Luiz Fernando Coelho

Together as one: inspirador e perigosamente impressionante

O colunista reflete sobre sua trajetória no marketing esportivo e destaca a gestão inovadora da FIVB, focada em servir fãs e atletas

Colagem mostra o presidente e a logo do FIVB acompanhados do texto "Together as one"
Together as one, campanha de marketing no esporte da FIVB

Em meados de 1997 desembarquei no Comitê de Marketing de duas modalidades esportivas olímpicas. Uma delas apenas copiava a sigla CBV – Confederação Brasileira de Voleibol, e seu grupo de marketing nada mais era do que um ajuntamento de pessoas para viabilizar e realizar todas as vontades de seu presidente. Não, não se espantem. Naquela época era assim, e não sei se evoluímos tanto a ponto de havermos banido esses modelos do esporte olímpico no Brasil.

Eu sempre me bati sobre a questão de como todos os atores do esporte —  clubes, federações, conselhos, associações, atletas, técnicos — eram incapazes de lidar com patrocinadores. Digo isso por ter estado sentado na cadeira que gerenciou um projeto completo, em dois esportes, por dez anos; contratou seis confederações como patrocinadoras; envolveu-se no evento de cem anos da Fifa, em Paris; participou de três olimpíadas (Beijing 2008, Londres 2012 e Rio 2016, primeiro como patrocinador e num segundo momento como criador, planejador e operador de um belíssimo projeto institucional). Em 2012 e em 2016, tive a honra de conduzir a Tocha Olímpica e, mais recentemente, escrevi um livro sobre marketing do esporte, intitulado Transformar o jogo: o poder do marketing no esporte.

Pois bem, por conta dessa trajetória, assisti a diversas iniciativas que tinham ou pareciam ter um fundamento genuíno de gestão para o esporte. É isso, caros leitores, uma coisa é ser do esporte, atitude de propriedade; a outra é ser para o esporte, comportamento de servir, sem posse. 

Semana passada, um amigo, sabedor de minha paixão por gestão do esporte, me enviou um PPT que apresentava o programa da Federação Internacional de Voleibol (FIVB), de 2024 a 2032. Na primeira leitura, me pareceu mais um programa de um esporte rico. No entanto, alguns detalhes chamaram minha atenção e fui me certificar de que estava entendendo direito o que ali estava descrito. Não satisfeito, comecei a pesquisar. Afinal, como um profissional que muitas vezes avaliou e selecionou modalidades para patrocinar, adquiri certa experiência no assunto, e os programas de trabalho sempre me parecem todos iguais, um belo déjà vu de propostas, que só impressionam no papel e depois disso não pressionam ninguém.

Obriguei-me a ler duas vezes porque, na proposta apresentada e assinada por Fábio Azevedo (cito o nome, pois, se usar o termo Mr. President, corro o risco de ser imediatamente banido do vôlei), aparece um conceito muito profundo: servir os fãs e os atletas.

Eu adoraria ter ouvido isso de qualquer esporte com que tive a oportunidade de conviver, como representante da marca patrocinadora. A partir daí, passei a prestar atenção aos detalhes dos 14 pontos abordados por Fábio em um manifesto em que comprometeu toda a FIVB. Recomendo às empresas que estejam pensando em colocar em seus planejamentos estratégicos de comunicação e marketing, o patrocínio esportivo, por menor que seja, que pelo menos passem os olhos nesse manifesto. 

Patrocinar é se envolver, não tem jeito. Muitos acham que é só aproveitar as oportunidades de mídia. Até vai aproveitar, mas isso significa não capitalizar exponencialmente o dinheiro envolvido. O planejamento estratégico traz à tona, com simplicidade atordoante, pontos que fazem todo o sentido, principalmente no mundo em que vivemos hoje, onde o lema mais comum é “faça o que eu digo e esqueça o que eu faço”.

TOGETHER AS ONE significa a ruptura com a pompa e circunstância com que dirigentes esportivos se comportam, em geral, como se fossem ungidos e especiais, donos de soluções miraculosas para toda e qualquer ocasião. E na medida em que o presidente passa a se comportar como uma pessoa igual a seus colaboradores e dispensa a limusine para ir ao ginásio onde o evento vai acontecer, embarcando no ônibus onde estão àqueles que vão para trabalhar, ou que dispensa o carro para transportá-lo de sua casa e se dirige à sede da FIVB de bicicleta, começo a acreditar no que ali está desenhado.

