Em minha vida profissional, passei por uns 16 processos de fusão e incorporação de empresas. Ora a empresa onde eu trabalhava estava sendo vendida, ora estava comprando outra empresa. Sem qualquer dúvida, o aprendizado a que pude ter acesso tornou minha vida, no mínimo, cheia de emoções. É muito bom lembrar de cada uma delas, pois, além de ter sobrevivido a todas, ainda tive contato com culturas muito diversas, aprendendo a me adaptar às situações sem perder a minha essência nem renunciar aos meus valores.
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Como tudo em nossa vida, porém, acabamos sempre deparando com um “mas”. Num determinado momento, meu diretor saiu de férias. Sua equipe, na ocasião, era toda oriunda de outras empresas, o que o deixou em um dilema: quem seria chamado a responder pelo departamento, em caso de alguma necessidade da alta direção da empresa? Não deu outra. Por ser o de maior idade, com mais tempo de casa, e por ter participado de um dos primeiros processos de incorporação, coube a mim essa tarefa. Como sempre, as questões técnicas da área eram as mais simples de serem tratadas. A liturgia do cargo, porém, mesmo sendo um substituto somente por duas semanas, precisava funcionar com precisão. Não que isso fosse uma enorme dificuldade, apenas era necessário muita atenção aos detalhes:
- Estar sempre disponível a partir das 7 da manhã, às segundas-feiras.
- Nunca chegar depois das 7 da manhã e nunca sair antes das 19 horas.
- Quando houvesse reuniões marcadas, sempre chegar antes de seus superiores.
- Sempre estar pronto para se apresentar no andar da diretoria, de paletó e gravata.
- E mais alguns outros predicados, muito simples, e que basicamente bastava seguir.
Tive uma oportunidade sensacional: passei pela incrível experiência de comparecer a uma assembleia ordinária com acionistas presentes, onde, se houvesse alguma pergunta sobre sua área, você seria arguido e teria que responder. A todos os diretores, vice-presidentes, ao conselho e aos acionistas.
Foi impressionante, sobretudo, assistir às moças do café oferecer uma xícara a cada um dos presentes e terminar de recolhê-las antes do final do evento. Após o encerramento, achei mais extraordinário ainda; não durou mais do que 30 minutos, que para mim pareceram horas.
Mas o melhor da festa estava por vir. Se bem me lembro, faltavam três dias para que eu encerrasse a minha participação naquela jornada quando, por volta das 6 horas da manhã de uma quarta-feira, toca o telefone em minha casa. Do outro lado da linha, a secretária me informa que o presidente do Conselho havia solicitado minha presença, pois estava recebendo a visita de um ex-vice e me chamava para participar de uma pequena reunião. Meio dormindo e completamente assustado, respondi:
– A senhora sabe para qual telefone está ligando?
E a resposta veio singela:
– Sei, sim, senhor Luiz, para a sua residência.
– Então, por favor, avise que eu estou a caminho, mas que ainda não estou na empresa.
Mais uma resposta tranquilizadora:
– Senhor Luiz, vou avisar que o senhor está vindo.
Bem, não preciso contar a vocês como algumas tarefas feitas rotineiramente pela manhã foram canceladas, e as demais executadas de forma absolutamente imprudente. Escovar os dentes fazendo a barba. Pentear o cabelo calçando o sapato. Colocar o paletó lavando o rosto. Tomar café nem pensar, completamente desnecessário. Dirigir rezando para que os radares não estivessem acordados e os CETs estivessem olhando para outro lado ou lendo jornal. Dessa forma, um ritual que normalmente levava hora, hora e meia, foi feito para que eu pudesse chegar à empresa exatamente 32 minutos depois de a secretária ter desligado.
