Insights do Mercado

Tô de bode desse papo de branding. Você também?

Por Ariane Rodrigues. Um desabafo controverso de uma estrategista de marca

Tô de bode desse papo de branding. Você também?

Abro o LinkedIn e me deparo com mais uma marca “de cara nova, conectada com o cliente, humana, transformadora, etc”, enquanto chove muitas publicações analisando se gostou ou não da mudança.
Te parece familiar essa dinâmica? 

Ou os textos sobre como ser profissional ideal nos dias de hoje com frases como “Você precisa se posicionar. Qual o seu propósito? Seja fiel aos seus valores. Se diferencie dos concorrentes.” 

Essa sensação de déjà vu é constante para os profissionais de marketing e comunicação, já que os conceitos de branding saíram do campo de negócios, foram adaptados para marcas pessoais e hoje aparecem em livros de autoajuda e frases motivacionais, principalmente nas redes sociais. Tornaram-se buzzwords, ou seja, palavras de moda. 

E o que posso dizer é que esse papo me cansou. O que é irônico, pois trabalho diariamente construindo estratégias de marca. Mas não sou a única, as narrativas batidas das marcas têm esgotado não só o mercado profissional como também os consumidores.

70% dos consumidores brasileiros duvidam que as marcas cumprirão suas promessas. (Meaningful Brands 2021)

Esse sentimento de descredibilização fica ainda mais latente no novo relatório Sentimento do Consumidor 2024 da McKinsey que descreve a dinâmica do perfil consumidor atual como zero meio-termo, zero lealdade e zero barreiras: opta por marcas mais baratas por economia sem hesitar. Entretanto, quando há uma grande possibilidade de produtos a sua disposição e com preços similares, ele é propenso a optar por marcas que estão mais alinhadas com seus valores.

A WARC (2023), empresa de insights de marketing, complementa que à medida que o mundo se tornou mais integrado e mais volátil, há uma perda de confiança no que é real e verdadeiro, se transferindo também para o relacionamento consumidor-marca. 

Por outro lado, há uma luz para os negócios: as pessoas continuam confiando mais nas empresas para mudar o rumo do planeta do que os políticos, os meios de comunicação ou as ONG’s. 

Isso porque os consumidores brasileiros consideram as instituições governamentais desqualificadas. A pesquisa Edelman Trust Barometer 2024 traz uma percepção de que o estado é muito menos competente e ético do que as empresas no país, com uma diferença de score de 52 pontos a menos entre o governo em relação às empresas. 

Não é de hoje que o público demanda por mais transparência e responsabilidade social. Mas, este cenário de muito textão e alta desconfiança traz à tona a falta de autenticidade das marcas. Com as palavras da moda, trazem textos genéricos para construir valores que, muitas vezes, podem nem existir. 

Com isso, vemos uma grande problemática que envolve o mercado: o purpose-washing. 

Inspirado no greenwashing, esse conceito nada mais é do que se apropriar de um propósito, valores e causas, sem ações práticas para validar esse discurso. Isso não quer dizer que o propósito não seja importante. Afinal, ter um direcionamento claro e estratégico é essencial para o sucesso da empresa. Porém, os consumidores querem ver (e cobram!) menos promessas e mais ações.

Cerca de 84% dos jovens da Geração Z afirmam comprar com base em crenças e esperam que as marcas atuem em questões como racismo, mudança climática e desigualdade de gênero (Edelman, 2023) 

Renato Figueiredo, estrategista de marca e autor do livro “A Marca Além do Propósito”, reforça essa ideia quando diz que o propósito não começa no marketing ou em uma campanha, mas que precisa estar de fato na cultura como um compromisso da empresa. Quando as promessas não são cumpridas o público percebe, conforme os dados abaixo: 

42% dos brasileiros afirmam que as empresas que atuam no país usam pautas ambientais sem realmente se comprometer com uma mudança e apenas 18% dizem ver ações concretas com base no que as empresas pregam. (IPSOS – “Global Views On Climate Change”). 

Enquanto 38% dos moradores dos EUA – e mais da metade da Geração Z e dos Millennials – estão atualmente boicotando pelo menos uma empresa por conta da falta de diversidade. (CompareCards, Relatório 2020) 

Por isso, as pessoas agora buscam se aliar a empresas mais genuínas, um movimento chamado de “post-purpose brands” (marcas pós-propósito). São marcas que criam ações significativas em prol da sociedade, que assumam seus erros, busquem o melhoramento contínuo e que estabeleçam trocas mais honestas e realistas com seus clientes.

7 em cada 10 brasileiros declaram que para criar ou aumentar a confiança em uma marca, a transparência sobre impacto climático e cadeia de suprimentos seria muito/extremamente eficaz. E 76% atribuem mais valor às marcas que aumentam seu senso de segurança. (Gente Globo, 2024)

Diante desse contexto, surge uma nova oportunidade para as marcas se reinventarem. O branding pode ser um grande aliado das empresas para sair do lugar-comum e encontrar um caminho mais autêntico e seguro para os públicos da marca – desde que seja feito do jeito certo. 

Branding é a gestão estratégica de marcas, ou seja, traçar planos de como o seu negócio quer ser percebido. Não é identidade visual e muito menos uma narrativa bonita para “encher linguiça”. Se tua estratégia não mover ações, experiências ou envolver todas as áreas da empresa, não funciona. Enquanto houver essa dissociação da estratégia de negócio com a gestão de marca, caímos na ideia que branding é superficial, que não traz resultados ou não serve para curto prazo. 

Mais do que simplesmente adotar conceitos de forma superficial, é fundamental que as empresas incorporem esses valores em sua cultura, operações e experiências. Um propósito autêntico é a essência da marca, aquilo que permeia todas as camadas do negócio.

A estratégia é feita para ir além das palavras e construir todo um universo onde a marca seja relevante para as pessoas, distinta da concorrência e elástica para conquistar novos espaços. À medida que essas estratégias são criadas apenas para vender, agradar à diretoria ou sem muito aprofundamento de todas as variáveis que envolvem a marca, acabam resultando em mais um clichê, daqueles que estamos cansados de encontrar em um anúncio qualquer no celular.