Insatisfação

Festival Aceita é marcado por falta de público e descaso com artistas locais

Segundo internautas, o evento que aconteceu em Belém (PA) também enfrentou cancelamento de shows e sobrecarga de funcionários

O Festival Aceita foi pensado para ser uma plataforma voltada ao público LGBTQIAPN+, enaltecer memórias amazônidas e abordar questões como sustentabilidade, tecnologia e empreendedorismo. O evento aconteceu no Espaço Náutico Marine Clube, em Belém (PA), durante os dias 23 a 25 de agosto e contou com o patrocínio da Nubank, Sebrae Nacional e Sympla.

Contudo, mesmo com grandes atrações nacionais e internacionais, tal qual Glória Groove, Gaby Amarantos, Billy Porter e Christian Chávez, outros fatores ganharam destaque. Desde o primeiro dia, diversas reclamações e pronunciamentos surgiram nas redes sociais e no próprio palco do evento. As acusações incluíam: não pagamento de cachês, desligamento da equipe técnica e fotográfica, falta de informações e descaso com artistas locais.

Polemicas marcam o Festival Aceita, realizado em Belém
Palco do evento voltado para o público LGBTQIAPN+ também virou um local de protestos. Fotos: Reprodução/X

Pré-evento: acusações de descaso

Antes mesmo do Festival Aceita começar, os artistas e creators já demonstravam insatisfação. Kadu Alvorada, jornalista e influencer paraense, realizou uma postagem temporária no instagram alegando que observou artistas do norte saindo da line-up do Festival Aceita desde o começo de agosto. Segundo ele, a falta de ajuda de custo pode ter sido a motivação.

Em seguida, Kadu também destacou a falta de organização da produção do evento em relação a ele e a outros influencers nortistas. A participação não remunerada no festival estava confirmada havia dois meses. Entretanto, na semana do evento, as passagens de avião ainda não haviam sido emitidas. Além disso, o evento ECOS, o qual participaria, foi reduzido, deixando-o sem meio de transporte. Por outro lado, ainda de acordo com o jornalista, o mesmo não aconteceu com aqueles que eram ou representavam marcas do sudeste.

Foto: Reprodução/X

“Me diz se um festival que prega a diversidade amazônida não silenciou narrativas amazônidas para dar prioridades a narrativas de pessoas que constroem coisas com marcas e projetos do sudeste? (…) Infelizmente, até dentro do próprio norte a gente continua sendo excluído e preterido”, disse Kadu ao fim do pronunciamento.

Adicionando mais detalhes ao relato, o influenciador deixou comentários no próprio pronunciamento se solidarizando com “artistas que também passaram por essa falta de respeito“.

Com as discussões nas redes sociais, Caed Alves, candidato a vereador, relevou no X que também foi um dos influenciadores convidados a participar do Festival, mas que teve a sua participação cancelada na mesma semana. “Me senti muito ofendido, mas guardei pra mim, jurava que tinha sido algum problema meu“, acrescentou ao fim da postagem.

Movimento Themônias e o Festival Rejeita

Uma das participações canceladas foi da Associação Cultural das Themônias da Amazônia – ASCULTA junto ao Movimento Themônias, que está na cena cultural da cidade há mais de 10 anos. A trajetória do movimento foi construída com a união de artistas que fazem parte de coletivos ou operam de forma individual. As atuações dos participantes incluem áreas de fotografia, audiovisual, artes, música, moda, literatura e linguagens.

O interesse do Festival Aceita pelo Themônias aconteceu justamente por conta do amplo leque de opções. “A proposta seria construir um espaço dentro da programação do evento onde o público pudesse interagir com essas diversas linguagens das Themônias, incluindo performances, exposições, música e afins. Entretanto, desde o início não conseguimos sair do campo das intenções“, releva Ana Paula Gomes, secretária da ASCULTA e produtora do movimento.

Houve tentativas de continuar com o acordo, mas todas sem retorno, tornando-os incapazes de seguir com a parceria. Sentimos que não estávamos sendo respeitados enquanto artistas e produtores de cultura (…) As atrações principais do line-up já deviam ter seus contratos devidamente assinados e os valores de seus cachês acertados e nós não? Por que não estávamos sendo tratados da forma correta e séria como nosso trabalho merece? Será que acharam que aceitaríamos qualquer coisa?“, compartilha Ana Paula.

Diante do ocorrido, o Movimento Themônias compartilhou uma nota pública de esclarecimento, revelando que não participariam mais do evento. Nos comentários da publicação, os apoiadores expressaram extrema revolta com a situação:

A criação do Festival Rejeita foi outra resposta ao aparente descaso. O evento aconteceu no mesmo dia do Aceita e contou com a participação de outros convidados que também se sentiram desrespeitados. “Foi uma surpresa perceber que vários setores artísticos no festival também estavam sendo negligenciados. Embora isso infelizmente não seja novo, a surpresa foi ver várias pessoas se manifestando contra essas ações“, diz a produtora.

