Reflexões e mudanças de comportamento caminham juntas, sempre! E falar sobre o dia 25 de julho, no qual se comemora o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, é fundamental para nós, pessoas nascidas na América, principalmente na parte considerada latina.
Há mais duas comemorações que são conectadas a esse mesmo dia: Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, data sancionada pela Lei nº 12.987/2014 (mais informações: https://bit.ly/3B6R98Y).
Nessa hora, imagino que muitas pessoas pensam: “Puxa, feminismo?!”.
Então vamos lá: feminismo não é ser contra o mundo e queimar tudo, mas ser uma pessoa consciente. Veja que escrevi – pessoa – que acredita na equidade entre todas as pessoas e, por isso, apoia, dialoga com mulheres e defende os direitos delas, direitos esses que nos têm sido negados há séculos, em todo o mundo.
“De acordo com a Associação de Mujeres Afro, na América Latina e no Caribe, 200 milhões de pessoas (54% da população) se identificam como negras. E tanto no Brasil quanto fora, esse grupo é o que mais sofre com as desigualdades socioeconômicas e raciais.” – Dados mapeados pelo SIPAD.
Eu, enquanto mulher negra da periferia de São Paulo, vivenciei desde pequena o quanto ser marginalizada causa impactos profundos em nossa autoestima, nas nossas expectativas e nos nossos sonhos. Muitas vezes, quando estava na escola pública, os educadores nos motivaram a persistir e superar barreiras – sim, na minha época encontrei várias pessoas educadoras que acreditavam, assim como Paulo Freire, na educação transformadora. Nas ruas, por outro lado, termos como “negrinha”, “mulatinha”, entre outros, demonstravam como era a leitura da sociedade em relação a uma menina negra, que morava em uma casa feita com porão, porque já era sabido que haveria enchente por estarmos em área de charco, e esse tipo de região era um dos lugares disponibilizadas a preços populares, no extinto plano habitacional do Banco Nacional da Habitação (BNH).
Ainda hoje, a casa com porão existe, as enchentes pararam há algumas décadas, e o rio, que tinha até peixinhos, virou um grande lixão com água a céu aberto. Eu mudei de casa, mas ainda moro perto. Quase todos os meus familiares, mais novos que eu, estudaram na mesma escola, e pude acompanhar de perto quanto a qualidade e o empenho em mudar a realidade pela educação declinaram, e como todas as pessoas envolvidas nesse processo estão cansadas. Essa realidade se estende por todos os países de nosso continente, as Américas da linha do Equador, e para baixo dela, vêm apresentando declínio em todas as áreas: educação, saúde, alimentação, qualidade de vida, entre outros. Envelhecemos, temos menos crianças e a renda per capita cai mês a mês, frente ao aumento de impostos e dos insumos que precisamos para viver.
No meio de tudo isso, há ações “salvacionistas” que tentam criar alguma equidade, entidades internacionais enviam recursos, e grandes grupos estrangeiros aqui instalados fazem ações que hoje estão ganhando um novo nome: ESG de transformação. No entanto, quando vamos aos territórios onde a grande maioria da população “dorme”, porque viver é outra história, encontramos aumento na fome, ausência de estrutura básica como saneamento e boas escolas, e não há empregabilidade nem manutenção de renda para uma vida digna. Ou seja, se a verba parar de chegar, se a empresa sair do território, todos voltam a passar fome e não há outras perspectivas.
Falar dessas datas em um mês em que tantos movimentos celebram sua relevância é fundamental para garantir que não haja apagamento histórico, afinal, sem memória, não mudamos o futuro. Eu mesma estou apoiando o Pacto pela Equidade Racial. Por meio dele, teremos um encontro de mulheres pretas no dia 30 de julho, em São Paulo, homenageando escritoras brasileiras, a partir da obra de Maria Firmino, e vamos registrar tudo para manter a memória viva.
Mas trago aqui algumas perguntas para sua reflexão: sua empresa organiza ou pensa em organizar grupos de leitura para conhecer obras brasileiras, conhecer as histórias invisibilizadas de pessoas escritoras ou de outras frentes artístico-culturais brasileiras? Pensa em organizar excursões para museus como o Museu Afro Brasil, que fica no Parque do Ibirapuera, no coração de São Paulo, com as famílias das pessoas colaboradoras para criar novos repertórios e ampliar as discussões sobre o que realmente é incluir a diversidade? Há, ainda, o Museu da Pessoa, entre outros que atuam nesse resgate e recebem poucos visitantes e pouquíssimos apoiadores.
Pensam em realizar algum tipo de atividade periódica para falar da história dos povos originários, que ocupavam o lugar onde sua empresa está? E sobre a história dos antepassados das pessoas colaboradoras? Conhecem quilombos, ocupações indígenas ou de movimentos pela terra, que produzem muitas vezes o próprio alimento, hortas familiares, entre outras, que poderiam ser parceiras em alimentar as pessoas na empresa e ampliar o acesso a recursos sustentáveis no território? Sabem se há abrigos que podem apoiar com doações e com presença, para o exercício da escuta ativa? Sabem se há entidades que apoiam pessoas refugiadas e como podem somar esforços? Se há comunidades que possuem associações de bairro com atividades de aprendizagem em moldes da educação popular de Freire?
Datas como 25 de julho precisam ser incluídas nos calendários das ações anuais, com atividades periódicas e contínuas que culminam na celebração, para que haja a valorização real do que estamos construindo. Garantir que a história sirva de guia para um novo futuro é fundamental, e todas as pessoas são parte dessa construção, concorda?!
*Samanta Lopes é coordenadora MDI da um.a #DiversidadeCriativa, agência de?live?marketing – [email protected]