Meu pai é engenheiro, civil e eletricista. Quando eu era criança, costumava acompanhá-lo nas obras e em suas sessões de conserto de coisas, o que me deu uma boa oportunidade de observar e aprender sobre diversas ferramentas.
Uma que sempre mereceu minha especial admiração foi o alicate.
Com suas garras articuladas, o alicate é uma das ferramentas mais versáteis: serve para multiplicar a força aplicada pelo usuário sobre o objeto, segurar, apertar, desapertar, cortar e dobrar metais, desencapar fios…
Porém, pessoas mais criativas rapidamente descobrem outras funções para o alicate. Uma delas é, justamente, a de bater pregos.
Mas o alicate não nasceu pra bater pregos. Isso é função do martelo, que amplifica e transfere para a cabeça, a força aplicada no cabo: ao golpear o alvo – o prego, no caso – a energia gerada pelo movimento é aproveitada da melhor maneira possível (explicação mais precisa pode ser dada por especialistas em Física, o que não é o meu caso).
O alicate é tão versátil que, no limite, pode ser usado até para apertar parafusos. Mas não é pra isso que ele foi inventado. Esse é um papel que deve ser desempenhado pela chave de fenda.
Ou seja, cada ferramenta tem a sua finalidade. E, a menos que você não possa investir num kit de ferramentas, usar o alicate para fazer todas as tarefas não é o mais indicado.
No mundo da Comunicação isso também acaba acontecendo: de tempos em tempos nota-se uma tendência de se usar a mesma ferramenta para desempenhar diversas tarefas. Isso tem acontecido, atualmente, com o Digital.
Apesar da nossa caixa de ferramentas de Comunicação ter diversos recursos, o Digital virou alicate: sendo a ferramenta maravilhosa que é, tem sido usada não só para as tarefas às quais melhor se adequa, mas também, muitas vezes, como se fosse a única disponível.
Às vezes o briefing já pede uma ação digital, e, independente dele, há uma predisposição para imediatamente usar o alicate e resolver a questão, antes mesmo de avaliar qual é a real necessidade daquela estratégia de comunicação.
Muitas vezes, sem pensar que a melhor solução para aquele caso específico seria usar o martelo, a chave de fenda, a chave inglesa. Ou até mesmo o alicate, junto com outras ferramentas.
Um ótimo exemplo está no mundo do live marketing: dependendo dos objetivos de comunicação, esse marketing ao vivo pode, muitas vezes até deve, contar com o apoio do Digital, mas não pode ser simplesmente substituído por ele.
Entre outras características, o live marketing serve para trabalhar ativamente os cinco sentidos. E o Digital atualmente não cumpre – e dificilmente cumprirá – o papel de provocá-los, especialmente quando consideramos tato, olfato e paladar.
Por mais que um show seja transmitido ao vivo, em streaming de alta definição de som e imagem, a emoção de participar presencialmente do espetáculo não tem como ser substituída. Nem a participação do público nas ações de ativação que acontecerem naquele ambiente.
Da mesma forma, uma degustação de produto no ponto de venda não pode ser feita à distância, virtualmente. Promotores, consumidores e produtos precisam estar fisicamente no mesmo local.
Mesmo que a tecnologia do Digital permita a interação em tempo real, o olho no olho presencial é mais eficaz que o olho no olho virtual. A proximidade e interação entre as pessoas e entre as pessoas e as marcas tem o poder de fortalecer os relacionamentos de uma maneira que o Digital ainda não faz.
Por outro lado, considerando seu potencial de alcance, influência e reverberação, o Digital pode ser um grande aliado das ações de live marketing. Pessoas compartilhando suas experiências reais podem ter um alcance virtual enorme, mobilizando ainda mais pessoas para se relacionarem entre si e com as marcas.
Temos diversas ferramentas à disposição em nosso kit. A questão é que muitas vezes estamos decidindo a que será usada antes mesmo de avaliar o desafio de comunicação. Antes de escolher o alicate, precisamos entender a tarefa. Porque, às vezes, precisamos também do martelo.