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Experiência de marca ousada: vale a pena correr o risco?

Na era do cancelamento, arriscar em brand experience não é tão simples. As diretoras de Marketing Mayra Dietzold, do Burger King, e Analigia Martins, do Duolingo, além do co-CEO da AKM, Eduardo Andrade, explicam se existe (e qual é) limite para ousadia

Em meio a tanta concorrência, ser diferente é essencial. Na última semana, um case pouco convencional conquistou o Grand Prix em Brand Experience & Activation no Cannes Lions. O projeto nova-iorquino da Pop-Tarts levou um mascote comestível ao campo — para ser devorado após o jogo. Por outro lado, a campanha da Rexona com Ronaldinho Gaúcho, na tentativa de ousar, se tornou alvo de críticas. Afinal, qual a linha entre aplausos e vaias ao apostar em uma experiência de marca ousada?

O primeiro passo é conhecer profundamente o público-alvo da marca em questão. Afinal, se o público não é ousado, a marca também não precisa ser. Além disso, a equipe deve estar preparada para a escuta ativa dos consumidores em real-time, com um bom plano de contingência debaixo de manga. Por fim, é preciso medir o “risco reverso” — de não sair da zona de conforto e acabar no esquecimento.

Para entender quais os limites da ousadia, o Promoview entrevistou as diretoras de Marketing Mayra Dietzold, do Burger King, e Analigia Martins, do Duolingo, além do co-CEO da agência AKM, Eduardo Andrade.

Mayra Dietzold, Analigia Martins e Eduardo Andrade falam sobre experiência de marca ousada ao Promoview.
Da esquerda à direita, Mayra Dietzold, Analigia Martins e Eduardo Andrade.

Burger King: ousadia no DNA

O BK é conhecido por seu Marketing ousado e divertido em todo o mundo. Desde o Natal comemorado em julho pela marca em 2020 (nos Estados Unidos) ou então o ônibus provocando a política britânica.

Campanha ousada do Burger King no Reino Unido

Aqui no Brasil, uma campanha que chamou atenção este ano foi a Calvície Drive-Thru, que deu lanche grátis para os consumidores que “apresentassem sua calvície”. Quem observa essas campanhas do lado de fora pode pensar que a marca é destemida. Mas, na realidade, há muito preparo por trás dessas “apostas”.

“Ser autêntico e, ao mesmo tempo, divertido, tem um risco de negação por parte do público. E isso nós sempre levamos em consideração no processo criativo e na produção de nossos conteúdos. Todas as vezes que “damos o play”, vem um grande frio na barriga. Mas nós acreditamos, sempre, que a nossa ousadia, já característica da marca, é bem aceita e, por isso, continuamos nos comunicando desta forma alegre”, conta Mayra Dietzold, diretora de Marketing do Burger King.

No caso da Calvície Drive-Thru, o frio na barriga valeu a pena. Ao todo, foram mais de meio milhão de sanduíches distribuídos em 222 lojas (drive-thru), entre os dias 27 e 31 de março. Isso resultou em um aumento de 155% no tráfego de clientes no drive. Além disso, 40% das pessoas que retiraram o sanduíche da promoção, incrementaram o brinde com outros produtos, ampliando, assim, em 7% as vendas totais nas lojas participantes.

“A ousadia na comunicação é uma onda que poucos conseguem surfar, pois existe uma linha tênue entre o sucesso e o cancelamento. Isso tem de ser feito com muito cuidado e respeito ao consumidor. Personificar a marca foi a forma que encontramos de nos aproximarmos mais dos nossos clientes. Porque para nós, não ousar é ser morno, e o BK é fogo”, complementa Mayra.

Duolingo: sequestro de familiares?

Quem utiliza o app do Duolingo para aprender a falar um idioma extrangeiro, acaba aprendendo outro linguajar: a ironia do Duo. Com uma linguagem divertida, o marketing do Duolingo é inovador, principalmente para a área de educação. Mas e quando os “desavisados” encontram, por exemplo, brincadeiras sobre sequestro no perfil da marca?

“No aplicativo, o Duo envia notificações irônicas para lembrar as pessoas de fazer a tarefa. E os nossos fãs começaram a brincar com isso ‘ele é tão insistente que daqui a pouco ele vai sequestrar alguém da minha família’. Nós poderíamos ter deixado quieto essa história, mas decidimos abraçar a brincadeira e ir testando aos poucos a receptividade. Então acho que quando a gente ouve a nossa comunidade, as pessoas se identificam. E isso, junto com a coruja, isso ajudou a gente a humanizar uma marca que era absolutamente digital”, explica Analigia Martins, diretora de Marketing do Duolingo.

Da mesma forma que o Burger King, a ousadia do Duolingo não é gratuita e espontânea, mas sim embasada em muita pesquisa.

