A pandemia que se transformou numa tragédia humana contaminou também os negócios. E um dos setores mais afetados no mundo inteiro foi o de ativações, eventos e ações de brand experience que, no final do dia, vivem de aglomerações.
Agora elas foram suspensas e ficaram congeladas. E é nosso papel saber, pesquisar, perguntar sobre como este segmento importante do mercado, que paga impostos, emprega gente, está se sentindo. Então estamos apoiando e divulgando todas as iniciativas para ajudar produtores e freelas e tudo o mais que chega até nossa redação.
E temos que falar de negócios mesmo que isso não seja o mais recomendável. Veja nosso editorial
Nesta linha, em busca de sabermos o sentimento do mercado, fizemos uma pesquisa, realizada na primeira semana de abril.
Nós e todo o mundo sabemos que esta crise vai passar, isso ninguém tem dúvidas. Também é certeza que o nosso mercado vai ser superdemandado no segundo semestre.
Então, quisemos apresentar o conjunto das opiniões para, de alguma forma, auxiliar a percepção de milhares de empreendedores do nosso setor que buscam entender como atravessar esta crise e chegar lá, sabendo também que muitos ficarão pelo caminho.
E dali surgiu um movimento que vem crescendo nas últimas semanas.
Job entregue é Job pago!
Além da pesquisa, nosso projeto apresenta também uma série de entrevistas, que seguem sendo publicadas durante todo o mês de abril.
E o tom das respostas do primeiro entrevistado da série, o Célio Ashcar Jr. mobilizou, já no dia da publicação, milhares de manifestações.
Ao comentar o principal resultado, a insatisfação das agências com os prazos de recebimento, Célio propôs o conceito e uso da #jobentreguejobpago.
<span-style=”color:#212529;”>A partir daí, todos os nossos entrevistados passaram a manifestar seu apoio a proposta. Veja na galeria de imagens:
Ao mesmo tempo, os comentários e interações a esta entrevista cresceram e o assunto passou a tomar conta não só das pessoas envolvidas com as agências, mas também com as empresas fornecedoras, assim como dos produtores e freelancers, todos elos de uma corrente que faz acontecer eventos corporativos, ativações de marcas e demais atividades que fazem parte deste setor.
O resultado da pesquisa e a relevância do tema levantado atraiu a atenção dos sites da publicidade tradicional. Meio & Mensagem e Propmark entraram no assunto e abriram espaço para discussão aberta do problema.
Antes da publicação procuramos as empresas, os clientes, para ouvir os argumentos, sem sucesso.
As assessorias de imprensa, nosso primeiro canal de contato, não levam este assunto à frente porque o compliance das corporações impede, sem maiores explicações. Procurement então, é uma área inacessível. Tentamos então descer um pouco, sem sucesso.
Mas pelas redes sociais constatamos a indiferença pelo tema. Uma postagem no LinkedIn do presidente de uma das companhias alvo das críticas, que comemorava o sucesso e a repercussão das ações em prol do combate ao vírus, recebeu manifestações de donos de agências especializadas.
Em um deles, o executivo – que nos comentários anteriores respondeu em agradecimento – nada escreveu em resposta. Outro dono de agência tentou também, sem sucesso.
No início desta semana circulou a informação nos grupos de WhatsApp que a companhia vai marcar uma reunião para tratar do assunto, ainda sem data nem local. Como este post é dinâmico, a área de comentários está aberta para qualquer resposta ou retificação destas informações.
Já com outra companhia, cujos executivos também comemoravam “com grande emoção” as doações e ações da campanha Covid-19, as respostas pelo LinkedIn vieram, mas rigorosamente com as mesmas palavras, vírgulas e argumentos num movimento de resposta previamente ensaiado.
Em uma delas, o VP de marketing vangloriava-se sobre as milhares de máscaras produzidas pela companhia, mas preferiu manter-se atrás da máscara, sem responder as mensagens.
Em outra o VP de compras respondeu que “Há alguns anos revisamos nossa política de pagamento a fornecedores, que realmente precisava de ajustes. Para ser exato, hoje 63% dos nossos fornecedores são pagos em 30 dias, e aí estão incluídos não só a maioria absoluta dos nossos fornecedores, mas também todos os que são menores. Estamos trabalhando para aumentar ainda mais esse percentual. Os prazos maiores são praticados apenas com grandes fornecedores, negociados individualmente com cada um e dentro de um processo formal de concorrência. Como eu disse, isso não é deste período de crise, já acontece há algum tempo. Para este período difícil, estamos garantindo para os nossos fornecedores os pagamentos anteriormente acordados, sem renegociação.”, ou seja, continuam pagando com 120 dias.
