Nasci um ano antes do AI5. Toda minha vida consciente, portanto, foi acompanhada de um avanço constante do regime democrático brasileiro, ainda que com alguns trancos e muitos barrancos.
Saímos do período mais nefasto da ditadura para ondas históricas de conquistas que transformaram o país para melhor. Nós brasileiros, sempre funcionando muito mais na base da emoção do que da razão, de tempos em tempos decidimos em maioria apaixonada deixar de aceitar bovinamente situações absurdas do nosso cotidiano e promovemos espasmos civilizatórios.
Foi assim no finzinho dos anos 70, início dos 80 do século passado. O regime militar que nos impedia de respirar liberdade foi colocado na lata de lixo da história. Anistia, fim da censura, eleições diretas, pluripartidarismo.
O Brasil da liberdade derrotou de goleada o autoritarismo.
Na década seguinte reunimos as condições para promover outra grande guinada. O fim da inflação.
Ninguém aguentava cortar zeros, mudar o nome da moeda e receber um salário que no fim do próprio dia de pagamento valia menos.
Esse segundo avanço trouxe estabilidade, responsabilidade fiscal, favoreceu o planejamento, ao qual ainda não nos afeiçoamos como deveríamos, construiu uma economia mais real, com trocadilho.
Mas adoramos uma promoção, não é?
Por isso apoiamos majoritariamente um novo projeto político que trouxe a terceira grande onda. Inclusão. Cidadania econômica e acesso parcial ao mercado para mais de trinta milhões de brasileiros que estavam fora do radar. Nada revolucionário, mas como tudo no Brasil tem dimensões épicas, a “nova classe C” fez diferença nos números de um mercado interno já robusto.
O filho da empregada entrou na faculdade, ainda que não naquela melhor (e pública), e a própria empregada começou a pegar avião para visitar a família que mora longe (meia dúzia foi passar férias na Disney para espanto de certo ministro).
O Cristo Redentor ameaçava decolar e abrir para nós os braços do primeiro mundo. Não fomos ao paraíso, mas estávamos no bom caminho. Democracia madura, economia estável e em crescimento, ações afirmativas e redução das desigualdades dando passos adiante.
Aí virou.
Junto com a terceira onda veio vazamento de óleo. Os Ali Babás não mudaram (não mudam há mais de 500 anos), mas parte dos 40 ladrões foi substituída, lambuzou-se, assustou quem ganhou concorrência e decepcionou quem acreditava que podia haver virtude sem vício.
A nova promoção, com muita verba de mídia, veio para construir mudança.
O pessoal de criação caprichou. Criou vilões barbudos assustadores, heróis de toga por cima e roupa de superman por baixo. E uma telenovela com bom título cuja vinheta, exibida incessantemente, era uma montanha de dinheiro saindo de um tubo.
Doido por uma novela de TV, e ao mesmo tempo early adopter das mídias sociais, o brasileiro se apaixonou por mais uma história, que tinha vários bandidos, poucos heróis, e muito dramalhão.
Notícias de mentira, facadas de verdade, e a triste descoberta que o esgoto da ditadura e do autoritarismo não havia sido eliminado na primeira onda.
Estava só engarrafado, envergonhado, desmobilizado a procura de um fanfarrão para chamar de seu.
E parte da nação, apaixonada novamente, achou que estava construindo a quarta onda, mas tomou um caldo inesquecível do qual levaremos tempo para nos recuperar.
Milhões de pessoas acharam que estavam comprando uma lebre meio selvagem, mas limpinha, e terminaram levando um gato fedorento, mau caráter, estúpido e miliciano.
Dia sim, outro também, o sociopata e sua turma não perdem a oportunidade de minar por dentro a democracia que tanto nos custou construir.
Não preciso me alongar falando dos crimes explícitos cometidos cotidianamente (e em meio à maior pandemia da história moderna!). A leitura do livro “Como morrem as democracias”, de Steven Levisky e Daniel Ziblatt, basta para demonstrar o perigo que corremos.
O que nos leva ao chamado da próxima grande promoção de verdade. Que precisamos, com toda a força, abraçar e fazer crescer muito além das fronteiras do mercado de live marketing.
A promoção dos valores democráticos, das liberdades individuais e da sociedade civil. Temos que mobilizar nossas melhores cabeças para esse trabalho difícil. Porque democracia e liberdade são valores cuja riqueza fundamental só nos damos conta quando perdemos. E aí já é tarde demais.
Promover o pensamento livre ao mesmo tempo que combatemos os crimes de expressão.
Lutar contar o desmonte das instituições, a desvalorização das artes e da cultura.
Vigiar todas as ações no sentido do autoritarismo, da destruição do meio ambiente, da extinção das garantias e direitos individuais.
Investir no combate às desigualdades. Sociais, raciais, de gênero.
Junto com o fim da pandemia do Coronavírus precisamos pôr um fim na epidemia de desumanidade, incompetência e preconceito.
Até porque estaremos economicamente tão debilitados que só uma liderança sábia, criativa, diria mesmo iluminada, poderá coordenar as forças da sociedade brasileira para que saiamos dessa com dignidade e maior velocidade possível.
Como já disse bem Caetano Veloso “Quem é ateu, e viu milagres como eu, sabe que os deuses sem Deus, não cessam de brotar”.
Confio nisso. Confio no Brasil. De teimoso que sou.
Agradeço ao Julio Feijó o convite para passar a escrever semanalmente no Promoview. Ele me pediu para tratar de assuntos de nosso mercado e obedeci. Falei o tempo todo de promoção.
Meu agradecimento também ao generoso Celio Ashcar Jr, futuro deputado federal, pelo incentivo e amizade de sempre.