O cenário de fidelização no Brasil costuma ser reconhecido como promissor, considerando o seu potencial de crescimento em comparação com mercados estrangeiros.
Contudo, também é legítimo afirmar que saímos da adolescência. Os programas de fidelidade chegaram ao Brasil há algumas décadas, e, com isso, a premissa “pontue e resgate” é frequente no cotidiano de grande parte da população.
Sim, essa é uma informação positiva, mas é preciso entender que este comportamento também tende a deixar um legado, na verdade, até mais que isso.
A forma como as empresas têm planejado suas estratégias de fidelização ocasionou o surgimento de “um monstrinho”.
Segundo pesquisa encomendada pelo Tudo Sobre Incentivos à Opinion Box, 59% dos brasileiros que participaram ativamente de programas de fidelidade no último ano afirmaram que resgatar recompensas é a característica que causa a sensação mais positiva em um programa.
Esse número é seguido pela alavanca “Somar pontos” (36,6%) e “Obter cashback” (35,9%). Considerando que esses são os principais formatos apresentados pelo mercado, é normal que o consumidor esteja sempre ávido por novas recompensas, logo, eis “o monstrinho”.
Uma questão que pesa sobre o tema é o que eu costumo chamar de “Equação Investimento x Fidelidade”. Essa equação é a representação que determina quanto uma empresa deve ou pode investir para manter um cliente fiel à marca.
É um tanto óbvio que se o investimento estiver em uma constante, em determinado momento “a conta não vai fechar”. E isso é comum no mercado. Se hoje uma marca oferece 100 pontos com intuito de fidelizar um cliente, mas o concorrente amanhã oferece 150, não é difícil prever o comportamento do consumidor.
Quando o participante é educado a ser fiel a “quem oferecer mais pontos”, o mercado de fidelização se torna refém de uma lógica pouco eficaz.
Outro ponto relevante é que modelos de programas de coalizão fizeram tanto sucesso que os consumidores começaram a acreditar que ponto é apenas mais uma forma de dizer “dinheiro”, afastando a fidelização de seu objetivo maior, o relacionamento.
Pensando exatamente neste ponto e entendendo que o mercado precisa evoluir, separei alguns insights e tendências para o planejamento de suas estratégias de fidelização para 2020.
O reconhecimento pode ser um grande aliado da sustentabilidade
Ainda citando dados da mesma pesquisa, 79,1% dos participantes afirmaram que o reconhecimento, ou seja, a habilidade de uma marca fazer com que o consumidor se sinta especial, é uma característica fundamental em um programa de fidelidade.
Contudo, 54% destes também afirmaram que se sentiram reconhecidos apenas uma ou nenhuma vez nos últimos 12 meses.
O reconhecimento é muito mais estratégico que custoso. Grandes empresas já têm as suas estratégias de comunicação, de customer experience, de user experience, de fidelização, etc.
Muitas vezes o que falta é a integração dessas áreas em prol de uma excelente experiência, que aqui significa o conjunto de interações que o participante tem com o programa ou com a marca. É a personalização oferecida nessas interações que refletirá na sensação de reconhecimento, e, consequentemente, no quanto o cliente está disposto a ser leal.
Comportamento on-line, o erro costuma estar no excesso de certeza
Ao final deste ano, teremos 420 milhões de dispositivos digitais no Brasil. São 264 milhões de telefones móveis ativos, sendo 230 milhões de smartphones.
Dois em cada três brasileiros possuem celulares com acesso à internet. Com estes dados, é só sentar e aguardar o frenesi do mobile first e do “todo o mundo tem um smartphone, vou criar um app para o meu programa de fidelidade”. Calma.
Não estou duvidando dos dados acima, apenas acrescentando uma camada de informação. Segundo dados da Pesquisa de Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) de 2018, apenas 12% da população adulta brasileira é alfabetizada em nível proficiente.
Agora pense em quantas pessoas você conhece que só usam aplicativos de mensagens instantâneas e não são capazes de se expressar por escrito, mandam apenas áudios; quantas pessoas no Brasil têm acesso à internet de alta velocidade; quantos têm pacote de dados suficiente para baixar um app; quantos têm aparelhos com memória (espaço) para baixar um app não essencial; quantos entendem como é o processo de baixar um aplicativo ou de resgatar uma recompensa pelo celular.
Converse com um UX designer. Ele vai lhe dizer que quando está desenhando os pontos de interação com o usuário em ambientes digitais (sites, aplicativos, por exemplo), ele pensa no avô, na avó, na pessoa com maior dificuldade para utilizar tecnologia.
Se ficar óbvio o suficiente para essa pessoa, então o design está amigável. Precisamos lembrar do quão diverso e complexo é o nosso País.
Agora usando dados contra dados, Black Friday, Brasil, 2019. 69,8% das compras que foram fechadas aconteceram via desktop, independente do canal utilizado para fazer a pesquisa de preço.
Podemos dizer que na hora de “bater o martelo”, os brasileiros ainda se sentem mais seguros usando o computador.
Isso tudo significa que o pensamento precisa ser sempre estratégico. Nunca genérico. SMS funciona, mensagem push funciona, e-mail funciona, celular funciona, computador também funciona.
Tudo vai depender do que é relevante para cada público e da experiência que o programa de fidelidade precisa oferecer ao participante.
Transparência sempre, e agora mais do que nunca
Se o jeito como o consumidor está se comportando está mudando, seja na forma como adquire informações de produtos e serviços ou na comunicação com as próprias marcas, transparência se tornou essencial.
Não há mais espaço para programas de fidelidade com regulamentos extensos e linguagem inacessível.
Em especial, a partir de agosto de 2020, quando entra em vigor no Brasil a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), o consumidor será cada vez mais empoderado do direito sobre as suas informações.
O já clichê “dados são o novo petróleo” pode ganhar uma nova conotação. Petróleo é tão valioso quanto difícil de conseguir. Se as pessoas começarem a clicar na caixinha “não quero compartilhar meus dados”, as marcas terão dificuldade em oferecer ações personalizadas.
Então, além de toda a corrida que existe em torno da adequação à LGPD, há também uma disputa criativa sobre como colocar o consumidor do seu lado.
As fintechs saíram na frente no quesito facilidade e transparência. Algumas delas estão – sabiamente – utilizando a “transparência” como uma moeda de relacionamento. O mercado da fidelização não sobrevive sem dados, sem a confiança do participante.
O último a se adequar e a usar esta moeda poderá sofrer danos irreparáveis.