Em outra troca de mensagens entre os participantes desta discussão o VP de RH da companhia “cola” na timeline pelo menos 3 vezes a mesma resposta para questionamentos diferentes. Clique e veja
Mas o que chamou a atenção foi a interação seguinte onde o executivo, responsável pela área de sustentabilidade da companhia em questão, levantou, em resposta ao questionamento feito por uma diretora de agência, a suposição de que “Um parceiro não estava pagando fornecedor alegando que não haviam recebido os valores, sendo que eles haviam sido pagos.” ( veja na imagem abaixo ) em uma clara tentativa para desagregação.
Chegou a hora?
Todas estas atitudes no ambiente virtual mostram que este problema não está na lista de prioridades dos executivos especialmente agora. O fantasma dos cortes está em todos os lugares, em todos os níveis.
Para um dos entrevistados aqui no site o movimento #jobentreguejobpago é procedente, mas talvez não seja a hora de propor verdadeiramente o debate. “Nem sabemos se os interlocutores no cliente estarão nestas posições ao final da crise. Corremos risco de um desgaste frente a pessoas que não estarão mais lá para conduzir o assunto e então será preciso começar tudo novamente.”, observa.
As opiniões se proliferam, mas o consenso é de que não haverá condições econômicas para manter prazos de pagamentos tão longos, não vai dar para criar projetos concorrendo com seis, oito agências pelo mesmo evento.
Após a crise todos terão que recuperar o espaço perdido e não haverá tempo para horas e horas de apresentações de tantos concorrentes, muitas vezes para jobs com budgets reduzidos.
Não haverá espaço para omitir a verba no briefing para “não bloquear a criatividade”
Teremos que colocar um ponto final em outras práticas além destas, que já passaram do ponto e são tratadas, já há um bom tempo, como Assédio Moral Corporativo com uma naturalidade espantosa, mas que se sobrepõe agora quando tudo parou e a reflexão toma conta dos agentes de mercado.
A verdade é que o movimento não é novo nem no Brasil tampouco lá fora. As áreas de compras ainda nem existiam e a preocupação com os critérios para realização de concorrências já estavam no topo da lista de dores das agências especializadas.
Na Europa, em 2015, o site Campaign publicava um movimento de greve das agências pelas práticas inadequadas. Conforme relato da época, a MAA pediu a todas as associadas que “se unissem” para pressionar o proprietário de uma cervejaria com atuação mundial depois de ter sido alertada para um leilão eletrônico durante o qual as agências foram questionadas sobre quantas horas de trabalho elas efetivamente dariam gratuitamente e se eles considerariam ir além das condições de pagamento de 120 dias em vigor.
Também foi perguntado às agências quanto mais descontos estariam preparadas para oferecer abaixo dos 5% padrão. O diretor-gerente da MAA disse em um e-mail aos associados que “O setor não tem escolha a não ser se reunir, se quisermos garantir uma saúde financeira de longo prazo para as agências e seus funcionários.”, o que o MAA considerava práticas comerciais “exploradoras”. “O que precisamos no setor é de uma política de pagamento justa. Não há argumento para períodos de pagamento prolongados, é um princípio antiético.”, acrescentou.
No mesmo ano, o movimento Princípios de Valor realizou uma série de encontros em diversas regiões do Brasil para sensibilização de clientes e conscientização de donos das agências. Na opinião de Ronaldo Ferreira Jr (veja entrevista) os resultados foram satisfatórios. Mas, cinco anos depois, a polêmica volta à tona com força.
A posição dos principais nomes frente às agências especializadas é firme. Nos bastidores, a ideia do job entregue job pago dá mostras que é irreversível.
Nossa página com as opiniões enviadas está aberta aguardando novas participações. Veja clicando aqui.
O que todos esperam resume-se na mais recente postagem do Célio nas redes sociais: “Chegou a hora de união entre cliente e agência para sairmos desta crise.”, e finaliza: “Job entregue! Job pago!”