Fui direto ao andar da diretoria. Mais notícia boa: os dois senhores aguardam o senhor, na sala privativa da Presidência para tomar café. E quando soube quem era o outro participante, aí que imaginei que a coisa ia sair totalmente do controle. Entrei, pedindo licença e me desculpando pela demora, sem dizer onde eu estava quando fui chamado. Na verdade, não seria necessário mesmo. Claro que sabiam. Mas o bom da história era que, nessas ocasiões, os hábitos da cultura organizacional apontavam sempre para duas pessoas extremamente agradáveis e educadas.
– Por favor, Luiz, sente-se. Tome um café conosco. Quer um pedaço de queijo minas? Um pãozinho?
Agradeci e fiquei só no café, pelo menos para aquecer o frio na barriga! O presidente vira-se para seu convidado e diz:
– Faça a pergunta. Ele é da área de marketing e saberá te responder.
Imaginem. O presidente me chama para responder a uma pergunta de um convidado dele… Pensei: nossa, como foi bom ter trabalhado aqui. Quando o chefe voltar, vai ter que promover alguém ou deixar o cargo vago até a próxima incorporação.
Finalmente, a pergunta:
– Luiz, por favor, me responda com sinceridade. Não me esconda o fato.
Claro, sim ou não poderiam me comprometer seriamente. O sim, significando que iria esconder, e o não com o sentido de que não iria responder corretamente.
Preferi me ater ao “Claro!” Como dizem, menos é mais.
– Meu filho, nós vamos patrocinar o time de futebol do Corinthians? Estou lhe perguntando porque, como você bem sabe, temos clientes de todas as torcidas, e por isso não devemos privilegiar somente um clube no Brasil.
Por um momento quase me faltou o ar. Primeiro, porque para aquela pergunta eu sabia a resposta. Depois, quis entender por que tinha sido chamado às pressas e passado todo aquele sufoco para solucionar uma questão que todos na empresa saberiam responder.
Mesmo assim agradeci a Papai do Céu por ser aquela a pergunta. E passei a resposta:
– Não, senhor. Não vamos.
– Luiz, você tem certeza absoluta?
– Tenho, sim, senhor.
– Mas a imprensa está noticiando o contrário. Por que não desmentimos?
– O senhor entende mais disso do que eu – respondi. – Todas as vezes que alguém solta uma notícia dessa natureza e a empresa envolvida nega, o que acontece? A negativa serve de total certeza de que, ao contrário do que se está dizendo, aquilo vai acontecer. Principalmente no futebol, que o Senhor tanto conhece. Por isso nos mantivemos em silêncio e, até que surja algo novo, vamos permanecer assim. E como sabemos que não existe nenhuma verdade nessa afirmação, logo, logo essa onda passa. O senhor não concorda?
– É, meu filho, você está certo.
Assim que ele termina essa frase, o presidente se vira para seu convidado e diz:
– Satisfeito, agora? Eu lhe disse, mas você não acreditou. Luiz, pega outro café e um pedaço do queijo. Está ótimo.
Eu agradeci, me levantei, pedi licença, perguntei se podia ajudar em mais alguma coisa, cumprimentei os dois, muito aliviado, e saí da sala. Fui até o café, tomei outro e uma garrafa de água, bem gelada e bem devagar. Fiquei sentado ali um pouco e depois tomei o elevador para descer para o meu departamento. Assim que cheguei, a secretária do diretor que estava de férias vira-se para mim e diz:
– Ô Luiz, atrasado hoje! E se alguém lá de cima te chama? Como fica?
Olhei espantado para ela, mas continuei caminhando até a minha mesa. Estava exausto.
Quem sabe, depois de tanto tempo, se lerem estas memórias, alguém se lembrem desse dia.
E você? De que situação, saia justa, semelhante ou não, você tem memória? Compartilhe aqui.
Análises e bastidores do marketing esportivo com Luiz Fernando Coelho, especialista com mais de 40 anos de experiência. Primeiro colunista do Promoview, Luiz escreve há oito anos no portal, com o detalhismo de um verdadeiro contador de histórias e a precisão de um veterano do mercado.