O recente caso envolvendo o ex-técnico do Corinthians, Cuca, acusado e condenado ao crime de estupro contra uma menina de 13 anos em 1987, em Berna, na Suíça, nos mostra que a pressão popular exerce, sim, muito poder quando falamos de crimes hediondos, principalmente contra crianças e mulheres. Após o ressurgimento do fato e a onda de protestos contra Cuca, ele pediu demissão do clube paulista por estar se sentindo pressionado, principalmente pela torcida.
O caso ocorreu há 36 anos e prescreveu na justiça, mas ainda é latente e está na memória das pessoas, pois na época não teve a punição devida, visto que Cuca, jogador do Grêmio nos anos 80 junto com outros três companheiros de time, foi preso por um curto período e depois o caso foi arquivado. Na época do crime, A imprensa brasileira também fez “vista grossa” e chegou até ser noticiado que os jogadores foram julgados à revelia pela justiça suíça e, que seriam inocentes, fato esse inverídico, já que foi constatado que a menina foi violentada e encontrado material genético (sêmen) de Cuca no corpo dela.
Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), estima-se que ocorram 822 mil casos de estupro no Brasil por ano. Desse montante, apenas 8,5% deles chegam ao conhecimento da polícia e 4,2% são identificados pelo sistema de saúde. Os dados também apontam que mais de 80% das vítimas são mulheres. O estupro é enquadrado em dois conceitos de violência: a violência de gênero e a violência sexual. Ressalta-se que, ainda hoje, há um grande desconhecimento sobre o fenômeno do estupro no Brasil, em particular no que tange à prevalência dos casos no universo da população.
Embora os dados demonstrem que muitos não venham a público, quando conhecido, o crime de estupro, na constituição brasileira, não tolera mais impunidade no século XXI, onde há leis para punir e as pessoas mais encorajadas a denunciar. Outros casos recentes como a prisão dos jogadores Daniel Alves e Robinho corroboram com essa afirmação. Daniel Alves foi preso após ser acusado de estupro por uma jovem, em Barcelona. Já Robinho, após muitas versões e processos na justiça, foi condenado pelo mesmo crime na Itália. O caso de Cuca ressurge em meio a essa esfera atual, onde a vítima denuncia, a imprensa divulga, os órgãos policiais apuram e a justiça pune o agressor. Aqui, a opinião pública é ferramenta fundamental e atua positivamente contra a impunidade, embora ainda existam muitas pessoas desencorajadas a denunciar e buscar os seus direitos.
Outro fator importante a considerar é a maior participação das mulheres – principais vítimas de estupro – no âmbito esportivo, em especial no futebol, a modalidade mais praticada do mundo. Um dos manifestos contra Cuca partiu da equipe feminina do próprio Corinthians, liderado por jogadoras do clube que fizeram uma postagem nas redes sociais durante um jogo do time masculino aos 87 minutos de jogo em alusão ao ano em que o crime aconteceu. A campanha “Respeita as Minas”, movida pelo torcida organizada do clube, repercutiu largamente nas redes socais e no estádio, assim que o técnico foi anunciado pelo clube. Resultado: ele não aguentou a pressão popular e se demitiu após sete dias no cargo e com um salário de R$ 1 milhão.
Hoje, diferente de 36 anos atrás, o advento da internet possibilita que as pessoas se comuniquem entre si mais facilmente e, que também, possam obter informações importantes e que constroem a opinião pública, por exemplo. Fatos, notícias, crimes e denúncias circulam com maior facilidade e alcance, o que para casos como de estupro, ajudam a denunciar os agressores e cobrar das autoridades as devidas punições. Se o caso do ex-técnico Cuca fosse hoje, com certeza o desfecho seria muito diferente, pois não tem mais espaço para impunidade contra esse tipo de crime, há lugar de fala, denuncia e punição ativa.
Apesar desse tipo de crime ainda acontecer com muita frequência nos dias dias hoje, essa mudança social gera uma modificação comportamental por parte dos homens (maioria dos estupradores) que devem, na prática, respeitar os limites das mulheres e temem punições efetivas caso não o façam. Além disso, mulheres (maioria das vítimas) podem sentir um respaldo legal e social maior de comparado à época de 1997 na sociedade brasileira. O caminho para a punição em todos os casos, bem como o conforto e liberdade das mulheres, ainda enfrenta um longo caminho pela frente mas é possível perceber que muito já foi percorrido.
*José Vítor Capello Rezende é psicólogo clínico e esportivo e especialista em D&I na Condurú Consultoria.