MICE

O profissional de eventos é um camaleão

A sabedoria e o conhecimento de Malu Losso como inspiração e homenagem ao Dia do Profissional de Eventos


Embora o mercado de eventos seja como aqueles grandes icebergs onde a ponta visível não dá a dimensão do que há embaixo d`água, há muito mais negócios no setor corporativo do que nos festivais e shows que catapultam agências e organizadores.

Eventos técnicos, científico e corporativos, como congressos, simpósios, fóruns, workshops, conferências, feiras comerciais, convenções, por exemplo, acontecem muitas vezes ao longo do ano e costumam também envolver ações como entrega de prêmios, festas temáticas, lançamentos de produtos ou jantares sociais, tornando-se quase um evento dentro de outro.

Transitar-neste ambiente não é tarefa fácil, contudo, muitos profissionais de eventos trazem na bagagem a experiência e a desenvoltura que consagraram suas empresas neste mundo Mice.

Para homenagear todos estes profissionais, além do texto que publiquei no próprio dia 30 de abril, sábado, deixei para abrir a semana com a entrevista com uma das profissionais mais experientes, reconhecidas e simpáticas que o mercado tem. 

Lei também: 30 de abril, dia do profissional que você não vê

Malu Losso é aquela pessoa que todos gostariam de ter como amiga. Além da sabedoria que muitos anos na organização de eventos lhe trouxeram, ainda tem bom humor e o entendimento de que é compartilhando conhecimento que o mercado cresce. De que é na qualidade dos fornecedores e na parceria da equipe que se fazem eventos memoráveis. Que é no jogo aberto com o cliente que se conquista a confiança para comandar a produção com autonomia.

Montagem do auditório do IX Rhinology

Com mais de 45 anos de experiência no setor, mais de 550 eventos nacionais e internacionais no portfólio, em 19 estados brasileiros e 11 países, Malu Losso é especialista no planejamento, organização, coordenação e execução de diversificados eventos. Seu nome é conhecido e reputado na área da saúde, com congressos realizados para profissionais de neurologia, psiquiatria, otorrinolaringologia, dermatologia, hematologia e tantos outros.

Preocupada com a sua responsabilidade social e ambiental, orienta os clientes para aprovarem eventos com menos desperdício e uso de materiais recicláveis, com coleta seletiva de resíduos, que envolvam a comunidade local e diminuam a pegada ambiental através do plantio de árvores.

Recentemente idealizou um projeto que visa levar profissionais do setor a acompanhar uma operação de montagem de um congresso médico 

Auditório do  IX Rhinology, com sessão de abertura

Como é o projeto de profissionais do setor acompanharem uma montagem de evento ao seu lado?

A ideia deste projeto é aproximar o profissional de eventos do dia a dia de montagem de um congresso médico. Facilitar a vivência em toda a operação, das docas ao palestrante no palco. Há situações que não tem como passar através de um curso, só a vida ao vivo é que funciona. Por exemplo, tivemos um problema sério na desmontagem de um evento. Um grande hotel tem uma doca que serve o complexo inteiro e de manhã estava aquela fila de caminhões nas docas esperando sua vez de carregar e descarregar coisas. Um dos motoristas, ao ver a fila, pensou que ia demorar e então trancou o caminhão e foi almoçar. E como achar este homem depois?

Foi um atraso de 2 duas horas e mais a multa que o hotel impôs pela situação. Coisas assim podem ser previstas, sem dúvida, mas quando acontecem, exigem jogo de cintura, negociação, criatividade e muita paciência.

Então, uma doca bem administrada, por exemplo, é um ponto que não costuma estar nos cursos sobre organização de eventos. O cliente também não imagina o que acontece nos bastidores e mesmo profissionais de outros pavilhões não imaginam os detalhes desta operação. Até os convention bureau, quando promovem o destino, deveriam saber sobre esta parte da infraestrutura que é importante e que precisam que funcione para que o evento seja um sucesso.

Infelizmente não conseguimos implementar esta ideia na última semana, durante o Congresso de Rinologia, por problemas de agenda dos 5 participantes. A situação do feriado e do carnaval acabou atrapalhando a participação desta primeira turma, também porque alguns profissionais eram do setor público e não conseguiram em tempo hábil apontar novos participantes.

Mas fico feliz que esta nossa ideia, minha e do Julio Urban, embora não tenha se concretizado nesta semana, seja interessante porque até o Rock in Rio está fazendo isso com a Academy, ou seja, dar a conhecer os bastidores de um grande evento. E não é todo profissional de evento que tem esta oportunidade.

Área escolhida para montagem do 72º Congresso Brasileiro de Dermatologia na Costa do Sauipe

Além das docas, que outro ponto pode destacar sobre as dificuldades de montagem de um congresso?

