Em meados de 1997 desembarquei no Comitê de Marketing de duas modalidades esportivas olímpicas. Uma delas apenas copiava a sigla CBV – Confederação Brasileira de Voleibol, e seu grupo de marketing nada mais era do que um ajuntamento de pessoas para viabilizar e realizar todas as vontades de seu presidente. Não, não se espantem. Naquela época era assim, e não sei se evoluímos tanto a ponto de havermos banido esses modelos do esporte olímpico no Brasil.
Eu sempre me bati sobre a questão de como todos os atores do esporte — clubes, federações, conselhos, associações, atletas, técnicos — eram incapazes de lidar com patrocinadores. Digo isso por ter estado sentado na cadeira que gerenciou um projeto completo, em dois esportes, por dez anos; contratou seis confederações como patrocinadoras; envolveu-se no evento de cem anos da Fifa, em Paris; participou de três olimpíadas (Beijing 2008, Londres 2012 e Rio 2016, primeiro como patrocinador e num segundo momento como criador, planejador e operador de um belíssimo projeto institucional). Em 2012 e em 2016, tive a honra de conduzir a Tocha Olímpica e, mais recentemente, escrevi um livro sobre marketing do esporte, intitulado Transformar o jogo: o poder do marketing no esporte.
Pois bem, por conta dessa trajetória, assisti a diversas iniciativas que tinham ou pareciam ter um fundamento genuíno de gestão para o esporte. É isso, caros leitores, uma coisa é ser do esporte, atitude de propriedade; a outra é ser para o esporte, comportamento de servir, sem posse.
Semana passada, um amigo, sabedor de minha paixão por gestão do esporte, me enviou um PPT que apresentava o programa da Federação Internacional de Voleibol (FIVB), de 2024 a 2032. Na primeira leitura, me pareceu mais um programa de um esporte rico. No entanto, alguns detalhes chamaram minha atenção e fui me certificar de que estava entendendo direito o que ali estava descrito. Não satisfeito, comecei a pesquisar. Afinal, como um profissional que muitas vezes avaliou e selecionou modalidades para patrocinar, adquiri certa experiência no assunto, e os programas de trabalho sempre me parecem todos iguais, um belo déjà vu de propostas, que só impressionam no papel e depois disso não pressionam ninguém.
Obriguei-me a ler duas vezes porque, na proposta apresentada e assinada por Fábio Azevedo (cito o nome, pois, se usar o termo Mr. President, corro o risco de ser imediatamente banido do vôlei), aparece um conceito muito profundo: servir os fãs e os atletas.
Eu adoraria ter ouvido isso de qualquer esporte com que tive a oportunidade de conviver, como representante da marca patrocinadora. A partir daí, passei a prestar atenção aos detalhes dos 14 pontos abordados por Fábio em um manifesto em que comprometeu toda a FIVB. Recomendo às empresas que estejam pensando em colocar em seus planejamentos estratégicos de comunicação e marketing, o patrocínio esportivo, por menor que seja, que pelo menos passem os olhos nesse manifesto.
Patrocinar é se envolver, não tem jeito. Muitos acham que é só aproveitar as oportunidades de mídia. Até vai aproveitar, mas isso significa não capitalizar exponencialmente o dinheiro envolvido. O planejamento estratégico traz à tona, com simplicidade atordoante, pontos que fazem todo o sentido, principalmente no mundo em que vivemos hoje, onde o lema mais comum é “faça o que eu digo e esqueça o que eu faço”.
TOGETHER AS ONE significa a ruptura com a pompa e circunstância com que dirigentes esportivos se comportam, em geral, como se fossem ungidos e especiais, donos de soluções miraculosas para toda e qualquer ocasião. E na medida em que o presidente passa a se comportar como uma pessoa igual a seus colaboradores e dispensa a limusine para ir ao ginásio onde o evento vai acontecer, embarcando no ônibus onde estão àqueles que vão para trabalhar, ou que dispensa o carro para transportá-lo de sua casa e se dirige à sede da FIVB de bicicleta, começo a acreditar no que ali está desenhado.
