Dia desses estava repassando minhas tarefas, na tentativa de obter uma programação focada, fixa e que eu pudesse seguir todos os dias, incluindo tempo para exercícios de recuperação das duas cirurgias, meditação, leitura, tarefas da casa como mercado e feira, trabalho, enfim, tudo aquilo que qualquer ser humano tem para fazer em sua vida.
Mas, na hora em que surgiu a iminente possibilidade de construir uma rotina, seguir uma escala de tarefas e, assim, talvez me tornar mais produtivo, logo me veio à mente a frase: eu odeio coentro. Fiquei imaginando por quê.
A princípio, porém, não consegui determinar o exato motivo, e com isso esse problema passou a ser quase que existencial. Rapidamente imaginei: seria esse o motivo pelo qual de vez em quando ouço como seria bom, para o meu desenvolvimento, fazer uma terapia para resolver as questões mais profundas?
E me lembrei de que, quando criança, nas férias em Teresópolis, atendendo ao pedido de minha mãe, ia até a casa de Dona Aparecida para comprar as folhas que haviam sido colocadas em uma lista. Ela lia atentamente e me chamava para ajudar a colher couve, bertalha, salsa, cebolinha, alface. Entretanto, quando chegava ao coentro, eu rapidamente pedia a ela que não fizesse isso.
Não suportava aquele cheiro intrometido, que apagava do ambiente todos os outros aromas emanados da colheita. E assim nasceu o meu trauma de coentro. Não sei se Jung, Freud, o seu Chico da Feira ou o chef Claude teriam algum conceito para tentar explicar a minha ojeriza. Mas, seguindo num raciocínio que poderia fazer sentido, lembrei que outra coisa que eu odeio é comida ruim, malfeita, sem cuidado.
Comida para mim tem que ter personalidade, sabores diversos, para que, ao desfrutar dela, possamos experimentar e sentir todos os sabores dos ingredientes combinados. É como saborear um vinho e sentir o paladar que encontramos nas uvas que deram o seu tom. Malbec é diferente de Cabernet Sauvignon, que é diferente de Pinot Noir. Mas, se você colocar coentro nos três, você vai obter um varietal com sabor da tal odiada erva. Estão me zoando? Outro dia comprei uma cerveja de trigo, que eu adoro, e não vi que ela tinha o tal do coentro misturado. Foi abrir e desistir.
Bem, se o problema não era na infância nem na cozinha, o que poderia ser então?
A imagem que apareceu em meu devaneio foi a de uma reunião de brainstorming. Opa! Luiz, mas o que o coentro – que eu odeio, não custa repetir — tem a ver com uma reunião desse tipo? Quase que imediatamente ao meu questionamento, a resposta me veio à mente.
Essas reuniões, pelo menos a grande maioria delas, são na verdade um desfile de egos, daqueles que se dizem líderes, em busca de ter suas ideias aprovadas, adoradas e que sirvam de trampolim para serem reconhecidos como os grandes criadores de soluções da empresa. E insistem até que os demais desistam. Quando quem está coordenando é
tipo uma salsinha, logo, logo o coentro domina o paladar, e passa a ser o único a aparecer.
Eu odeio reuniões com a participação de coentros. Não tenho muita paciência. É um erro meio que grave, mas, quando se percebe que é malhar em ferro frio, não adianta. É o que acontece quando vamos fazer um churrasco e o vinagrete tem coentro. Muito ruim. Eu odeio coentro.
Mas não posso escrever um artigo que só fique repetindo esse mantra. Aonde, a que situação eu poderia então chegar para debater este assunto sem ter que imaginar nem pensar na planta? E facilmente se formou a cena em minha cabeça. Eu deveria ter entre 8 e 10 anos e meu irmão, entre 6 e 7. Todo mundo gosta de um domingão para fazer o que
quiser, não é verdade? Ele e eu não éramos diferentes.
Havia, porém, um programa que odiávamos: almoço na casa de um determinado tio. Começava que as crianças tinham que comer na cozinha enquanto os adultos comiam na sala. Eu detestava aquilo. Mas crianças também não podiam achar nada.
Entretanto, eu e meu irmão tínhamos uma combinação, e apostávamos duas coisas: primeiro, com quantas garrafas de cerveja vazias iria começar a discussão sobre política. Na mesa, Carlos Lacerda, Leonel Brizola, JK, Jânio Quadros, Jango, as mais variadas tendências.
Um aparte: bem mais interessante que hoje, pois não era simplesmente um jogo, eram várias disputas insanas. Bem, depois das garrafas de cerveja, as apostas se concentravam em quem ia brigar com quem e sair da mesa, acabando com o maldito almoço, o que para nós dois era ótimo, pois assim poderíamos ir embora para a nossa casa. E o caminho era longo, duas lotações, se tivéssemos sorte (os mais jovens procurem nas redes sociais o que eram as lotações) ou, na pior das hipóteses, ônibus.
Mas, de novo, Luiz, o que isso tem a ver com o coentro? Simples, mais uma vez. Temos uma situação em que várias tendências aparecem, e no final surge um argumento único que implode tudo e ficamos então com uma única lembrança. E dou um exemplo: houve um dia que meu tio cortou a mesada da mãe por conta de uma confusão dessas. Deu um banzé doido e metade foi embora pelo elevador social e a outra pelo de carga.
E qual a relação disso com o coentro? Meus amigos, novamente uma circunstância em que surge um elemento diferente, que encerra uma situação que está sendo desenvolvida, e a partir daí nada mais acontece. Então não é assim que fica moqueca, quando colocamos coentro na panela? O cheiro vira de coentro, o sabor idem.
Terminando esta reflexão sobre o coentro, fica claro que eu não gosto de nada que seja radical, a ponto de dominar totalmente, invadindo tudo sem pedir licença. Sempre gostei de trabalhar e me relacionar com protagonistas, pois dessa forma sempre havia a possibilidade de termos soluções diversas, e não sempre na mesma direção.
Um último e final exemplo.
Vejam este texto. Comecei a falar de coentro. E o que aconteceu?
Em todas os casos apareceu um fator que, pela sua simples presença, fazia com que a situação deixasse de ter uma dialética própria e se tornasse algo fechado em si mesmo.
O fato é que, independentemente de qualquer coisa, eu odeio
coentro. Mesmo.