Na semana passada, aconteceu em Chicago a 100ª edição do NRA Show, uma série de eventos convergentes que reúne tudo que envolve a alimentação fora do lar, ou seja, aquela que é preparada fora do lar e é consumida em qualquer lugar.
E esse negócio, incluindo lojas especializadas, fast food, restaurantes, casual dining, bares, catering, conveniência, hospitais, aeroportos, shoppings e franquias que, desde 2014, supera as vendas das lojas de supermercados nos Estados Unidos.
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No Brasil, esse setor se aproxima dos 40% em termos de participação nos dispêndios das famílias com alimentação nas principais capitais do Sudeste – e na média nacional está próximo dos 30%.
E em todos os mercados do mundo a tendência é que cresça essa participação, pelas mudanças estruturais da economia e do comportamento de consumo.
Não por coincidência, esse show, que acontece em diversos pavilhões do McCormick Place, em Chicago, no mês de maio, reunindo perto de 80 mil participantes, rigorosamente “matou” o evento do FMI – Food Market Institute, que acontecia por lá e era exclusivamente focado nos alimentos e bebidas para supermercados.
O mundo está se tornando implacável com quem não se antecipa ou, no mínimo, se ajusta rapidamente às mudanças.
Do que vimos por lá, onde se pode rodar perto de 18 km por dia visitando os diversos pavilhões do evento, complementado por visitas a alguns dos conceitos mais inovadores dessa sempre marcante cidade, alguns assuntos ficam gravados como o ‘Extrato Condensado’ dos aprendizados. São aqueles dez elementos que devem ser considerados no crescente e desafiante mundo do food service.
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Envelhecimento da população, participação da mulher no mercado de trabalho, combinados com a crescente demanda por conveniência estão ampliando a participação do food service no mercado de alimentos e bebidas de forma irreversível. O segmento tem crescido de maneira consistente mais do que o varejo tradicional de alimentos e assim continuará.
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O apelo do natural e orgânico é cada vez mais forte e não pode ser ignorado, especialmente entre os consumidores mais jovens e aqueles em busca do rejuvenescimento, o que inclui parcela crescente e majoritária da população. São os jovens de espírito e atitude com hábitos ligados a esse comportamento, que se multiplicam cada vez mais. Nos EUA, estima-se que esse segmento já represente 30% do mercado e no Brasil tenderia a se aproximar dos 40% – e não ter opções para atendê-los significa abrir mão desse pedaço do mercado.
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Os alimentos e produtos substitutos das carnes, porém de origem vegetal, ocupam cada vez mais espaço no interesse dos consumidores e se constituem em opções que reforçam o crescimento dos que optam pelos naturais e orgânicos. As pesquisas e estudos envolvendo criação de alternativas têm se ampliado e conceitos como ‘The Impossible Burger’ e outros são cada vez mais valorizados.
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O e-commerce para alimentos e bebidas, especialmente a partir dos restaurantes e operações especializadas, on-line ou tradicional de alimentos, é um dos segmentos com maior expansão no mercado internacional, atendendo o empoderado omniconsumidor hiperconveniente que opta por demandar e receber soluções de alimentos prontos para consumo. Estudos mostram que nos Estados Unidos 60% desses pedidos são feitos a partir do mobile, com tendência de aumento, sendo que a participação das compras por e-commerce no país, atualmente em 6% do total das vendas, deva chegar a 15% do total nos próximos anos na etapa de mercado maduro.
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O delivery por terceiros especializados, como Uber Eats, Rappi e outros, tem forte expansão, pois além do serviço em si prestado a partir da logística compartilhada e racionalizada, aportam conhecimento do consumidor com informações relevantes para o crescimento dos negócios. Na China, nas redes de alimentos ligadas aos Ecossistemas de Negócios, como 7 Fresh, Hema ou os novos entrantes como Luckin Coffee e outros, o delivery representa um pouco mais do que 50% das vendas. No Brasil, o crescimento do delivery no setor de food service tem sido em torno de 40% ao ano.
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O mercado de venda e distribuição de alimentos e bebidas está sendo redesenhado com revisão do papel e participação dos agentes envolvidos, ampliando a participação do food service de forma geral, aumentando as operações diretas das marcas, criando novos conceitos e formatos pelos agentes tradicionais ou novos players (Amazon Go, Whole Foods, Ocado, Auchan Minute, Flunch, etc), acelerando o lançamento de novas operações e lojas e combinando competências para acelerar o atendimento e entendimento da nova realidade. No Brasil, o Grupo Pão de Açúcar optou por comprar uma startup, a James, que atua no setor de delivery, e o Carrefour desenvolveu parceria estratégica com a Rappi, nesses dois casos com grande ênfase nos alimentos tradicionais e outros produtos e menos nos alimentos prontos para consumir.
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A tecnologia e o digital aumentam sua importância estratégica no setor, demandando novas competências e modelos organizacionais. Isso envolve o seu uso na criação de novos conceitos, o preparo e controle dos alimentos produzidos e distribuídos, a integração em todo o ecossistema de entregas, que vai dos fornecedores de produtos aos operadores e até a entrega via delivery. E envolve também a operação com o início do uso de robots no preparo e serviço. Sem esquecer os novos conceitos de operações com menos pessoas e autosserviço, seja no atendimento por meio de totens ou até mesmo, de forma mais ambiciosa, em conceitos similares ao Wow Bao, onde toda a frente da loja é operada sem participação de pessoas.
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O pick up, ou seja, buscar o alimento pronto e encomendado em crescente escala via digital, aumenta também de importância, em nível bem inferior ao do delivery, mas altera a operação, layout e processos da loja. Tudo isso determina novos conceitos e formatos para contemplar essa realidade que envolve as redes tradicionais de alimentos, como Whole Foods, Mariannos e Wegmans que revisaram seus modelos para incluir operações integradas de food service e até bares em suas lojas para se ajustarem às transformações que acontecem no setor.
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A experiência positiva, surpreendente e sem fricção torna-se cada vez mais o desafio dos operadores e envolve toda a cadeia de valor, pois superar, ou simplesmente atender, expectativas dos consumidores com crescentes níveis de demanda e uma competição transversal amplificada pelo aumento constante da oferta, exige modelos de negócios mais leves, ágeis, inovadores e criativos, porém, em tudo orientados pela excelência na execução, e essa constatação parece ser uma consciência coletiva.
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Nesse cenário desenhado, que envolve da inovação dos produtos à operação de lojas e a entrega própria ou por intermédio de terceiros, com constante e ampliado uso de tecnologia e instrumentos digitais, onde a experiência positiva é ponto fundamental na equação de sucesso, o fator humano continua a ser o maior desafio e o mais importante ativo a ser desenvolvido. Muda o comportamento da demanda, amplia-se a concorrência, incorpora-se mais tecnologia em busca de racionalidade, confiabilidade e menores custos, mais experiência é demandada, mas, o fator crítico continua a ser o talento humano para estabelecer a verdadeira diferenciação.
Por tudo isso, não deixa de ser surpreendente como os dirigentes dos setores de hiper e supermercados do Brasil, e em parte os da conveniência, optaram por se manter distantes dessa realidade, pois de toda a delegação brasileira presente no evento, que reuniu perto de 200 participantes, nenhum representante desses setores participou do encontro e das discussões.
Para a indústria brasileira de alimentos e bebidas, o food service representa, em média, 25% do total de seus negócios no mercado interno, com clara perspectiva de crescimento nos próximos anos, o que faz com que crescente interesse seja dedicado à evolução do setor.
Sem dúvida, muitas oportunidades e desafios à frente.
Por Marcos Gouvêa de Souza.