Arte e Criatividade

Quem tem medo de tech?

Por Julia Padula. Se você anda assustado com a evolução da tecnologia e, principalmente, com a nova cara dela, saiba que não está sozinho. Uma teoria sobre essa percepção existe há mais de 50 anos e continua fazendo sentido até hoje. Entenda o porquê

Em 2019, visitei o Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (Maat) de Porto, em Portugal, e imergi na incrível exposição Hello, Robot. Design Between Human and Machine, que analisa o crescimento da robótica, abordando sua diversidade de aplicações e levantando questões éticas e sociais. Pensando nisso, lembrei de uma pergunta adesivada na parede da última seção da exposição: Apesar de a tecnologia ter se tornado mais acessível, mais pessoal, mais essencial até, será que ela contribui para melhorar o nosso mundo?

Logo na entrada, o visitante se deparava com uma tela de computador que exibia uma lista de profissões que conhecemos hoje, e, quando selecionadas, indicavam quanto tempo elas durariam – um bom questionamento sobre a fronteira entre o trabalho que pode ser automatizado e a criatividade humana. Trata-se da incansável discussão que encontramos em todos os lugares após o bombástico lançamento do ChatGPT, no final de 2022.

(Crédito: TBC)

A exposição incentivava os visitantes a reexaminar as maneiras como os robôs têm se infiltrado em nossas vidas. E aqui vale citar um dos meus episódios favoritos da série Love, Death & Robots, da Netflix: “Atendimento Automático ao Cliente” (EP1, T2). A narrativa mostra um robô aspirador se rebelando contra sua dona e seu cão, em um duelo em que a máquina usa uma arma de choque, evocando referências a Matrix e criticando a automação descontrolada e o declínio do controle humano. Assustador, não? 

Mas não vou me estender nas referências, afinal, todos já tivemos algum contato com críticas às evoluções tecnológicas na cultura pop – desde Eu, Robô (filme de 2004 estrelado por Will Smith), a Black Mirror (série da Netflix, que estreou em 2011) e, atualmente, com os frenéticos lançamentos audiovisuais com traços cyberpunk como Duna, Blade Runner, Mad Max e Fallout. Aqui, vou me ater à questão estética do “The Uncanny Valley”, que pode ser traduzida como “vale da estranheza”. Elaborada pelo professor Masahiro Mori, a tese observa que na medida em que os robôs se assemelham mais aos humanos, nossa aceitação aumenta até um certo limite. Depois disso, ocorre uma queda significativa de empatia, despertando reflexões sobre psicologia e reações emocionais.

Esse conceito, publicado originalmente em 1970, virou até trend no TikTok, na mesma época em que suportamos outra febre, a dos NPCs, que dominou nossos feeds e virou até pauta de jornais. Por causa desses fenômenos recentes, a teoria ganhou algumas críticas, que sugerem que o uncanny valley afetaria apenas as gerações mais antigas, ou seja, sugerindo que pessoas mais jovens, acostumadas desde a infância com efeitos robóticos e CGI complexos, podem ter menos aversão a representações quase-humanas. Além disso, a psique humana é uma zona tão cinzenta que dificulta a definição concreta sobre se a tal estranheza é proveniente da aparência, do comportamento ou da personalidade desse objeto. 

Ainda em 2019, como designer, recebi um convite para trabalhar no projeto de um sex shop que lançaria bonecas sexuais hiper-realistas. Na primeira conversa, o que me assustou foram os valores exorbitantes dos produtos. Mas, foi só mais tarde, quando visitei um sex shop em Hong Kong e vi essas bonecas sentadas nas prateleiras, que realmente experimentei o desconforto racional envolvido naquele job.

Avançamos tanto em tecnologia que criamos novos desafios para nós mesmos, sendo praticamente impossível trazer respostas para as perguntas que surgem – e que tornam as palestras de Amy Webb cada vez mais um jabá para seu instituto de pesquisas. Na minha opinião, o Matrix é inevitável, e nele poderemos escolher entre viver o mundo do filme Her, romantizando o convívio com a robótica no caminho pré-vale da estranheza, ou um mundo completamente diferente, que consegue ultrapassar esse vale. Consegue imaginar?

Até a próxima,

Julia