Mesmo com tamanhos e inegáveis avanços ao longo do tempo, especialmente no progresso da redução das desigualdades de gênero, as mulheres ainda sofrem com discriminações e frequentes violências, em vários âmbitos. Para impulsionar e orientar organizações a enxergarem essa realidade e criar ambientes mais acolhedores para o gênero feminino, a CAUSE — consultoria especializada na gestão de causas, via estratégias de comunicação, engajamento, advocacy e ESG — criou o documento “E se o Futuro fosse Feminino?”.
O paper traz um olhar interseccional sobre os desafios e transformações da mulher na sociedade atual, fazendo um chamado à escuta dessas vozes e a compreensão de onde elas estão hoje e para onde desejam ir. Para tanto, a consultoria dialogou com 16 mulheres, entre 20 e 55 anos, sendo elas personalidades contemporâneas cujos repertórios de vida e trabalho se diluem em aprendizados em torno de: maternidade, mercado de trabalho, inclusão, diversidade etária, negritude, transgeneridade, luta indígena, PcD, representações e beleza.
“Mas, se tivéssemos o poder de redesenhar as dinâmicas sociais com uma perspectiva feminina, como seria? Foi essa pergunta que inspirou a CAUSE Brasil a se debruçar sobre os desafios da mulher do século 21 e fomentar debates para além da efeméride do 8 de março. Precisamos de um novo equilíbrio, de uma energia colaborativa, da gestação coletiva de um mundo mais equitativo e plural”, explica Mônica Gregori, diretora-executiva da CAUSE.
“Entre ser executiva e mãe, eu escolhi as duas coisas” – Mafoane Odara
Um dos temas abordados é a maternidade e os diversos impasses que as mulheres experimentam, principalmente com relação ao mercado de trabalho. O estudo da FGV “Mulheres perdem trabalho após terem filhos” evidencia que, após dois anos de retorno às atividades profissionais, quase metade das mulheres que tiram licença-maternidade ficam fora do mercado de trabalho. Soma-se a isso o fato de que elas passam significativas horas a mais que os homens dedicando-se às tarefas do lar; a diferença de tempo entre a licença maternidade e paternidade, ; assim como a falta de creches disponíveis para auxílio na primeira infância.
Desmitificar que a tarefa do cuidado com os filhos não é exclusivamente das mães é uma urgência social, sobre a qual organizações e empresas precisam jogar luz. É isso que Mafoane Odara, 43 anos, psicóloga e mestra em psicologia social, além de líder de Recursos Humanos para a América Latina na Meta (Facebook), reforça em sua contribuição para o documento da CAUSE, enfatizando a importância de seu marido ter vivenciado a paternidade, com a divisão de responsabilidades.
“Entre ser executiva e mãe, eu escolhi as duas coisas. Como fizemos isso? Foi uma decisão de família, de dizer que nosso filho pudesse viver, e a gente exercer o melhor de nossa maternidade e paternidade. Ele saiu do trabalho antigo e foi estabelecer outras relações com outros homens, uma nova formação profissional, e isso nos ajudou a construir uma relação muito mais saudável”, comenta.
“O que queremos é um lugar de pertencimento” — Neon Cunha
A paridade de gênero retrocedeu no mundo todo. Atualmente, o tempo necessário para que a equidade seja alcançada no âmbito profissional passou de 100 para 136 anos, em decorrência dos efeitos da pandemia de Covid-19. Os dados são do Global Gender Gap Report 2021, do Fórum Econômico Mundial.
Quando nos aprofundamos nas intersecções de raça, gênero, faixa etária e deficiências, o abismo é ainda maior. Exemplo disso é que apenas 4% das mulheres trans têm emprego formal, segundo dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Em contrapartida, a plataforma Transempregos, criada em 2013, ajuda o grupo a se inserir no mercado de trabalho. Com crescimento de 315% de janeiro de 2020 até janeiro de 2021, o projeto tem parceria com 715 empresas – entre elas, KPMG, Accenture e Mercado Livre. No entanto, essa e outras poucas iniciativas não dão conta de reparar a imensa falta de oportunidades. É preciso que organizações e instituições olhem com atenção também para essa parcela populacional.
Neon Cunha, de 52 anos, mulher negra, ameríndia, transgênera, ativista independente e diretora criativa, avalia sua perspectiva sobre a atualidade e o futuro de mulheres trans.: “Desde criança, eu vi que aquela condição daquela mulher menos humanizada era um processo de ameaça à minha existência. O que fazer com aquilo? O que fazer para sobreviver? Eu nunca cheguei nesse lugar de dizer que fui contratada pelo que me formei. Eu fui contratada pela mulher que eu me tornei. Nós falamos muito sobre inclusão, mas o que queremos é um lugar de pertencimento, e esse lugar é inquestionável!”.
E se o futuro fosse feminino?
O mundo vive constantemente uma série de transformações. Todas elas, de uma forma ou de outra, passam pelas mãos das mulheres — seja por serem a própria força motriz ou porque são as responsáveis pela geração da vida. Mas, diante de tantas disparidades, como é possível criar caminhos capazes de saná-las?
“As mulheres que ouvimos nos confirmam: a construção de ambientes mais acolhedores é um papel a ser desempenhado tanto no âmbito de políticas públicas quanto pelas organizações (privadas ou do terceiro setor), e também pela sociedade civil, a partir de olhares que orientem práticas reparatórias. Afinal, uma coisa é você se informar sobre a realidade, outra coisa é você estar consciente. Aí, avançamos para as etapas de sensibilização, engajamento e administração de recursos para caminhar rumo à transformação. Ainda tem pouca gente trabalhando, de fato, na instrumentalização desse propósito, mas ainda é tempo para mudar o cenário. Essa é a nossa motivação!”, reforça Mônica Gregori.