Julia Padula

Eventos para todos: a importância da acessibilidade

A colunista traz referências para melhorar a acessibilidade em eventos, por exemplo intérpretes de Libras e plataformas elevadas

Pessoa usando linguagem de sinais
Foto: Pexels

O futuro carece de um mundo mais acessível, onde barreiras digitais e físicas serão superadas, e a tecnologia e o design irão garantir oportunidades iguais para que todos possam participar e aproveitar igualmente de eventos mais inclusivos. 

Inspirada pelo filme Ainda Estou Aqui, decidi ler a obra de estreia de Marcelo Rubens Paiva: Feliz Ano Velho. Para quem já conhece, entendeu o gancho pro assunto desta coluna. Mas pra quem ainda não teve esse contato, além de recomendar a leitura, resumo o livro aqui: a obra trata da jornada de Marcelo pela recuperação após sofrer um acidente que o deixou tetraplégico depois de um mergulho em um lago às margens da Rodovia dos Bandeirantes. Durante a narrativa, nos colocamos no lugar do narrador algumas vezes, abrindo uma nova percepção de como é o mundo visto pelo ângulo de um cadeirante. Inacessível, preconceituoso, solitário e burocrático.

Essas são noções que o próprio autor nos dá quando fala sobre entrar em um banheiro e encontrar uma porta menor do que a cadeira de rodas, os olhares piedosos das pessoas que trombaram com ele estacionado na Avenida Paulista, e até a demora para conseguir uma vaga no centro de fisioterapia. 

Os obstáculos estão em todos os lugares 

Falar de acessibilidade vai desde a construção de uma rampa até questões políticas profundas. Levando em conta que existem diversos tipos de condições, existem diversas formas de acessibilidade. Seja no mundo real ou no digital. Mas, é necessário focar aqui nas ações e nos eventos. Por isso, além de brevemente resumir cada tipo de acessibilidade, trouxe também algumas práticas e exemplos relacionados à produção de eventos:

  1. Acessibilidade Atitudinal
    Definição:
    Refere-se a atitudes sem preconceitos, estigmas ou discriminações.
    Práticas e Exemplos: Organizar treinamentos de sensibilização para a equipe do evento, garantindo que todos os participantes, independentemente de suas condições, sejam respeitados e incluídos. Exemplo: Recepcionistas treinados para acolher de forma adequada pessoas com deficiência.
  2. Acessibilidade Arquitetônica
    Definição:
    Eliminação de barreiras físicas nos ambientes e espaços.
    Práticas e Exemplos: Garantir que o local do evento tenha rampas, banheiros adaptados, sinalização em braille, pisos táteis e elevadores acessíveis. Exemplo: Montar um palco que seja acessível a cadeirantes, com rampas para a plateia e para os artistas.
  3. Acessibilidade Metodológica
    Definição:
    Adaptação dos métodos e técnicas para garantir o aprendizado e a participação de todos.
    Práticas e Exemplos: Para eventos educacionais, oferecer materiais em formatos acessíveis, como áudio ou texto de apoio. Exemplo: Durante palestras, disponibilizar transcrição em tempo real ou slides em formato acessível.
  4. Acessibilidade Programática
    Definição:
    Eliminação de barreiras nas políticas públicas que garantem inclusão e direitos.
    Práticas e Exemplos: Garantir que o evento esteja em conformidade com legislações de acessibilidade, como a Lei Brasileira de Inclusão (L13146). Exemplo: Criar um evento que siga as normas de acessibilidade e facilite o acesso de pessoas com deficiência aos seus direitos, como transporte ou entrada preferencial.
  5. Acessibilidade Instrumental
    Definição: Superação de barreiras em ferramentas, utensílios e equipamentos.
    Práticas e Exemplos: Disponibilizar equipamentos adequados, como computadores com software de leitura de tela ou amplificadores de som. Exemplo: Fornecer materiais de apoio em braille ou áudio para participantes com deficiência visual.
C6 Fest 2024. Foto: Arquivo pessoal
  1. Acessibilidade nos Transportes
    Definição:
    Garantir a mobilidade de pessoas com deficiência nos meios de transporte e nos pontos de acesso.
    Práticas e Exemplos: Disponibilizar transporte adaptado para pessoas com deficiência motora. Exemplo: Organizar o transporte para o evento com vans acessíveis ou garantir que o ponto de ônibus mais próximo tenha infraestrutura adequada.
  2. Acessibilidade nas Comunicações
    Definição:
    Eliminar barreiras na comunicação verbal, escrita e digital.
    Práticas e Exemplos: Oferecer intérpretes de Libras durante o evento ou legendas para vídeos. Exemplo: Durante uma conferência, ter intérpretes de Libras para participantes surdos e fornecer materiais digitais acessíveis.
  3. Acessibilidade Digital
    Definição: Eliminação de barreiras no acesso e na comunicação digital.
    Práticas e Exemplos: Criar sites de eventos acessíveis, com compatibilidade para leitores de tela e conteúdos em formatos alternativos. Exemplo: A plataforma de inscrição do evento deve ser fácil de navegar, com opções de ajuste de contraste e aumento de texto.

