Um vazamento na pia da cozinha confrontou a assessora de imprensa Camila Mazzini com um movimento que ganha força nas redes sociais e no mercado de trabalho. Em geral, em uma situação dessas, ela recorria ao zelador do prédio. Mas não naquele dia de junho.
– Eu havia recém me mudado e não tinha essa opção. Teria de chamar alguém, mas estava com receio de procurar um serviço e receber um estranho dentro de casa. Pensei: “Poxa, será que não existe uma mina que tenha a manha de consertar isso?”.
E tinha. Camila recorreu a timeline do Facebook, postou uma mensagem apelando à sua própria rede de amigas em busca de um serviço – nesse caso de encanamento, prestado por uma mulher em São Paulo. Mas por que não partir do mesmo princípio para saber de uma eletricista em Salvador? Ou uma taxista no Rio de Janeiro?
Nasceu assim um grupo no Facebook chamado Garotas no Poder, hoje com quase 20 mil participantes. Protegidas pela privacidade da ferramenta e diante de milhares de quem enfrenta problemas semelhantes aos seus, proliferam iniciativas que, com uma e outra particularidade, têm o mesmo objetivo: indicar mulheres a outras mulheres.
– Fiquei orgulhosa dessa rede que eu criei. Sobretudo por provar que essa imagem de que mulher não gosta de mulher não é verdadeira. Bá, olha, não é assim mesmo – declara Camila, em busca, agora, de uma mulher que faça fretes na capital paulista.
O que surgiu de uma necessidade cotidiana para Camila, a consultora em estratégias de gênero Deb Xavier defende por ideologia. Por meio do Jogo de Damas, plataforma para integrar mulheres no mundo dos negócios, Deb promove iniciativas como o Compre de Uma Mãe Empreendedora, que listou 69 pequenas empresas comandadas por mães. A ideia era que filhos e filhas aproveitassem a data para comprar presentes de quem se aventurou no empreendedorismo em meio à maternidade.
– Comprar de uma mulher tem a ver com equilibrar a balança, com corrigir distorções. Não se trata de um preconceito com os homens, mas de estimular a diversidade para que, no fim das contas, homens e mulheres trabalhem mais juntos. Consumir de mulheres, em um primeiro momento, estimula mulheres a empreender e a iniciativa privada a contratar mais mulheres – avalia Deb.
– É importante a consciência de que contratar uma mulher é aumentar a renda dela e da família dela. A economia gira quando mais uma mulher entra no mercado para trabalhar – declara Estela Rocha, fundadora da ONG Empoderamento da Mulher.
– Para a indicação de uma médica, vejo que elas se sentem mais à vontade de consultar outras mulheres – destaca Estela.
– E uma mulher entende o que a outra passa, como o sentimento de exposição ao entrar no carro de um estranho.
O exemplo lembra a ideia de disponibilizar uma planilha colaborativa listando contatos de taxistas mulheres de São Paulo. Logo elas começaram a receber ameaças pelos números divulgados. Ao denunciar, conseguiram com que os responsáveis fossem pegos. Hoje o serviço é realizado normalmente.
Apesar desta iniciativa vitoriosa, as participantes recomendam cautela. "A internet é um lugar inóspito. Aí a gente enxerga o quanto manter grupos fechados entre mulheres é importante e o quanto às vezes é difícil explicar a importância desse tipo de atitude para um homem", comenta Estela.
Visibilidade é representatividade
Além de questões práticas, a indicação de mulheres desde para vagas de emprego a palestrantes em eventos importa, na visão da consultora de estratégias de gênero Deb Xavier, pela representatividade. Enxergar uma profissional se destacando é fundamental para que outras almejem fazer o mesmo. E também é fundamental para que os homens lidem com mulheres em todo tipo de postos de trabalho. Daí a enxurrada de críticas, por exemplo, ao ministério 100% masculino formado pelo presidente Michel Temer. Deb exemplifica citando outro evento recente, em Porto Alegre, cujo tema era “quem move o mundo”:
– Dos 21 painelistas, 20 eram homens. Acho que aí fica claro quem move o mundo, né?
