Os australianos acordaram na manhã desta quinta-feira (18), numa apagão de notícias, sem acesso a qualquer conteúdo de notícias locais no Facebook.
O bloqueio imposto pela rede social foi uma retaliação a um projeto de lei que avança no país e pretende obrigar plataformas de tecnologia a pagar editores pelas notícias compartilhadas, só que centenas de outras páginas, incluindo serviços governamentais como bombeiros, saúde e meteorologia, foram excluídas.
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A pressão do Parlamento australiano também fez a história avançar pelo lado do Google, que voltou atrás e anunciou no dia 17 de fevereiro, um grande acordo de três anos com a News Corp, principal grupo de mídia da região e dono de títulos como “The Times” e “The Wall Street Journal”.
Em comunicado, o movimento, que envolve “somas significativas”, foi descrito como “histórico” pelas partes por conta dos conflitos entre a gigante das buscas e publishers em todo o mundo.
O projeto de lei australiano, chamado de “News Media Bargaining Code”, foi pensado pela ACCC (Comissão Australiana da Concorrência e do Consumidor, espécie de Cade local) para tentar compensar a relação entre veículos de imprensa e as quatro principais plataformas americanas: Google, Amazon, Facebook e Apple.
A-ACCC entende que as big techs se beneficiam de conteúdos jornalísticos e não pagam a mídia de forma adequada — a cada 100 dólares australianos gastos em publicidade no país em 2019, 53 foram para o Google, 28 foram para o Facebook e 19 foram para outros sites e empresas, segundo a entidade.
Desde o ano passado, o Google faz campanha contra a nova lei australiana e exibe mensagem sobre os “Serviços grátis estarem em risco” para todos que acessam o site.
O governo não cedeu, e agora a empresa fechou acordos para remunerar pelas notícias que serão exibidas em uma seção do Google News.
O acerto com a News Corp, grupo do bilionário Rupert Murdoch, inclui também uma plataforma de assinatura, compartilhamento de receita publicitária gerada por esses conteúdos e investimentos em projetos de jornalismo de vídeo e podcasts, mas outros contratos com mais de 20 grupos de mídia da Austrália foram anunciados.
Enquanto isso, o Facebook decidiu ir pelo caminho contrário e simplesmente cortou as notícias, o que levantou temores de que a desinformação e teorias da conspiração dominem a plataforma.
Os australianos não podem postar links noticiosos ou ver as páginas do Facebook de veículos de imprensa. Paralelamente, as fontes de notícias australianas desapareceram da plataforma em todo mundo.
A empresa de Mark Zuckerberg ressaltou que a rede tem “Relação diferente com notícias” comparado com o Google e que elas representam menos de 4% do conteúdo que as pessoas veem na rede social.
“A troca de valor entre Facebook e publishers está a favor dos últimos.”, disse William Easton, diretor-geral do Facebook Austrália e Nova Zelândia em comunicado. “No ano passado, o Facebook gerou 5,1 bilhões de referências gratuitas aos publishers, o equivalente a 407 milhões de dólares australianos.”
A rede social afirma que “Jornalismo é imprescindível para uma sociedade democrática”, apesar de excluir os links, e diz que direciona os cliques para informações oficiais sobre saúde, por exemplo.
A reação das plataformas mostra como o debate iniciado na Austrália deve pautar decisões pelo mundo — Canadá, França e União Europeia trabalham por leis semelhantes e Estados Unidos acompanham o caso de perto.
Além disso, especialistas acreditam que, sem financiamento, veículos de notícias importantes podem desmoronar e aumentar um problema de desinformação global sério, e, apesar do Facebook menosprezar o peso das notícias no feed, ele depende de credibilidade para sobreviver.
“O acordo mostra que o Google e o governo australiano perceberam a importância e a relevância estratégica de um ecossistema de comunicação forte e saudável.”, afirou Marcelo Rech, presidente da ANJ (Associação Nacional dos Jornais), em conversa com Tilt.
Para ele, a Austrália estabeleceu um novo patamar e que “Falta cair a ficha em alguns lugares do mundo que nós temos que preservar o jornalismo, pois é um elemento essencial para a vida em sociedade.”
“Acho que é um momento em que as pessoas entendem a importância da publicação de notícias, considerando os eventos de 2020.”, disse David Chavern, presidente da News Media Alliance, que representa milhares de editores dos Estados Unidos. “As pessoas entendem que agora é o momento certo para fazer algo pelas notícias.”
Não à toa, a decisão do Facebook provocou revolta na Austrália. “Uma posição perigosa e irresponsável.”, afirmou Marcus Strom, presidente do principal sindicato de jornalistas do país, a Aliança Mídia, Entretenimento e Artes.
“O Facebook permite que grupos conspiracionistas como o QAnon promovam notícias falsas, enquanto censura informações independentes e verificadas, em um momento em que os australianos precisam de informações confiáveis sobre a pandemia.”
O primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, escreveu em sua página na rede social que a atitude do Facebook foi “Tão arrogante quanto decepcionante.”, confirmando as preocupações que um número cada vez maior de países sobre o comportamento das grandes empresas de tecnologia.
Banir notícias durante uma pandemia global foi “Um exemplo clássico de poder de monopólio, como o valentão do pátio da escola que tenta proteger sua posição dominante, com pouca consideração pelos cidadãos e clientes que supostamente atende.”, disse Henry Faure Walker, presidente da Associação de Mídia de Notícias da Grã-Bretanha.
O Facebook disse que bloqueou uma grande quantidade de páginas porque o projeto de lei não define claramente o que seria conteúdo de notícias.
A empresa disse ainda que seu compromisso com o combate à desinformação não mudou e que restaurará as páginas que foram retiradas do ar por engano.