronaldinho está errado é só o time ser campeão da Copa América.”
Preocupada com a repercussão no exato oposto ao que imaginava, a Rexona precisou vir a público explicar que as declarações de Ronaldinho faziam parte de uma campanha publicitária. A ação tinha como objetivo “convocar os brasileiros para a ‘Torcida Que Não Abandona’, incentivando a confiança no futebol brasileiro durante a Copa América”, mas já era tarde.
A repercussão negativa se espalhou entre os atletas da seleção. O atacante Rafinha rebateu: “Pode ser uma campanha (publicitária) ou não, mas nos surpreendeu pela fala dele. (…) Estando aqui dentro, vejo a entrega em todos os dias.” O próprio jogador da seleção não tinha ainda se dado conta de que a fala de Ronaldinho era totalmente inventada. Mesmo sabendo que seria parte de uma campanha publicitária, ele continuava a defender o seu trabalho e o de seus colegas.
Os consumidores estão cansados desses “truques” de marketing, que são frequentemente percebidos como antiéticos. São táticas que desconsideram a comunidade e suas discussões e tentam se apropriar delas para divulgar um produto ou serviço.
Com a desculpa de se “envolver” na discussão, muitas vezes as marcas são repelidas dessas comunidades porque desconsideram os valores e o bem-estar dessas pessoas. A tentativa de ter um resultado imediato de menções sobre a marca, seu slogan e sua campanha são ilusórios, porque por trás do potencial engajamento só há a percepção de que a marca não faz parte daquele meio.
Qual jogador de futebol hoje se sente confortável usando a marca Rexona em público? E não seria ideal a marca estar sendo escolhida por essas pessoas que ela decidiu patrocinar? Qual membro do jornalismo esportivo hoje entende que a Rexona faz parte desse meio – como fazem as marcas esportivas como Nike, Adidas, Puma, Pênalti – quando ela pretende enganar para tentar ganhar espaço em suas colunas e reportagens? E os consumidores?
Quem torce realmente para a seleção brasileira tem em Ronaldinho Gaúcho um ídolo. Um ídolo que foi tratado como um ignorante e impelido a postar (mesmo que mediante um polpudo pagamento) algo que vai contra a sua própria opinião, afastando-o do mesmo meio que o criou. Os consumidores vão querer se envolver com essa marca?
Se envolver com comunidades traz muitos resultados. Tem o potencial de fazer com que marcas passem a participar de discussões e das relações sociais dos membros dessas comunidades. Mas não é com ações artificiais e polêmicas, tentando manipular a conversa desse grupo, que marcas conseguem se envolver com ele. Por isso, essa tentativa da Unilever de “hackear” as discussões são mal pensada e antiquada. Se isso tivesse acontecido há 20 anos, talvez desse para entender. Mas fazer isso atualmente é uma mostra de que ela precisa repensar como gerencia suas marcas.
Essa situação nos ensina duas lições cruciais. Primeiro, é necessária uma mudança na forma como entendemos e praticamos o marketing. Tentar enganar a opinião pública para gerar engajamento é uma prática egoísta e obsoleta. Segundo, mesmo grandes empresas, com recursos e profissionais qualificados, podem cometer erros significativos. Uma ideia mal concebida e executada, como esta, deveria servir de alerta e aprendizado para o mercado.
Mas isso ainda é capaz de virar “case”, com um videocase bem montado mostrando números “incríveis” de engajamento e dizendo que a marca participou da “maior discussão sobre futebol envolvendo a torcida mais apaixonada do mundo”. E não duvido que ganhe um par de prêmios por aí.
É por esse tipo de ação, feita por empresas tão poderosas quanto a Unilever, que o marketing precisa ser reinventado. A nova jornada do marketing deve ser humanizada e sustentável, não apenas por questões éticas, mas como uma estratégia inteligente para garantir o sucesso a longo prazo.