Por essas e por outras, o Virando o Jogo, evento de palestras sobre negócios do Jogo de Damas, faz questão de ter somente elas no palco. Homens, por ora, apenas na plateia.
– Quando me perguntam o motivo, eu justifico que escolhi por mérito. É a justificativa que sempre ouvi por aí para fazer o contrário. E é mesmo. Elas não deixam de ter mérito. E são mulheres – declara Deb.
O mesmo princípio está por trás do projeto Entreviste uma Mulher, mantido pela ONG feminista Think Olga. Desde 2015, o site da ONG mantém um banco de dados de especialistas (no feminino) nas mais diversas áreas, com os devidos currículos e contatos. A iniciativa surgiu de uma pesquisa constatando que, de um universo de 352 notícias de capa do New York Times em 2013, apenas 19% das fontes consultadas pelo jornal eram mulheres.
Elas se indicam
Outro caso é o de Juliana Ricci. Já há algum tempo a professora de inglês pensava em fazer algum tipo de trabalho focado em empoderamento feminino. A motivação final aconteceu em meio à repercussão do estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro.
– De alguma forma aquele episódio mexeu comigo. E aconteceu bem quando rolava, entre amigas minhas, discussões sobre dificuldades com chefes homens. Aproveitei o meu momento de vida e coloquei no ar o Indique uma Mina no Facebook.
O projeto mantém paralelamente um espaço de debates sobre mulheres no mercado de trabalho e um grupo bem objetivo. Assim que uma participante aponta uma vaga de emprego, as outras indicam mulheres que poderiam se interessar por ela.
A surpresa foi a velocidade com que o grupo cresceu: em um mês e meio, atingiu 82 mil participantes, indicando postos de trabalho principalmente em Rio, São Paulo, Brasília e Porto Alegre.
O crescimento súbito fez com que Juliana buscasse cinco outras amigas para ajudar na moderação dos posts, além de estabelecer algumas regras básicas. Não são aceitos posts de autopromoção nem pedidos pessoais de emprego.
– Evitamos também postagens de empregadores que digam coisas como: “No momento não estou podendo pagar muito, mas gostaria de alguém para…”. Como se um grupo de mulheres fosse o lugar adequado para procurar mão de obra barata. Não, é justamente o contrário disso.
Juliana comemora feedbacks de empresas que conseguem formar equipes inteiras de mulheres por meio do grupo. Percebe também um movimento de organizações sondando o grupo com o objetivo de promover a diversidade em vagas tradicionalmente masculinas, como as áreas de tecnologia da informação. E, acima de tudo, celebra a formação de uma rede colaborativa inteiramente feminina:
– Ouvi, certa vez, que toda mulher nasce dentro de um concurso de beleza para o qual ela não se inscreveu. Está mais do que na hora de acabar com essa lógica. Não, nós não nascemos para ser rivais umas das outras.
A participante aponta uma vaga de emprego, as outras indicam mulheres que poderiam se interessar por ela. A surpresa foi a velocidade com que o grupo cresceu: em um mês e meio, atingiu 82 mil participantes, indicando postos de trabalho principalmente em Rio, São Paulo, Brasília e Porto Alegre.
O crescimento súbito fez com que Juliana buscasse cinco outras amigas para ajudar na moderação dos posts, além de estabelecer algumas regras básicas. Não são aceitos posts de autopromoção nem pedidos pessoais de emprego.
– Evitamos também postagens de empregadores que digam coisas como: “No momento não estou podendo pagar muito, mas gostaria de alguém para…”. Como se um grupo de mulheres fosse o lugar adequado para procurar mão de obra barata. Não, é justamente o contrário disso.
Juliana comemora feedbacks de empresas que conseguem formar equipes inteiras de mulheres por meio do grupo. Percebe também um movimento de organizações sondando o grupo com o objetivo de promover a diversidade em vagas tradicionalmente masculinas, como as áreas de tecnologia da informação. E, acima de tudo, celebra a formação de uma rede colaborativa inteiramente feminina:
– Ouvi, certa vez, que toda mulher nasce dentro de um concurso de beleza para o qual ela não se inscreveu. Está mais do que na hora de acabar com essa lógica. Não, nós não nascemos para ser rivais umas das outras.