“É um trabalho feito com muita estratégia e cautela. A gente brinca, brinca. É uma forma de a gente se destacar. E o risco é de fato necessário para conseguir se destacar. Mas, na nossa estratégia, nós arriscamos dentro de certos limites. Então, a gente não vai tocar em qualquer assunto. Temos algumas palavras que evitamos, não entramos em polêmicas. Porque o que a gente quer, no fim das contas, não é viralizar por viralizar, mas fazer com que as pessoas lembrem de vir para o app todo dia”, complementa Analigia.

Durante a pandemia, as notificações do Duo foram parar até nas fachadas dos prédios. Foto: Divulgação

Ousadia tem receita?

Ao contrário do que parece, existe um guideline para ser ousado. Uma das dicas é entender qual é o propósito daquela ação. “Buscar o inusitado envolve sempre um certo grau de risco, mas é essencial saber administrá-los. O mais importante, porém, é que a ação ou diálogo inusitado esteja alinhado com o propósito da marca e exista autenticidade no que está sendo feito. Nesses casos, é difícil que o impacto seja negativo, pois a conversa flui de maneira mais genuína”, aconselha o co-CEO da agência AKM, Eduardo Andrade.

Outro ponto essencial é acompanhar o pós da ação para medir a receptividade. “A partir do momento que colocamos no ar uma campanha, nosso time, em conjunto com todo o ecossistema de agências, passam a monitorar o social listening para que tenhamos um termômetro, em tempo real, do que tem sido falado. Isso nos dá a possibilidade de agir rapidamente no caso de algum problema, ou mesmo pela falta de aceitação”, conta Mayra Dietzold.

Há, ainda, públicos que são mais receptivos a determinadas campanhas. “As gerações mais novas são peças-chave nesse contexto: são gerações mais engajadas, que consomem novos canais de comunicação e nos impulsionam em nossas inovações. Como característica, acreditamos que este público tem muito em comum com a pegada do BK, já que são dinâmicos, criativos e bem-humorados”, complementa Mayra.

Por outro lado, para lidar com públicos diversos é preciso diversificar a mensagem. “Nós criamos muitos conteúdos nativos de cada rede social. Por exemplo, o que publicamos no Instagram não levamos ao X, porque são públicos diferentes. Já no TikTok, é um público diferente, muito mais jovem. Então, o que eu faço dentro do TikTok do Duolingo, eu não levo também para o Instagram, onde o pessoal pode não entender algumas coisas”, conta Analigia.

Live Marketing: experiências ousadas

No campo do Live Marketing, os riscos da ousadia se multiplicam. Afinal, se o público não entender uma ativação, não tem como apenas tirar a experiência do ar. Mesmo assim, a receita para “sair da caixa” é similar ao contexto digital.

“Quando falamos sobre investir em experiências ousadas para marcas, o maior benefício que contabilizamos é o destaque que o inusitado ganha no olhar do consumidor. Hoje, ele é bombardeado por uma quantidade absurda de informações, o que faz com que o comum se perca e vire paisagem. Buscar o incomum em uma experiência, é uma maneira de reconquistar a atenção do consumidor, que se perdeu ao longo do tempo”, explica o co-CEO da AKM.

Uma das formas que as marcas encontraram de surpreender é abrir pop-ups ou lançar produtos de um outro segmento de mercado, mesmo que temporariamente. A sorveteria da Granado, por exemplo, com sabores inspirados nas fragrâncias da marca, foi um dos assuntos mais comentados do verão. Internacionalmente, a LEGO segue inovando com a abertura de floriculturas em várias cidades da Europa — e sim, as flores são de lego.

Floricultura da LEGO em Londres
Floricultura da LEGO em Londres. Foto: Divulgação

Dividir o risco ajuda?

Às vezes, é mais fácil para a marca ousar se não estiver sozinha. É o caso de tantas collabs improváveis que temos observado ao longo de 2024. Recentemente, Havaianas e Dolce&Gabbana abriram uma loja em conjunto em São Paulo. O próprio Burger King fez parceria com Carmed este ano para lançar o protetor labial sabor churrasco. E quem lembra do tênis da Rebook que comporta uma lata de pepsi? Nesses casos, a surpresa vem de uma combinação de marcas que o público não espera ver juntas.

Afinal, vale a pena correr o risco?

Cada marca é diferente e, embora alguns riscos tenham o efeito indesejado, não correr nenhum risco pode ser pior do que começar a assumi-los. Nenhuma campanha de Marketing sai do papel sem uma boa lista de prós e contras e com experiências ousadas é a mesma história. O importante é preparar o time para reverter às críticas, afinal, a máxima do “falem bem, falem mal, mas falem de mim” não é aplicável à reputação das marcas. Por isso, é preciso entender que, sem uma direção, a bravura por si só pode ser desastrosa.