A aceitação do publico foi imediata, contando também com o apoio de figuras publicas, como Dudu Bertholini e Tristan Soledade. “Acredito que a união durante esse lamentável episódio apontou uma direção contrária a esse descaso com os trabalhadores culturais. Acredito também que mudanças possam vir. Essa ação foi de extrema importância para mostrar que aqui não é ‘terra de ninguém’ e que existem artistas competentes. Nunca estaremos nesse lugar de subalternidade que insistem em tentar nos colocar“, finaliza Ana Paula.

Primeiro dia: Falta de público

Aqueles que compareceram no primeiro dia do Festival Aceita perceberam facilmente que o evento não cativou o publico a ponto de vender muito ingressos, mesmo com a presença de Christian Chavéz, ex-RBD. Dessa forma, as especulações nas plataformas vão desde o valor do convite, que ia de R$70 a R$ 270, até a falta de divulgação do evento, que supostamente teria sido dificultada pela própria organização.

Em publicações no TikTok, usuários de Belém justificaram que sequer ficaram sabendo do evento ou que teriam comparecido se fossem informados com mais antecedência. Alguns perfis comentaram que “a organização recusou a divulgação pela mídia local” e que havia uma desorganização por parte da assessoria do evento, o que aparentemente complicou o credenciamento de jornalistas. O apoio ao Festival Rejeita também foi igualmente apontado como uma das causas da baixa adesão ao evento.

Segundo dia: Cancelamentos, protestos e crise com a equipe técnica

Informações nas mídias digitais trouxeram novos indícios de que as polêmicas do Festival Aceita não se limitaram ao primeiro dia. Para começar, Lorena Simpson, cantora manauara, anunciou nas redes sociais que não faria mais sua apresentação, apesar de já estar no local do evento, devido a problemas técnicos e estruturais.

Reprodução: X

Por outro lado, alguns artistas preferiram expor os problemas contratuais no palco do Aceita. Durante seu show, Tertuliana Lustrosa, vocalista da banca A Travestis, alegou estar lá apenas pelos fãs, pois não chegou nem a receber seu pagamento, além de ter sido “uma humilhação para conseguir alimentação”:

Reprodução: X

Durante o desfile de marcas autorais, com a curadoria de Dudu Bertholini, stylist, modelos e estilistas protestaram segurando cartazes que satirizavam o nome do festival, transformando “Aceita” em “Rejeita”. Da mesma forma, também incentivaram o público a rejeitar o evento e exigiram o pagamento de seus cachês.

Desligamentos

Além dos artistas, a área técnica e o grupo de fotógrafos também apontaram complicações no festival, que culminaram no desligamento das equipes. Entre os problemas estavam desrespeito com os profissionais e insegurança jurídica relacionada aos contratos.

Em nota, os fotógrafos Ana Serrão, Ian Nóbrega, Liliane Moreira, Matheus Sousa e Ygor Negrão trouxeram à tona o ocorrido: “Chegamos a ser retirados da sala de produção, sem ter onde colocar os nossos equipamentos. A falta de acessibilidade foi um dos pontos mais críticos, ainda que a equipe responsável tenha se esforçado ao máximo para acessibilizar o espaço“.

“Pela ausência de colaboração da organização, o que resultou foi um ambiente de constrangimento e desrespeito ao profissional PcD da nossa equipe. Além disso, destacamos a ausência de um contrato formal, relegando os nossos trabalhos a um lugar de descaso e insegurança”, informa a publicação colaborativa.

Terceiro dia: ingressos gratuitos e novas mudanças

Da mesma forma, a equipe técnica também anunciou a demissão durante o ultimo dia de evento, alegando circunstâncias insustentáveis: “Desde o início dos preparativos, nossa equipe foi constantemente requisitada para realizar funções que iam além de suas atribuições, o que sobrecarregou significativamente os profissionais envolvidos. Além disso, a organização do evento se mostrou displicente em diversos aspectos fundamentais para o sucesso da produção“.

“A falta de planejamento adequado, a audiência de suporte logístico e a comunicação falha entre as partes envolvidas criaram um ambiente de trabalho caótico para a equipe técnica manter o padrão de qualidade esperado e honrar o compromisso assumido com o evento”, diz a nota oficial.

Ingressos gratuitos

Ademais, o problema do primeiro dia persistia: a aparente falta de público. Por fim, os ingressos para o evento começaram a ser disponibilizados como gratuitamente na plataforma de vendas.

Foto: Reprodução/X

Contudo, aqueles que resgataram os ingressos e compareceram antes das 21h ainda relataram que havia pouca gente no local, mesmo sendo o dia de Gloria Groove, Banda Uó e Gaby Amarantos.

@alancostaj o fiasco veyrr 💁🏻 #belem #fy #fyp ♬ som original – bostaverso

Esses mesmos fãs alegaram atrasos, mudanças na line-up e problemas com o som. Entretanto, também destilaram comentários positivos sobre as apresentações, lamentando o ocorrido, pois, de acordo com eles eles, o festival tinha grande potencial parar dar certo.

O Festival Aceita foi realizado pela agência Criattiva&Cavalero, com produção internacional da 4h5hmedia. Ambas não retornaram o contato do Promoview até o fim desta reportagem.