
Desde a infância, eu amava assistir aos desfiles das escolas de samba na televisão e, absorvendo todos aqueles estímulos visuais, me sentia inspirada a também criar. Acredito que está aí a graça dessa época: a licença poética para ser livre – e isso é muito potente. É um movimento que não tem classe social ou preconceito de qualquer forma (não deveria), no qual até a inversão de papéis é uma tradição. O pobre se vê rico, o homem se fantasia de mulher, e por aí vai. Durante esse período, tudo é permitido, pois a lei fica suspensa e o êxtase toma conta das ruas. O Carnaval é para todos, como reza o samba-enredo da Acadêmicos do Salgueiro em 1997: “De poeta, carnavalesco e louco, todo mundo tem um pouco”.
Ó Abre Alas
O Carnaval é uma explosão de criatividade, em que o tempo é suspenso para dar espaço à subversão e ao excesso, traduzidos em burlesco e ironia. É um ritual de transformação, de tempos de abundância e catarse (verão) para a penúria e sobriedade (outono). A máscara (facial ou de indumentária), obrigatória em todos os carnavais, permite ao participante assumir novas identidades e personificar desejos e fantasmas coletivos. Podemos dizer que existem dois tipos de máscaras: figuras antropomórficas e máscaras zoomórficas.
O Diabo (muitas vezes, protagonista no papel de “Rei do Carnaval” na América Latina) e a Morte são figuras centrais, representando a liberdade, o pecado e a alegria. Os carros alegóricos têm as suas origens na Idade Média, nas carroças móveis que apresentavam peças teatrais e iam de cidade em cidade. São alegóricos porque costumam usar figuras reais, temas ou eventos que são parodiados por caricaturas, desenhos, textos humorísticos e músicas. São parte essencial dos desfiles, refletindo o caráter lúdico e irreverente.
A dimensão cênica e performativa do Carnaval também se expressa na coreografia e na dança, com forma e significado diferentes em cada contexto e celebrando a vida e a transgressão temporária da ordem estabelecida. A música desempenha um papel fundamental, com suas harmonias, melodias e ritmos que refletem a identidade dos carnavais em que se manifestam. O enredo do Carnaval, por sua vez, também é uma narrativa.
“Quem narra, narra o que viu, o que viveu, o que testemunhou, mas também o que imaginou, o que sonhou, o que desejou. Por isso, Narração e Ficção praticamente nascem juntas”, expressa Ligia Chiappini.
As marcas do Carnaval
O Carnaval é uma festa que oferece uma oportunidade de conexão emocional e cultural única entre as marcas e o público. Aproveitar esse vínculo não precisa se limitar aos dias de folia. Marcas que investem em estratégias de marketing duradouras podem manter a relevância durante o ano inteiro, explorando o simbolismo do Carnaval de forma contínua. Além de movimentar bilhões, o Carnaval impulsiona a economia criativa, e marcas podem transformar esse potencial em engajamento constante.
A chave para o sucesso está em um trabalho de branding bem estruturado. Assim como clubes europeus de futebol, que fazem licenciamento de produtos e serviços durante o ano todo, as escolas de samba e os profissionais do Carnaval têm muito a oferecer além dos desfiles. Criar uma relação contínua com o público fortalece a marca e gera valor de longo prazo, não apenas durante a festa.
“O setor de entretenimento mexe com emoção de uma maneira muito intensa. Quando você promete diversão para uma pessoa, está fazendo uma promessa ousada. Quem deseja trabalhar na economia criativa precisa saber gerar valor para o outro”, afirma Flavia Brêtas.
Acadêmicos
Um projeto carnavalesco deve criar soluções criativas para vestir os brincantes (figurinos), assim como desenvolver grandes cenários ambulantes (alegorias) que, somados, contam plasticamente uma história (enredo ou tema) na avenida. A cadeia de eventos que envolve o projeto plástico-visual e a execução do desfile de escola de samba visa responder à demanda de uma empresa (a escola de samba), destinada aos usuários (desfilantes).
A criação e o design exploram materiais e técnicas diferenciadas. Esse processo contínuo de inovação ocorre desde a concepção até o desfile, com a adaptação de formas e técnicas ao longo do caminho. Ou seja, espera-se certa dose de ineditismo ou uma exploração de materiais inusitados, com aplicações diferenciadas, a fim de encantar com soluções que são de ordem estética e simbólica e que surpreendem positivamente nos desfiles, pois as fantasias precisam se comunicar visualmente.
A criação de fantasias, adereços e alegorias é um processo constante de inovação, que vai da concepção à execução. Na construção dos protótipos, novas técnicas e materiais são descobertos para transformar ideias bidimensionais em formas tridimensionais. Na produção das alegorias, a colaboração entre diferentes profissionais gera uma mistura de técnicas e materiais, resultando em formas que se reinventam a cada ação. O trabalho no barracão é um processo contínuo, onde a arte se desenvolve e se modifica até o desfile.
Além dos desfiles, o ecossistema do carnaval de rua é composto por diversos atores e elementos que impactam as experiências do folião, músicos e comunidade. Essa rede dinâmica e colaborativa, que envolve diferentes profissionais e o entorno, contribui para uma experiência coletiva, evidenciando o papel do design na organização e execução do evento. A agência Livework produziu um material rico sobre essa experiência pelas lentes do design de serviço. Confira na íntegra.
Dispersão
Com ousadia na criação de narrativas e elementos visuais, o Carnaval se torna uma referência obrigatória de evento de experiências memoráveis. O respeito ao público, às comunidades, culturas e tradições fortalece o impacto social e econômico, em um raio cada vez maior e mais poderoso, dentro e fora do contexto carnavalesco, reforçando o papel do espetáculo nacional como ferramenta de inovação.
Até a próxima,
Julia
Cofundadora da Mapoteca®, um estúdio de design que promove a colaboração entre criativos, clientes e agências, Julia Padula escreve sobre processos criativos, arte e eventos dos quais participa.