Arte e Criatividade

Cosac Naify, Taschen e … TikTok?

Há algum tempo, falamos que o revés da saturação tecnológica é a interrupção. Sem pedir licença, um anúncio invade sua tela. Que falta de educação, né? Também por esse motivo, as publicações impressas voltaram

Imagem mostra um livro cuja capa diz "#BOOKTOK"
Imagem: Julia Padula

Os saudosos da Fnac e os entusiastas das livrarias e bibliotecas vão concordar comigo: as edições das distintas Taschen, Cosac Naify, Brown etc brilham os olhos de qualquer pessoa, independente do tema que carregam. Isso porque o impacto visual que causam é definitivo, marcante. Desde a diagramação das linhas à curadoria da capa, da garimpagem de papéis à escolha de encadernação, tudo é pensado para que você seja um “proud owner” e anseie por chegar em casa e colocar sua edição na mesa de centro. Infelizmente, vemos cada vez menos edições tão bonitas por aí, e até mesmo livros de tiragem em massa são menos possíveis, seja pelo custo, seja pela distribuição – hoje dominada pela Amazon.

Quando vi a estante de livros do meu namorado, a primeira coisa que suspirei foi “você é milionário”. A minha geração só conhece o livro que custa mais de 50 reais. Então, pensar em acumular mais de cem edições em casa é uma decisão importante. Isso nos restringe a consumir cada vez mais versões digitais – e aqui nem falo da versão Kindle, mas da versão decupada, a interpretação de uma pessoa sobre determinado assunto (em formato de vídeo, essencialmente). Mas como tudo o que habita na internet, para consumir algo, em troca você entrega seus dados e seus interesses, que logo se transformam em máquinas para a indústria publicitária. E assim, você recebe anúncios obrigatórios durante a sua experiência.

Se sou publicitária e sei como isso é um saco, imagino que as Big Techs também tenham plena noção disso. Zamp! Rolando meu instagram vejo a publicação do The Summer Hunter noticiando exatamente isso: a gigante chinesa ByteDance, proprietária do TikTok, está expandindo a editora 8th Note Press para incluir edições impressas. Os donos da rede social mais inquieta do mundo vão publicar livros, porque, segundo eles, o papel está dando a volta por cima. Legal, né? Só precisam avisar a Fedrigoni disso, para que os preços no Brasil não sejam impeditivos.

Seguindo a trend #BookTook, conversei com nomes importantes desse universo para descobrir as opiniões deles sobre esse resgate editorial:

Ademir Correa

Jornalista e Mestre em Comunicação, é diretor de conteúdo da editora Perfil

“O impresso tem se consolidado como um guia, tanto em formato físico quanto em versão digital, como as revistas. Muitas publicações estão apostando em edições temáticas, colecionáveis e formatos diferenciados, como caixas ou séries com conteúdo aprofundado. Algumas dessas edições ainda incluem produtos relacionados ao tema — como vinis, por exemplo — ativando também o marketing de nostalgia.

Acredito que já estamos vivendo o futuro do impresso, que agora se volta para um público de nicho. Nesse novo cenário, especialistas abordam temas de forma profunda, algo que é cada vez mais raro no digital devido à velocidade e ao consumo superficial de notícias, muitas vezes consumidas via dispositivos móveis.

Vejo que muitas marcas estão cada vez mais interessadas em formatos de conteúdo impresso, principalmente como uma forma de agregar valor aos seus produtos. Muitas delas têm optado por não anunciar mais em leilões digitais, uma vez que questionam a veracidade das informações divulgadas e buscam evitar conteúdos que não estão alinhados com suas diretrizes. Além disso, elas percebem que esses formatos podem não atingir adequadamente seu público-alvo.”

Julius Wiedemann

CEO da Afluente, foi por 22 anos editor-chefe da Taschen

”As publicações de arte sempre existiram, mas o que a Taschen fez de diferente foi criar uma marca forte e distribuí-la globalmente. Ela consolidou esse conceito em uma única marca, e na segunda metade do século 20, capturou a ideia de que a casa deveria ser um lugar aconchegante e acolhedor.

A relação da Taschen com as marcas é quase inexistente. Embora tenha publicado muitos livros que envolviam o tema de marcas, a Taschen não é uma editora que faz livros sob encomenda. As demandas vêm de dentro da própria empresa — cerca de 80% das propostas de livros, somando cerca de 5 mil por ano, e apenas 3 ou 4 são efetivamente produzidos, geralmente de autores com quem já têm um relacionamento. A Taschen prioriza o conteúdo e mantém sua independência editorial.

Hoje, o mercado editorial cresce apenas 1%, enquanto o mercado de autopublicação cresce 17% ao ano. As novas tecnologias democratizaram a forma de publicar, permitindo a produção de livros de alta qualidade com mais facilidade. Fundando minha própria editora no Brasil, vejo uma grande oportunidade de publicar assuntos de alta qualidade de uma maneira que antes não era possível, quebrando paradigmas do mundo editorial.”

Pablo Miyazawa

Jornalista e editor, é o autor do livro “Nintendistas”, financiado por uma campanha de crowdfunding

“Há muito tempo, desde que comecei a trabalhar com revistas, ainda nos anos 1990, escuto a ideia de que no futuro só existiriam dois tipos de formato editorial impresso: a revista muito barata e descartável; e o produto premium, para exibir na estante ou posicionar na mesa de centro. Essa previsão não estava tão errada assim, ainda que as publicações “medianas” existam nas poucas bancas e revistarias que sobraram.

Mas a ideia do “livro como objeto de arte” parece cada vez mais popular entre as novas gerações de consumidores, então tudo leva a crer que focar nesse formato é um caminho natural e convidativo. O alto preço de desenvolvimento de tudo o que envolve o papel e a impressão concedeu ao livro e à revista ares de importância (e raridade) que não existiam décadas atrás. Se fosse em 1998, dificilmente eu teria a ideia de lançar um livro de luxo para fãs dos videogames Nintendo. Hoje, em 2024, essa parece ser a única saída editorial disponível.”

E você, como encara esse resgate editorial?

Até a próxima,
Julia