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As recentes notícias de falência de marcas reconhecidas como o Eataly – maior centro gastronômico da América Latina com foco na tradição italiana – e a Bombril – fundada em 1948 e famosa por sua esponja de aço – trouxeram questionamentos para quem estuda e trabalha com marcas: como a economia afeta as marcas e como as marcas afetam a economia?
Você já deve ter esbarrado em alguma notícia sobre a redução do poder aquisitivo do brasileiro e, em resposta, a escolha por produtos mais econômicos. Não é nem necessário estudar teorias comportamentais (ou BPM) para saber que consumir é diretamente influenciado por fatores ambientais nas escolhas, baseados em benefícios e diferenciação, como precificação e qualidade.
Empresas já alinhadas à nova economia “desbravam novos setores, criam oportunidades e o futuro de maneira inovadora”, afirma Francine Lemos, Diretora Executiva do Sistema B e colunista da revista Exame. Porém, a adesão de grandes empresas, marcas tradicionais e amplamente conhecidas pelo público consumidor, é mais complexa em sua jornada. Nem todas as empresas estão prontas para essa virada de chave.
O revés do Branding
O branding é, sem dúvida, essencial na construção da identidade das empresas, mas é importante reconhecer que também traz desafios consideráveis. Um dos maiores obstáculos é a inflexibilidade que acompanha uma marca consolidada. Uma vez que a identidade de uma empresa é estabelecida, mudar essa imagem pode ser um processo caro e complicado. Isso torna difícil para as empresas se adaptarem às mudanças rápidas nas preferências dos consumidores ou nas tendências do mercado.
Além disso, essa rigidez pode afastar os consumidores se a marca não evoluir junto com as necessidades deles. Somado a isso, os altos custos envolvidos na criação e manutenção de uma marca forte, como pesquisa de mercado, publicidade e design, podem representar um grande peso, especialmente para empresas menores. E, muitas vezes, os retornos desses investimentos não são imediatos, dificultando a avaliação do real valor do branding.
Outro aspecto a considerar é o risco de se tornar excessivamente dependente da identidade da marca, o que pode torná-la vulnerável a mudanças externas, como crises econômicas ou inovações tecnológicas. Isso pode ser ainda mais complicado quando a empresa se perde em estereótipos ou não consegue lidar com a diversidade cultural, prejudicando a percepção do público. Além disso, a popularidade das marcas muitas vezes resulta em preços elevados, que acabam tornando seus produtos inacessíveis para parte do mercado. Embora o branding seja essencial para o crescimento das empresas, é crucial encontrar um equilíbrio entre criar uma imagem forte e ser flexível o suficiente para se adaptar às rápidas transformações do mercado.
Em resumo, para que uma marca se mantenha viva e saudável por muito tempo, é preciso ser capaz de ser autêntica e, ao mesmo tempo, se ajustar ao cenário (principalmente econômico) em grande mudança.
Do lado da publicidade – ‘Made in China como Must Have’
Um exemplo dessa adoração pela marca versus a consciência de mercado, temos o recente caso da Tânia Bulhões, marca de produtos de decoração de luxo que sofreu a exposição de produtos iguais aos comercializados em suas lojas, por menos da metade do preço em outras regiões do mundo. E até o extremo disso, com um vídeo viral de um consumidor literalmente raspando o fundo da porcelana e descobrindo a verdadeira origem do produto.
Ainda nesse frisson, tivemos a notícia do arremate em leilão de uma banana avaliada em milhões de dólares. A obra “Comedian”, criada pelo artista italiano Maurizio Cattelan, é uma provocação sobre o verdadeiro valor da arte e das coisas. “[a obra] é uma risada contra um sistema cansado, um convite para redescobrir o poder da ironia e da simplicidade”, afirmou ele ao jornal La Repubblica.
Do lado da economia – ‘You better bet’
Abaixo da linha do Equador, também sentimos a recessão global, o que gerou um campo fértil para o protagonismo das casas de apostas, conhecidas como bets, por todo o território nacional. Elas se tornaram apenas um sintoma de uma economia em desespero, obrigando até o presidente a ensinar o povo a escolher melhor os produtos que compra no mercado. E aí entra o questionamento sobre o papel das Marcas, do Marketing e do Branding. Em tempos de vacas magras, um selo de “importado da Itália” não faz a menor diferença – pelo menos para o público em geral. As grandes fortunas continuam centralizadas nas mãos de quem já as tem, mas até mesmo essas pessoas passaram a reavaliar seus hábitos de consumo. Se tudo hoje é criativo, inovador e cool, o que agora é legal consumir?
A volta da nostalgia, tendência que ganhou os holofotes nos últimos anos, nos mostra exatamente essa vontade de resgatar o que era bom, do jeito que foi criado, anos atrás. Nesse sentido, os cafés superfaturados dos lugares hypados de São Paulo deram lugar ao resgate de restaurantes tradicionais. Estamos vendo esse movimento no TikTok e Instagram.
Voltamos a nos preocupar com o que consumimos, genuinamente. Uma palha de aço não precisa custar mais caro só porque o Bombril estampa a embalagem. Uma massa italiana não perde para outras tantas por aí só porque foi comprada no Eataly. E uma banana deveria custar os mesmos 25 centavos de quando foi comprada originalmente. Seria essa a chegada do tal consumo consciente?
Cofundadora da Mapoteca®, um estúdio de design que promove a colaboração entre criativos, clientes e agências, Julia Padula escreve sobre processos criativos, arte e eventos dos quais participa.