Parece que, afinal, nos demos conta de que o voleibol (ou qualquer outro esporte, empresa ou instituição) é feito de gente, praticado por gente, para servir gente. Simples assim. Seguindo nessa direção deservir fãs e atletas, espero ver atletas recebendo o mesmo tratamento que dirigentes em viagens, hospedagens e demais atividades que deveriam, no mínimo, oferecer ao atleta as mesmas condições. E rapidamente as palavras solidariedade, integração, paz e colaboração correm para se juntar às frases e determinar claramente qual é o pensamento.

Mais adiante vemos o voleibol ser tratado como um ecossistema que pretende ter – e tem – todas as condições para ser autossustentável, largamente difundido. Eu não tenho dúvida nenhuma de que isso é absolutamente possível e viável. 

Fábio tem essa exata noção. Antes de clamar por mais recursos, vamos rever como estamos utilizando o que já está em casa. O planejamento estratégico defende também os aspectos comerciais, técnicos e sociais. Na minha cabeça, esse é o caminho para uma atuação à luz dos conceitos de ESG – Environmental, Social and Governance (Ambiental, Social e Governança).

A Governança é mais simples de entender, apesar dos riscos que envolve; no Ambiental existem tarefas a desenvolver. Mas é no Social que uma revolução pode ser feita. Começando pelo apoio àquelas regiões do mundo mais carentes para o desenvolvimento do esporte. Essa providência simples já representará uma possibilidade de melhorar a educação e a inserção social, proporcionando oportunidades de evolução para as regiões. No Social também existe a possibilidade de se dar tratamento igual a homens, mulheres, negros, brancos, amarelos. Outro dia, comemorando o Dia da Consciência Negra, vi um pensamento maravilhoso: “Não precisamos ter consciência negra, amarela, branca ou de qualquer outra cor. Precisamos ter a consciência humana.” E, meus amigos, considerando como parte integrante e fundamental desse ecossistema técnicos, atletas, preparadores físicos, professores, colaboradores administrativos, entre outros, estaremos, sim, praticando os preceitos de ESG e revolucionando o esporte.

Antes de encerrar esta pequena colaboração, oferecendo minha visão, devo dizer a vocês, meus leitores, profissionais da área de comunicação e marketing, que não existe nenhuma forma possível de se fazer um bom trabalho em marketing do esporte se você não se envolver diretamente com o que está acontecendo e participar das decisões administrativas e de marketing. Conseguir o tal ROI positivo em uma ação de patrocínio deveria significar muito mais que um simples número: trazer novos comportamentos inspirados pelas boas práticas que o esporte oferece para os colaboradores dos patrocinadores.

Lembro bem quando desenvolvemos uma ação muito simples: levar o time de judô, antes das Olimpíadas de Londres, para visitar a sede de nossa instituição. Em uma cerimônia muito simples fizemos uma troca de bandeiras, e os atletas autografaram a bandeira de nossa organização enquanto oferecemos uma bandeira brasileira assinada por colaboradores, para que acompanhasse nossa delegação. Essa bandeira ficou estendida no local de treino do time e nossos colaboradores, vendo a bandeira nas fotos, de certa maneira puderam enxergar nela sua participação naqueles jogos. Quando o time voltou com as medalhas de bronze, prata e ouro, abrimos as portas para recebê-los e, para aqueles que quisessem tirar uma foto, eles estariam à disposição. Reação à proposta: isso vai ser uma vergonha! Quem vai querer tirar foto com esses caras? O resultado foi um corre-corre enorme para organizar a fila, e o que estava previsto para acontecer em uma hora, no máximo, consumiu três. Sem nenhum problema ou reclamação. Tudo, mais uma vez, simples. 

A FIVB já tinha dado um passo gigantesco quando transformou as partidas de vôlei em espetáculos, usando música, luzes, participação na torcida, interferindo na linguagem. Lembro também quando fui assistir à primeira versão da Nation League no Brasil, os nossos teóricos do marketing cochichando que aquilo não ia pegar aqui. Ledo engano de quem não acompanha o pensamento de quem gosta do esporte, mas também gosta de se divertir, de ver um espetáculo empolgante num ambiente seguro, limpo e agradável.

Não sou de dar parabéns a dirigentes esportivos, ainda mais no início do seu trabalho. Mas posso, sim, torcer, participar com meus textos e citar exemplos em minhas palestras comentando acertos e fatos positivos que vão acontecer nessa gestão, iniciada há pouquíssimo tempo, mas com um caderno de intenções – planejamento estratégico, manifesto, como quiserem chamar – robusto, profundo e alinhadíssimo com nosso tempo.