Parece que, afinal, nos demos conta de que o voleibol (ou qualquer outro esporte, empresa ou instituição) é feito de gente, praticado por gente, para servir gente. Simples assim. Seguindo nessa direção deservir fãs e atletas, espero ver atletas recebendo o mesmo tratamento que dirigentes em viagens, hospedagens e demais atividades que deveriam, no mínimo, oferecer ao atleta as mesmas condições. E rapidamente as palavras solidariedade, integração, paz e colaboração correm para se juntar às frases e determinar claramente qual é o pensamento.
Mais adiante vemos o voleibol ser tratado como um ecossistema que pretende ter – e tem – todas as condições para ser autossustentável, largamente difundido. Eu não tenho dúvida nenhuma de que isso é absolutamente possível e viável.
Fábio tem essa exata noção. Antes de clamar por mais recursos, vamos rever como estamos utilizando o que já está em casa. O planejamento estratégico defende também os aspectos comerciais, técnicos e sociais. Na minha cabeça, esse é o caminho para uma atuação à luz dos conceitos de ESG – Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança).
A Governança é mais simples de entender, apesar dos riscos que envolve; no Ambiental existem tarefas a desenvolver. Mas é no Social que uma revolução pode ser feita. Começando pelo apoio àquelas regiões do mundo mais carentes para o desenvolvimento do esporte. Essa providência simples já representará uma possibilidade de melhorar a educação e a inserção social, proporcionando oportunidades de evolução para as regiões. No Social também existe a possibilidade de se dar tratamento igual a homens, mulheres, negros, brancos, amarelos. Outro dia, comemorando o Dia da Consciência Negra, vi um pensamento maravilhoso: “Não precisamos ter consciência negra, amarela, branca ou de qualquer outra cor. Precisamos ter a consciência humana.” E, meus amigos, considerando como parte integrante e fundamental desse ecossistema técnicos, atletas, preparadores físicos, professores, colaboradores administrativos, entre outros, estaremos, sim, praticando os preceitos de ESG e revolucionando o esporte.
Antes de encerrar esta pequena colaboração, oferecendo minha visão, devo dizer a vocês, meus leitores, profissionais da área de comunicação e marketing, que não existe nenhuma forma possível de se fazer um bom trabalho em marketing do esporte se você não se envolver diretamente com o que está acontecendo e participar das decisões administrativas e de marketing. Conseguir o tal ROI positivo em uma ação de patrocínio deveria significar muito mais que um simples número: trazer novos comportamentos inspirados pelas boas práticas que o esporte oferece para os colaboradores dos patrocinadores.
Lembro bem quando desenvolvemos uma ação muito simples: levar o time de judô, antes das Olimpíadas de Londres, para visitar a sede de nossa instituição. Em uma cerimônia muito simples fizemos uma troca de bandeiras, e os atletas autografaram a bandeira de nossa organização enquanto oferecemos uma bandeira brasileira assinada por colaboradores, para que acompanhasse nossa delegação. Essa bandeira ficou estendida no local de treino do time e nossos colaboradores, vendo a bandeira nas fotos, de certa maneira puderam enxergar nela sua participação naqueles jogos. Quando o time voltou com as medalhas de bronze, prata e ouro, abrimos as portas para recebê-los e, para aqueles que quisessem tirar uma foto, eles estariam à disposição. Reação à proposta: isso vai ser uma vergonha! Quem vai querer tirar foto com esses caras? O resultado foi um corre-corre enorme para organizar a fila, e o que estava previsto para acontecer em uma hora, no máximo, consumiu três. Sem nenhum problema ou reclamação. Tudo, mais uma vez, simples.
A FIVB já tinha dado um passo gigantesco quando transformou as partidas de vôlei em espetáculos, usando música, luzes, participação na torcida, interferindo na linguagem. Lembro também quando fui assistir à primeira versão da Nation League no Brasil, os nossos teóricos do marketing cochichando que aquilo não ia pegar aqui. Ledo engano de quem não acompanha o pensamento de quem gosta do esporte, mas também gosta de se divertir, de ver um espetáculo empolgante num ambiente seguro, limpo e agradável.
Não sou de dar parabéns a dirigentes esportivos, ainda mais no início do seu trabalho. Mas posso, sim, torcer, participar com meus textos e citar exemplos em minhas palestras comentando acertos e fatos positivos que vão acontecer nessa gestão, iniciada há pouquíssimo tempo, mas com um caderno de intenções – planejamento estratégico, manifesto, como quiserem chamar – robusto, profundo e alinhadíssimo com nosso tempo.