Luiz Fernando Coelho

Liderar, mesmo do outro lado do campo

O colunista Luiz Fernando Coelho destaca como Fernando Diniz, técnico de futebol e líder admirado, conquistou o respeito de seus jogadores e torcedores

Hoje quero conversar com vocês sobre liderança. Sim, e por que não? Liderança que alguém exerce sobre um grupo de pessoas e que, mesmo se apresentando na ocasião como adversário, é reconhecido e reverenciado como tal.

Técnico Fernando Diniz, um exemplo de liderança
Técnico Fernando Diniz. Foto: Reprodução/ Instagram

Estou falando do técnico de futebol Fernando Diniz. Ele chegou para dirigir o time do Fluminense, quando seus críticos apontavam contra ele o fato de não ter vencido nenhuma competição de peso. Havia desenvolvido bons trabalhos, mas que nunca tinham sido vencedores.

Muito bem. Para nos livrarmos desse rótulo, minha pesquisa mostra que foram dois anos de trabalho à frente de um time que, no primeiro momento, foi tratado meio que como um grupo de jogadores relegados a segundo plano, sem muito espaço. Junto dessa turma, um contingente razoável de jovens atletas, vindos das equipes de base. Esse era o panorama.

Vamos tentar entender como um líder pode trazer resultados tão expressivos: duas vezes campeão carioca, campeão da Copa Libertadores da América, vice-campeão mundial e campeão da Recopa Sul-Americana. A estratégia usada é bastante simples: gente, tratando de gente, como gente. Ao mesmo tempo, podemos dizer que é também muito complexa. Afinal, lidar com pessoas é o maior desafio de qualquer gestor.

Diniz, por ter a família longe do Rio de Janeiro, sua cidade de trabalho, acabou adquirindo hábitos que na maioria das vezes nós, gestores, nos esquecemos de colocar em prática.

Era sempre um dos primeiros a chegar, e gostava de tomar café no CT do clube, junto com a turma que tinha a obrigação de deixar tudo arrumado para quando os jogadores e principais executivos chegassem. Ele sabia o nome todos os que ali trabalhavam.

E aí, meus caros amigos, é aquela velha máxima do exemplo, todos os dias, que acaba trazendo para a maioria um comportamento semelhante. Durante as sessões de treino mostrava suas ideias, repetia com paciência as táticas, até que todos compreendessem. Não era fácil. Nunca foi. Afinal, em sua visão e prática do esporte bretão, a jogada do gol começa com o goleiro e a reposição de bola.

Diferente, não é?
Desafiador.
Cheio de riscos.

Mas não importa. É assim que ele pensa futebol. Em determinadas oportunidades, uma quantidade grande de jogadores no setor do campo onde a bola está, passes curtos, rápidos, envolvendo o time adversário que, quando conseguia roubar a bola, causava um estrago muitas vezes enorme.

É do jogo.

Era muito comum meio-campistas se tornarem zagueiros e pontas virarem alas. Acho que a única substituição que não vimos foi trocar o goleiro por mais um atacante quando o time estava perdendo.

Observem um fato importante. Diniz, à beira do campo dirigindo a equipe, é um caso à parte. Grita, esbraveja, xinga. No vestiário, o mesmo comportamento positivo, no sentido de buscar sempre o mesmo objetivo, a vitória.

Entretanto, saindo desse ambiente, é uma pessoa civilizada e cordial. Entendê-lo, em suas ideias pouco ortodoxas, muitas vezes causa problemas entre os interlocutores. Fernando Diniz, assim como todo líder que tem ideias diferentes do senso comum e as executa com sucesso, acaba sofrendo um processo de patrulhamento muito forte, e qualquer derrota faz com que seus desafetos venham com força total para cima dele. Esse é o risco de pensar, estudar e pôr em prática ideias proprietárias muito pouco parecidas com o que os outros treinadores estão fazendo.

Neste meio-tempo, um tropeço: me perdoe, Diniz, mas não estava na hora de assumir a Seleção Brasileira, e ainda com o papel de interino. Decisão errada, se me permite expressar minha opinião. Afinal, no lugar dele no time brasileiro, veio a mesma mesmice que apareceu no time que dirigia. Tudo muito dentro do normal, para que eu possa me manter por aqui por algum tempo. Achei semelhanças desesperadoras, tanto no jeito de jogar quanto no jeito de falar.

Chegamos, então, ao fato mais marcante que vi acontecer entre líder e liderados. Depois de assumir a equipe do Cruzeiro, Fernando Diniz foi ao Maracanã jogar contra seu ex-time, o Fluminense.

O que aconteceu antes do jogo se iniciar foi o que me inspirou, a partir de um exemplo esportivo, a tratar aqui de liderança e gestão de equipe. A primeira manifestação foi dos torcedores, que levaram cartazes agradecendo a ele os dois melhores anos que vivenciaram torcendo pelo tricolor carioca.

Os técnicos se cumprimentam como de praxe e, em seguida, acontece uma cena de arrepiar: perfilados, em fila mesmo, todos – vou repetir, todos – os liderados do passado, adversários naquele momento em que estava prestes a se iniciar mais uma partida de futebol, vieram cumprimentar, abraçar e (alguns) beijar seu ex-líder, que naquele instante não importava mais de que lado estaria. Importava o que aquele profissional significou para cada um daqueles atletas, em determinado período de suas vidas.

Fernando Diniz, fiel às suas crenças de gestão, ainda teve tempo de cumprimentar cada pessoa da delegação tricolor presente ali, naquele momento não sei se histórico, mas certamente rico em experiências, emoções e verdade.

Hoje, pouco mais de vinte dias após esses acontecimentos, Diniz vive a mesma questão que tirou de si seu mais marcante trabalho, e talvez, antes que este artigo seja publicado, já tenha perdido o cargo no Cruzeiro. Afinal, é muito difícil lidar com o novo, o diferente.

Você vibrava ao se relacionar com a torcida, dando cambalhotas no campo, pulando feito um menino. E mais uma vez devo dizer que esse é o grande segredo de ser um bom gestor. Quando Diniz ia abraçar a torcida, ele não era mais o técnico, era um ser humano, igualzinho àqueles que pagaram e estavam lá torcendo. O técnico havia desaparecido.

O que isso quer dizer?
Gente, tratando de gente, como gente.