“Apenas alguns sites e apps oferecem opções como troca de cores (e que quando têm, nem sempre levam em consideração todas as particularidades dos grupos que precisam dessa funcionalidade), ajuste de tamanho de fonte ou integração com plugins de acessibilidade, como o Hand Talk ou VLibras, que traduzem conteúdos textuais para Libras. 

No universo dos influenciadores, essa preocupação também é limitada. Poucos criadores de conteúdo se dedicam a tornar seus materiais mais acessíveis, seja adicionando legendas manuais aos vídeos ou criando descrições detalhadas para imagens. Algumas plataformas já oferecem essas funcionalidades de forma automática (o Instagram por exemplo gera o texto alternativo automaticamente para as imagens mas nem sempre coloca de forma correta o contexto da imagem), ainda há um longo caminho a percorrer para garantir que a acessibilidade seja uma prioridade real”, colabora Victor Castro, desenvolvedor.

Exemplo de acessibilidade em grandes eventos

Em 2024, Xbox e Nintendo participaram da CCXP, trazendo jogos impactantes e incorporando recursos de acessibilidade em seus estandes. A acessibilidade em jogos geralmente se limita a ajustes de software para deficiências visuais e auditivas, mas limitações físicas exigem soluções adicionais. Para promover maior inclusão, ambas as empresas se associaram à AbleGamers, ONG que trabalha com a produção de controles adaptáveis. Nos estandes, foram criadas áreas específicas para adaptar controles às diversas necessidades dos participantes. Reforçando o resultado positivo desse movimento, Gabriel “Machadinho”, conhecido influenciador gamer, confirma que a “acessibilidade estava épica”. 

O Rock in Rio é destaque pela sua dedicação à acessibilidade. Nas últimas edições, o festival implementou plataformas elevadas para cadeirantes, intérpretes de Libras nos palcos principais e pisos táteis para pessoas com deficiência visual. Além disso, havia equipes de apoio treinadas para oferecer assistência e transporte adaptado no evento. Esse compromisso com a inclusão fortalece sua posição como modelo de acessibilidade em grandes eventos. Na prática, contei com o relato de uma amiga que estava com o pé quebrado na edição de 2024 e trouxe a seguinte percepção: “A experiência de acessibilidade foi positiva, especialmente nas ações da Doritos, que ofereceram boa organização e apoio para cadeirantes. No entanto, percebi uma grande demanda por recursos de mobilidade, com muitas pessoas tendo dificuldades. Em relação aos estandes, a maioria tinha boa acessibilidade, embora alguns não estivessem tão bem adaptados. Para mim, que ainda conseguia andar, a experiência foi boa mesmo naquela situação”.

Boas referências para compartilhar

Em breve acontece o Carnaval, e a acessibilidade precisa estar na composição dos itens obrigatórios. Pensando nisso, em entrevista ao Meio & Mensagem, Ana Lúcia Motta, CEO da All Dub, explica quais são as dificuldades em promover acessibilidade para pessoas com deficiência nos eventos – leia aqui: Como promover acessibilidade em eventos como o Carnaval?

Como benchmark, conheça as iniciativas de acessibilidade nas melhores casas de shows de SP, nesta matéria da Folha de S. Paulo. 

Existe um guia oficial de acessibilidade em eventos produzido pelo SEBRAE-SP junto ao Governo de São Paulo, e um não tão oficial, mas de uma ótima origem, o guia para organizadores do Sympla – plataforma online de eventos líder no Brasil. 

Futuro e tendências em acessibilidade 

A tecnologia está evoluindo para tornar o mundo mais inclusivo, com a acessibilidade ganhando cada vez mais importância em diversos setores. Tecnologias como Realidade Aumentada e Virtual permitirão a criação de ambientes acessíveis, possibilitando a participação de pessoas com deficiências em atividades interativas, não se limitando apenas ao entretenimento. Uma das promessas da Inteligência Artificial é personalizar experiências, adaptando-se automaticamente às necessidades dos usuários. A gamificação se tornará uma ferramenta importante na educação inclusiva, tornando o aprendizado mais envolvente e acessível. Além disso, a acessibilidade arquitetônica e o conceito de “Smart Cities” estarão cada vez mais presentes, criando ambientes físicos mais inclusivos. 

Pauta obrigatória

Quando me perguntaram qual o gancho para a escolha desse assunto, eu, sendo bem direta, disse apenas: a acessibilidade deveria ser sempre uma pauta necessária e independente, que não precisa de um grande desastre ou um grande feito para ganhar visibilidade. Então, gostaria que esse texto servisse para uma única função: provocar a reflexão do mercado sobre a urgência de eventos mais inclusivos, que proporcionem a todos os participantes a mesma experiência, independentemente de suas limitações.

Até a próxima,
Julia

Julia Padula

Cofundadora da Mapoteca®, um estúdio de design que promove a colaboração entre criativos, clientes e agências, Julia Padula escreve sobre processos criativos, arte e eventos dos quais participa.