Em-agosto de 2021, Tariq Fancy, ex-CIO de investimentos sustentáveis da BlackRock, escreveu “O diário secreto de um ‘investidor sustentável”. Dividido em 3 breves textos, o “diário” alerta sobre os perigos por trás da ESG utilizada como discurso vazio e são recheados de críticas ácidas sobre como os investidores têm utilizado o discurso “com propósito” para camuflar “atividades decididamente não-verdes como suas outras fontes de financiamento”.
As palavras de Fancy talvez não sejam novidade para muitos do setor, assim como o greenwashing é um velho conhecido. Então, por quê trazer este texto agora?
A resposta é até simples. Se em 2021 falamos bastante sobre ESG, em 2022 falaremos o dobro. Ver um profissional com o currículo de Tariq Fancy levantando o alerta sobre o uso do Environmental, Social and Governance (ESG, sigla em inglês) como discurso de investimento é um bom lembrete para começar o ano.
Antes de mais nada vamos as apresentação: Tariq Fancy foi diretor de investimentos sustentáveis da BlackRock, considerada uma das maiores gestoras de ativos do mundo; regularmente faz comentários para o Financial Post e fundou a The Rumie Initiative, organização sem fins lucrativos que visa educar crianças de comunidades carentes usando tecnologia acessível.
Voltando ao “diário secreto”, Fancy divide os artigos em 3 partes: I. Como funciona o sistema; II. Por que não podemos confiar no “bom espírito esportivo” e III. O perigo dos contos de fadas.
A segunda parte, uma das mais “quentes”, diz que “os gerentes de portfólios querem apenas passar no ‘teste ESG’ e seguir em frente”, ou seja, os investidores só se preocupam com o propósito se isso significar mais rendimentos, do contrário, é apenas mais uma “barreira” que eles desejam transpor e seguir em frente, independente do impacto.
Casos como os do Bradesco e do Spoleto ilustram esta tese de Fancy. O banco veiculou um comercial criado pela Leo Burnett Tailor Made, que abordava uma nova funcionalidade no app do banco: uma calculadora de carbono. O filme era parte da campanha “Transforme o futuro”. A rede de fast food promoveu a ‘Segunda sem carne’. O texto dizia que “Com um dia sem carne você economiza: 3,4 mil litros de água; 14 kg de Co2 na atmosfera; 24 m² de terras desmatadas”.
O projeto visava atender objetivos ESG mas o desdobramento causou polêmica. As influenciadoras do perfil @verdesmarias, no Instagram, davam duas dicas para minimizar o impacto ambiental: reduzir o consumo de carne, aderindo à Segunda sem Carne – movimento que não é novo, nem foi criado no Brasil, mas tem ganhado força globalmente – e compostar o lixo orgânico. E uma dica “extra”, que era justamente o uso do app Bradesco que permite ao usuário calcular a quantidade de carbono que emite e compensar no aplicativo.
Por sua vez, Fancy usa exemplos americanos e afirma que “exortações ao bom espírito esportivo não convencerão a Exxon a abrir mão voluntariamente do potencial de lucro de curto prazo da extração de combustíveis fósseis; ou fará o Facebook (Meta) a parar de usar dados e algoritmos para vender anúncios, criando comportamentos viciantes que prejudicam a saúde mental dos jovens; ou o Walmart e o McDonald’s pararem de pagar tão pouco a seus funcionários, onde grande parte precisa do apoio do governo para alimentar as suas famílias.”
Ele ainda completa, “o objetivo deste ensaio é comunicar claramente a extrema necessidade de uma ação governamental urgente para resolver problemas sistêmicos […] nossa experiência com o COVID-19 fornece um modelo útil de ação com relação à crise climática: aplainar a curva com uma das mãos e montar um plano de fuga com a outra. […] É hora de aceitar que há nove palavras [em inglês] que precisamos ouvir, porque só podemos construir um futuro sustentável quando não tivermos mais medo de ouvi-las: ‘Sou do governo e estou aqui para ajudar’.” Sim, segundo Fancy, a solução para os impactos ambientais precisam vir do setor público para o privado, o problema é que nem sempre isso funciona.
ESG tem de começar num processo de cultura interna. Não adianta ter um discurso para fora e dentro as pessoas não conhecerem o posicionamento. Começa com um processo de aculturamento interno, para depois ir para campanhas, marca e marketing, senão, o tiro sai pela culatra”, argumenta.
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