Demarcar um piso em uma feira comercial, por exemplo, também é um ponto importante. Não é só chegar lá no hotel, por exemplo, e riscar o chão. É preciso acarpetar o piso onde será construído o estande em cima. Daí, primeiro tem de entrar a montadora oficial da feira e depois as outras. O cronograma também deve incluir as montagens da cenografia, da sonorização, da luz, da projeção e dos efeitos especiais. E também tem a vistoria, ou seja, tem horas que estão todos trabalhando ao mesmo tempo, mas há uma ordem que deve ser cumprida para o começo de cada parte.

Qual foi o maior ou mais complicado evento que já organizou?

Em 2004 tive a oportunidade de produzir em São Paulo o Fórum Mundial de Educação, com 108 mil pessoas. Utilizamos o Parque Anhembi, o clube Portuguesa de Desportos e todo complexo da UniSantana. Construímos auditórios de 10 e de 5 mil lugares porque não comportava tudo no Anhembi. Tivemos um show de abertura no sambódromo com 2 mil crianças de Ongs e mais de 20 mil pessoas assistindo. Foi uma operação gigantesca.

Uma outra curiosidade sobre a organização de congressos técnicos é a numeração de salas. No WTC, por exemplo, há a nomenclatura ballroom 1, ballroom 2 e assim sucessivamente. Só que no congresso a numeração não segue esta regra, então temos de encobrir o número e o nome dos locais e modificar toda sinalização em elevadores e placas de direção.

Estruturas de montagem da tenda  para abrigar 3 mil pessoas do 72º Congresso Brasileiro de Dermatologia na Costa do Sauipe

Importante também dizer que esta nossa ideia de colocar profissionais concorrentes dentro da montagem de um evento tem de ser aprovada pelo cliente. Ele tem de ser parceiro nisso. Principalmente porque vamos mostrar tudo que se passa na montagem e às vezes acontecem algumas melecas, tipo a que contei das docas, e outras que sabemos que podem ocorrer, tipo quebrar um tampo de vidro no meio do corredor  ou alguém perder a cabeça e começar a xingar, uma apresentação de palestrante que está em definição menor que a tela, por exemplo. A gente consegue prever mas não sabe exatamente o que pode acontecer. É a vida ao vivo.

Então, neste caso, tínhamos imaginado que as 5 pessoas estariam com o Julio Urban como tour conductor a me seguir em tudo, tipo virar a noite na montagem e só sair depois do evento concluído. Acompanhar a mudança de status de sala, colocar a sinalização, fazer o go thru do evento ao vivo.

Foi uma pena que não conseguimos realizar nesta edição do Congresso de Rinologia, considerado um dos melhores do mundo. Tivemos 20 países com representantes aqui, além de delegações de 24 estados brasileiros e 25 palestrantes internacionais. Eu organizo este congresso há 23 anos. Comecei com mil participantes e hoje temos mais de 10 mil. Trata-se de um evento que é promovido por um centro de estudos cujo presidente é o dr. Aldo Stamm, não é uma associação.

Talvez consigamos viabilizar em outubro em um congresso que vai utilizar sete pavilhões do Transamérica Expo.

Montagem pronta para o Congresso Brasileiro de Dermatologia na Costa do Sauipe

Quem é hoje o profissional de eventos? Que características tem?

O profissional de eventos é um camaleão. Quem tem mais anos de estrada lembra que trabalhávamos com máquinas de escrever e hoje operamos no metaverso.

Este profissional precisa mesmo ser homenageado, ter um dia dedicado a ele, precisa ser reconhecido pelo enorme valor que atribui ao setor.  O profissional de eventos é um invisível. Se alguém vai ao evento e gosta de algo, quer saber quem fez o buffet, quem assina a decoração mas ninguém pergunta quem produziu ou organizou o evento.

É importante que este profissional seja valorizado e que quem quer entrar na área se acostume a não ter rotina, a operar com planilha mas ao mesmo tempo estar pronto para o improviso.

Eu faço muitos congressos médicos mas também faço festas da firma, lançamento de produto, inauguração de fábrica, festa de final de ano. Alguns eventos têm pontos em comum mas cada um é único, pois cada cliente é diferente e o budget dele também.

Visão interna da tenda construída para abrigar os 3 mil participantes do evento

Há uma fórmula para fazer um evento memorável?

É preciso estudar o cliente, entender o tipo de emoção que ele quer transmitir com o evento. O engajamento do convidado vai depender desta sensibilidade do organizador em construir o que o cliente imaginou. O cliente sonha e você propõe como materializar. É por isso que os eventos vão sempre existir. E vão ser memoráveis na medida em que o cliente e os convidados tenham suas expectativas superadas.