O longa-metragem “Um Filme Minecraft” estreou mundialmente no último dia 3 e, em alguns países, a paixão aguerrida dos fãs da marca fez com que trends viralizassem no TikTok e outras redes – e as salas de cinema não gostaram nem um pouco disso, apelando para punições caso alguns visitantes “passem da linha”, com o perdão da expressão. Este comportamento público dos fãs gerou debates sobre as normas a seguir em eventos.
A situação levantou um debate recorrente sobre o comportamento do público no cinema e em outros espaços coletivos: até que ponto é vantajoso para as marcas e seus consumidores contarem com a viralização de seus conteúdos, considerando o fato de que o comportamento dos fãs é, antes de tudo, imprevisível?
Caso “Um Filme Minecraft” expõe excessos de paixão dos fãs
Segundo relatado à BBC, algumas salas de cinema que exibem “Um Filme Minecraft” viram os fãs mais passionais da marca – originalmente, um dos jogos mais populares da história dos videogames – gritarem e celebrarem de forma anti social a aparição de certos personagens ou algumas linhas específicas de diálogo.
Tal situação fez com que alguns cinemas postassem avisos, alertando os visitantes de que comportamentos similares poderiam levar à remoção da pessoa do local, sem direito a reembolso do ingresso pago, em resposta a situações que potencialmente sairiam do controle sem essas normas.
“Qualquer um que for pego agindo desta maneira será removido da exibição sem direito a reembolso”, diz um dos avisos. “Para garantir que todos se divirtam, pedimos que todos os visitantes do cinema respeitem a etiqueta. Para fãs que queiram gritar, aplaudir ou celebrar por toda essa aventura cinematográfica, nós criamos exibições especiais em 4DX espalhados por todo o Reino Unido”, diz outro.
Agora, brasileiros como nós somos, tudo isso pode parecer um exagero: que tipo de cinema veria problema em ter seus visitantes felizes, afinal? Bom, tudo depende de como essa felicidade é exposta, aparentemente. Nas redes sociais, os relatos indicam um exagero por parte dos fãs, o que gerou tumulto acima do esperado, atrapalhando a experiência geral.
Por aqui, é comum vermos reclamações do tipo, por exemplo, quando alguém se recusa a desligar o celular e fica checando o aparelho por notificações de cinco em cinco minutos, mesmo com normas claramente estipuladas sobre a proibição de uso do aparelho dentro da sala.
No caso de “Um Filme Minecraft”, a coisa foi além: o tumulto em questão se deu por uma linha de diálogo específica do filme: quando Steve, vivido por Jack Black, menciona as palavras “chicken jockey” – um termo relacionado a um personagem que os gamers conhecem bem – boa parte das plateias reagiu atirando pipoca em direção à tela. Às vezes, bebidas inteiras. Outras vezes, subindo nas cadeiras aos berros. Teve um caso em que alguém até levou uma galinha para o cinema.
A situação está longe de ser um caso isolado, já que vídeos de diferentes salas, em diferentes países, já apareceram no Instagram Reels e TikTok, com milhares e milhares de visualizações.
O impacto das redes sociais na experiência do consumidor
O caso do filme inspirado em Minecraft exemplifica bem o impacto das redes sociais na experiência do consumidor, transformando uma vivência tradicional em um fenômeno digital interativo.
Os espectadores, empoderados pela facilidade de compartilhar cada momento, acabam por reagir de forma intensificada e, às vezes, caótica, resultando em desafios logísticos para os organizadores.
Essa transformação não se restringe ao ambiente dos cinemas, mas se estende a diversos setores, onde a viralidade dos comportamentos gera tanto oportunidades quanto riscos – desde a quebra de protocolos tradicionais até a criação de novas experiências personalizadas.
Os internautas (não tão) mais velhos vão se lembrar dos flash mobs – eventos públicos organizados pelas redes sociais por grupos de pessoas que, de forma resumida, combinam realizar algum tipo de ação (uma coreografia massiva, por exemplo) em algum lugar público – sem o conhecimento de gestores ou operadores daquele local.
Aqui no Brasil, inclusive, tivemos a versão tupiniquim disso, representado pelo “rolezinho”. Em 2014, um evento dessa natureza – particularmente grande – forçou o Shopping Leblon, no Rio de Janeiro, a fechar as portas temporariamente. Você duvida da grandeza da situação? Pois não devia: o caso foi noticiado até pelo jornal britânico Guardian.
Em alguns casos, o aparecimento de flash mobs e encontros organizados rapidamente via redes sociais causou tumulto e desordem em centros comerciais e espaços públicos, forçando as administrações locais a estabelecer regras mais rígidas para a realização desses eventos, a fim de garantir a segurança de todos.
Comportamento de público pode forçar o estabelecimento de regras mais rígidas – e punições com maior peso
O que os exemplos acima demonstram é claro: o comportamento viral do público – impulsionado principalmente pelo engajamento nas redes sociais – pode acabar afetando a indústria do entretenimento não apenas por uma simples trend, mas de forma mais perene, alterando modelos de negócio inteiros.
Seja no cinema, na moda, no turismo ou no entretenimento ao vivo, a experiência do consumidor está se tornando cada vez mais interativa e, ao mesmo tempo, imprevisível. As empresas e organizadores já começaram a adaptar suas estratégias (vide o caso dos cinemas, mais acima) – e essas mudanças nem sempre serão consumer friendly.
Isso porque, ao menos por agora, a discussão ainda está restrita a recintos controlados: salas de cinema, shoppings e parques com ocorrências de flash mobs não são nenhum Lollapalooza, convenhamos.
Mas considerando a capacidade de viralização rápida, é tão fora da curva assim especular que eventos do tamanho do festival musical findado em março deste ano, caso enfrente situações do tipo, adote medidas mais restritivas? Só a edição deste ano do festival teve mais de 20 ativações e estandes montados por diversas marcas: como elas responderiam diante de uma situação assim?
E quanto ao The Town, que vai acontecer de novo este ano?
Ou a gamescom latam, Brasil Game Show e CCXP?
Toda essa questão se resume a um ponto prático: o potencial de viralização é um fenômeno de duas faces. Por um lado, ele gera engajamento e cria experiências memoráveis, favorecendo o engajamento de uma marca e, consequentemente, a ampliação de seus negócios.
Por outro, esse potencial também impõe desafios que obrigam marcas e organizadores a repensar seus modelos de gestão para preservar a qualidade e a segurança dos serviços prestados. Do cinema aos eventos ao vivo, essa transformação é um processo contínuo, no qual a interatividade se converte na nova moeda de valor.
Mas qual será o caminho mais correto, afinal?