Aqueles que acompanham meus artigos sabem o que penso sobre formação de pessoas, mais especificamente de atletas, em como é importante atentar para o fato de que no esporte é preciso ter uma luz mais voltada para o espetáculo e para o que acontece fora do campo de jogo.
Outro ponto importante, que acredito também não ser surpresa para ninguém, é que no futebol torço para o tricolor das Laranjeiras – como muito bem dizia Nelson Rodrigues, o único “tricolor, os demais são de três cores”. Talvez ele tenha sido o grande cronista que foi graças a essas provocações com certa fleugma, mas também pela criação de personagens como Sobrenatural de Almeida, Gravatinha e tantas outras expressões que marcaram sua carreira.
Uma das colunas mais famosas do grande Nelson era a de segunda-feira que era publicada no Jornal dos Sports ( o cor de rosa) e em O GLOBO do Rio de Janeiro, em que ele retratava o seu Personagem da Semana, não importando se o personagem defendia o seu Fluminense ou qualquer outro clube. Muito bem. Fosse ele vivo, nesta semana certamente seu personagem seria Fernando Diniz.
Independentemente de qualquer entendimento dos fatos que aconteceram desde o final da Libertadores de América e da Recopa, o técnico tricolor passou nos quatro últimos meses por uma provação muito forte. Em dois anos venceu o Carioca, foi terceiro no Brasileiro de 2022, ganhou a Libertadores 2023 e a Recopa de 2024, além de ser vice-campeão do mundo de 2023. Tudo isso impediu que ele tivesse tempo de reconduzir a equipe aos conceitos que implantou e que geraram a expressão “dinizismo”.
Como esta é uma coluna que fala de tudo, até de marketing, vou voltar a essa trilha para poder expressar meu ponto de vista, não de torcedor, mas de profissional da área. Por muito tempo Fernando foi o que havia de novo, de disruptivo, de diferente no esporte. E em sua entrevista de despedida vimos os segredos, muito simples, construídos por um homem dedicado, sério, que não se conformou com o sistema e desenvolveu um conceito muito diferente do que víamos nos campos de futebol.
A primeira abordagem dele estava em cima de uma aparente obviedade a que todo gestor precisa prestar atenção: atleta é gente, é um ser humano, e por isso deve ser tratado de forma única, individual, começando pelo que acontece fora de campo, na vida pessoal mesmo, e depois olhando o compromisso com o treinamento. Afinal, para atuar em seu esquema de jogo era preciso, sempre, fazer o seu melhor, todos os dias, e era esse compromisso que dava sustentação ao esquema.
Para que isso fosse possível era necessária uma intensa preparação física, pois caso contrário o corpo não suportaria. E essa combinação culminava no campo de jogo com um conceito muito diferente: a jogada do gol começa com nosso goleiro. Era exatamente isso que se via nas grandes atuações.
Para nossos gestores essa é uma lição importante, pois fica claro que todos os elementos que compõem um time precisam participar dando o seu melhor no dia a dia de qualquer departamento, de qualquer empresa. Nada de reverenciar somente quem faz o gol.
Mais uma vez, para formar seus atletas, nada como o melhor exemplo. Diniz tratava todos os funcionários do clube pelo nome, chegando a tomar café da manhã junto com eles no centro de treinamento. Diferente de como se apresentava à beira do gramado, ele tratava a todos de maneira igual, o que acabava mostrando aos atletas que todos merecem respeito e são parte de uma mesma engrenagem.
O exemplo é a melhor maneira de formar pessoas, principalmente quando vem de seus líderes. Mas o sistema não permite que diferentes façam sucesso por muito tempo, e o jargão imbecil de que todo ciclo tem um fim só serve para justificar o comportamento de gerar pressão para cima daqueles que conseguem mudar o rumo, trazer alterações ao status quo. Afinal, é muito difícil conviver com as diferenças e, assim, mais fácil é exigir que se mude para o que é igual, deixando a inovação de lado.
Uma pena que, mais uma vez, dirigentes e patrocinadores cedam à pressão de uma imprensa que está aí mais em busca de fatos, sejam eles quais forem disseminando na massa a certeza de que não se pode inovar e fazer sucesso indiscriminadamente. Foi assim na seleção brasileira – vejam o que rola hoje na Copa América, um fiasco. E foi assim no Fluminense. Lá se foi Diniz embora.
Nunca vi uma entrevista de despedida tão cheia de emoção, sim, mas com uma análise tão inteligente, fria e certeira dos fatos. Quando escrevo esta coluna, em 27 de junho de 2024, tivemos à beira do campo o interminável Marcão fazendo o trivial simples, amargando a mesma angústia de cerca de 25 mil pessoas que ansiavam pelas “loucuras” do antigo treinador, que era capaz de tirar todos os defensores para tentar uma vitória, mesmo que isso significasse ser derrotado.
Mas o que era novo, ousado, diferente, já não fazia parte daquele time. Diniz, Nelson Rodriguez diria a você que “toda unanimidade é burra”, e você está longe de ser uma delas. Obrigado pelos meus dias de alta diversão, extrema ansiedade e, principalmente, pelos riscos que você pedia a seus atletas para tomarem, e que em umas poucas vezes se tornaram erros, mas você assumia, quando isto acontecia.
Afinal, esse é o exemplo de um gestor que preza pelas pessoas que formam seu time. O Carioca de 2022, A Libertadores de 2023, o vice-campeonato mundial de 2023 e a Recopa de 2024, me garante que devo sim, tentar, acreditar, defender, o que é novo, ousado e diferente. Era ótimo ver o Fluminense jogar. Agora será somente mais um.