A publicidade sempre foi sobre contar histórias, sendo a criatividade imprescindível para que elas sejam completas em apenas poucos segundos, às vezes, acompanhadas de imagens e filmes. Histórias de amor, de aventura, de encontros fortuitos e, invariavelmente, com um final feliz. No caso do varejo, o melhor, pelo menor preço!
Falamos de produtos e de seus atributos, de como acrescentar um toque adicional de suavidade ao amor de uma mãe pelo bebê na comunicação de venda de fraldas, mamadeiras e papinhas, por exemplo. Ou um pouco de desconcentração àquele grupo na praia ou mais segurança na viagem.
Tomo aqui como referencial a propaganda de bens de consumo. A tecnologia hoje disponível permite que cada um conte a sua própria história, faça a sua “propaganda”. O problema é que quase sempre, ela é feita sem qualidade de conteúdo. Algumas até se destacam por sua originalidade e, em poucos segundos de mídias sociais, seus autores se tornam personalidades influentes, com mais seguidores do que o falecido e glorioso Jornal do Brasil tinha de leitores. Outros tempos.
Voltamos a um passado recente, quando uma radical mudança na sociedade foi plantada
por uma chamada telefônica realizada no Rio de Janeiro em 30 de dezembro de 1990: nascia a ligação por celular – naquele ano raras 700 linhas foram colocadas à venda, que explodiram após a privatização das telecomunicações. Em janeiro de 2024 eram 214 milhões de linhas habilitadas.
Poderia uma outra data, mas eu vou situar o início das grandes mudanças no ano 2000, quando o mundo descobriu que o fantasma do bug do milênio não existia (para quem não sabe do que se trata, ver em ‘O que foi o bug do milênio que aterrorizou os anos 2000?’ – Canaltech) e os publicitários voltaram aos seus negócios de contar histórias, ainda buscando mais charme e mais investimento em filmes de 30’ para a então ainda dominante TV aberta.
O mundo já estava em transformação pela tecnologia, com a popularização dos celulares, as chamadas pelo Skype e os pendrives, o crescimento dos canais pagos (a tv a cabo) e a decadência do rádio e da tv como fontes primárias de informação. Mas Cannes não perdia prestígio.
Começava a se consolidar a segmentação, a novela das nove não atendia mais às necessidades dos seus clientes e começava a ficar mais complicado elaborar um plano de
mídia. No início dos anos 2000 o meio televisão representava 54,5% da verba total de publicidade, que era estimada em 1,24 bilhão de reais, mas na sala ao lado os consumidores aprendiam a utilizar a internet, assinavam canais de televisão a cabo, compravam celulares com preços decrescentes e usavam cada vez mais o seu poder de escolha da fonte predileta para informação e diversão.
O modelo de negócios das redes abertas e das agências pouco evoluiu nos anos seguintes, mas a audiência do modelo antigo seguia caindo – o recorde de audiência do Jornal Nacional, registrado em 10 de julho de 2004, com 52% de audiência e representando 88% dos aparelhos ligados, jamais se repetiria.
A década assistiu ao início da exploração da publicidade on-line. Sites abriam espaço para a comercialização de banners, anúncios em formato de display e links patrocinados e o E-mail Marketing: ganhou popularidade, uma comunicação direta com os consumidores. Embora ainda incipientes, as redes sociais começaram a despontar.
O MySpace conectava amigos e abria seu espaço virtual para bandas e artistas divulgarem vídeos e músicas e o Google já estava em ascensão, e os anunciantes investiam em links patrocinados e no uso de SEO para melhorar o ranking de seus produtos.
Essas mídias digitais marcaram o início da transformação do cenário publicitário, preparando o terreno para as estratégias atuais. A alocação das verbas de publicidade seguia a tendência à pulverização por múltiplos canais, permitida pela evolução tecnológica.
O quadro brasileiro acompanhou a tendência de segmentação, mas com características próprias, como a elevada audiência de televisão/ redes abertas e o uso de canais como o
Google para a veiculação de propagandas de micro e pequenos empresários órfãos da
mídia impressa, dos classificados e até das listas amarelas. O Brasil possui uma audiência de TV com um alcance diário semelhante ao maior evento transmitido pela TV americana, o Super Bowl, e este é o principal fator para a resiliência da publicidade na televisão, embora cadente.
Os números já conhecidos para o investimento publicitário no 1º semestre de 2023 são:
- Televisão aberta: R$ 3,81 bilhões (46,1% do total)
- Internet: R$ 2,56 bilhões (31% do total)
- Mídia exterior: R$ 886,1 milhões (10,7% do total)
- Televisão por assinatura: R$ 521,9 milhões (6,3% do total)
- Rádio: R$ 313,2 milhões (3,8% do total) Os setores que mais investiram em publicidade digital foram comércio (27,18%), serviços (13,35%), mídia (7,81%), eletrônicos e informática (5,96%) e financeiro e securitário (5,94%) (pesquisa Digital AdSpend do IAB Brasil).
Segundo o relatório, 76% do total investido em publicidade digital nos primeiros seis meses de 2023 foram destinados aos dispositivos móveis e o desktop recebeu 24%. Em relação aos canais, mais da metade (55%) foi direcionado às plataformas de redes sociais, seguido por search (30%), publishers e verticais (15%). Quanto aos formatos, 37% foram direcionados para vídeo, 33% para display (formatos estáticos e animados como banners, ads, posts, gifs etc.) e 30% para search (sites de busca).
A pesquisa Cenp-Meios, com diferente metodologia, chega a números equivalentes, com o destaque, entre o desempenho dos meios, para a Internet, com R$ 3,370 bilhões em compra de mídia, o que representa um crescimento de 30% na comparação com o primeiro semestre do ano anterior. Em termos de share, a Internet também apresentou crescimento considerável, passando de 31% no primeiro semestre de 2022 para 36,9% nos primeiros seis meses de 2023.
A análise de dados nunca foi tão vital para as marcas, independente do segmento de mercado. A internet se transformou em uma espécie de nova TV! A tendência de digitalização, cada vez maior, do consumo deve estar em sintonia com a necessidade de personalização da comunicação, especialmente para os dispositivos móveis.
Insights, tradição ou intuição precisam ser substituídos por números, por indicadores. Uma vez que foram definidos a segmentação de seus públicos e as preferências desses por canal, o resto caberá novamente aos publicitários, que é usar o seu talento para contar histórias com criatividade, sentimento e algoritmos.