“Bom dia a todos, a todas e a todxs. Oi, eu sou o Amanda. E eu sou a Fernando”.
Caos na Língua Portuguesa! De uma hora para outra, a nossa Língua pátria ficou confusa.
Tudo aquilo que a gente sabia de concordância entre artigos e gêneros, nomes femininos e masculinos e inclusive os pronomes substantivos indefinidos (como todos e todas) entraram em profundos questionamentos.
Apesar de cada vez mais presentes, estas novas formas de expressão geram estranheza em muitas pessoas, contrariam a gramática vigente, levantam muitos comentários, são sinal de polêmica (e aqui estou eu cutucando uma…) e apesar de tentarem mostrar um alinhamento com os movimentos relacionados à diversidade e o respeito às mais diversas opções, principalmente a de gênero, expõem também infelizmente uma falta de respeito aos que escolhem ou não usá-las.
Vamos então dividir em 2 partes este também chamado “artigo” e vamos falar primeiro que, recentemente, participei de um encontro sobre diversidade – uma pauta extremamente importante hoje e para o futuro.
Fui então apresentado para um(a) trans (viram que aqui já começaram as dúvidas?). Aliás, só para deixar claro e de uma forma muito simples e leiga: transgênero ou trans são as pessoas que optaram por um gênero diferente do sexo físico que nasceram, enquanto que os sisgênero ou sis são aqueles que adotaram seu sexo físico de nascimento como gênero também.
Bom, voltando à história: e ao se apresentar, falou: “Sou o Amanda” (nome fictício). De pronto achei estranho a forma de “autodefinição”, que também podemos ver claramente quando “a Pablo Vittar” também se autodenomina e que eu não sei se devo chamar de a cantora ou o cantora.
Tudo soa ruidoso para quem sempre se preocupou em conjugar verbos corretamente, fazer as devidas associações, conexões e usar da forma certa os artigos, adjetivos, pronomes e substantivos.
E mesmo sabendo que a explicação para isso é legítima: deixar claro a sua opção e corajosamente se posicionar em um mundo onde as classificações ainda se fazem necessárias e ironicamente também são um dos pontos onde se escondem os maiores preconceitos.
E tudo isso é ainda mais louco quando sabemos que a própria definição de trans e a sua sigla LGBTQ+ abarca mais de 40 tipos diferentes de expressões de gênero e isso é incrível por mostrar o quanto realmente somos diversos. Isto significa também que num mundo onde a gente está tentando eliminar distinções, ainda é necessário que elas existam.
Mas ao mesmo tempo eu me pergunto se não seria então melhor abolir qualquer tipo de artigo, como alguns Estados do Nordeste fazem (chamem Amanda, cadê Antonio?…) dando assim uma dimensão mais realista e mais inclusiva aos nomes próprios e deixando de valorizar tanto se o estamos tratando no masculino ou no feminino. Afinal, penso que na diversidade, nada disso é relevante: o mais importante são as pessoas e o respeito às suas escolhas. Os rótulos, títulos e inclusive os artigos me parecem fadados ao passado.
E se mesmo assim você prefere usar o artigo para o fortalecimento de sua posição e opção, tá tudo certo! É uma opção não só válida, como legítima e coerente com o conceito diverso de que “Somos o que somos e do jeito que somos”.
Mas ao meu ver, também não cabe questionar quem não faz o uso, pelo mesmo fato diverso de que precisamos também respeitar as pessoas como são, inclusive com opiniões e decisões diferentes das nossas.
Com isso chegamos ao segundo ponto polêmico: A questão de trocar a letra “a” ou “o” pela letra x, também no sentido de dar um sentido mais amplo à palavra e não associá-la ou direcioná-la a uma definição “pressuposta” de masculino e feminino.
Bom, aí a coisa pega, pois apesar de ser um uso também corrente de quem se mostra preocupado com a questão de gênero e sinal claro de que você faz parte deste contingente enorme de quem se importa com a questão, não podemos achar que apenas quem coloca x numa frase tem em seu mindset uma preocupação legítima com estas causas. Isso seria, no mínimo, excludente.
Primeiramente e mais uma vez por incrível que pareça, quando eliminamos o “todos” e “todas” estamos simplesmente eliminando não uma palavra feminina ou masculina (e acredito que não é por terminar em a ou o que estamos escolhendo um destes lados), mas talvez a palavra que tem mais intenção de ser neutra e falar com todo mundo que existe na nossa Língua.
Além do mais, pensar apenas que a letra “o” é masculina e que letra “a” é feminina é pensar muito curto e a gente é mais inteligente do que isso.
Parece que de uma hora para outra “todos os presentes” ou “todas as pessoas” ou “todos vocês” ou “todas as almas vivas que se encontram nesta sala”, não se aplicam mais e muita gente passou a usar um x para designar o gênero que cada um escolheu para si, mesmo quando a frase busca um sentido genérico e não pessoal. Mas será que isso faz tanto sentido assim?
Polêmica à vista, mas também várias reflexões e basta dar uma pesquisada na internet, para ver que isso não é um consenso, até mesmo em sites relacionados ao empoderamento feminino e de defesa dos direitos legítimos de gênero, há comentários que questionam o uso do x. Seria ele uma “Nova língua do P” ou realmente uma necessidade?
Um deles inclusive ressalta o fato de “Ser impronunciável e portando inaplicável à linguagem falada; que não é inclusivo para deficientes visuais e auditivos; que não é passível de ser utilizado fora da bolha digital, portanto elitista; que atrapalha os dislexos e quem têm dificuldade de leitura e que não resolve o problema de sexismo na linguagem porque não mexe na sua estrutura”.
Ressaltando ainda que “Escrever com x não é uma linguagem neutra”. O que você acha disso?
Sugere por fim – e advinhem onde eles chegaram? – Eliminar também o artigo, no plural. Exemplo: em lugar de os jornalistas ou as nutricionistas, usar “O jogador respondeu às perguntas feitas por jornalistas” e “Nutricionistas recomendam a prática de exercícios físicos”. Parece simples, né?! E é.
Para terminar tantos questionamentos, fica ainda o lado irônico de eu estar terminando este artigo e pregando justamente o desapego dos artigos, mas assim é o Português: uma Língua onde nem sempre falamos o que queremos dizer e nem sempre ouvimos do jeito que a coisa foi dita, além de várias palavras ainda terem vários sentidos.
Seja com “a” ou com “o”, é importante pensarmos o quanto a Língua falada, principalmente a coloquial e de uso no dia a dia, transmitem informações importantes sobre como estamos pensando e que intenções temos por trás disso.
Usar alguns termos pode ser a senha secreta para fazer parte de um grupo ou ser aceito como parte de um todo, mas não podem ser aceitas como uma condição imprescindível para quem pensa de um jeito ou de outro.
Definitivamente “Qualquer pessoa pode falar sobre diversidade”, seja ela quem for e usando o linguajar que ela achar por bem usar.
Este texto é uma homenagem a todos aqueles que primam pelas palavras e o bom uso da nossa Língua, fazendo isso de uma maneira brilhante.
Em especial um grande abraço ao amigo e mestre Tony Coelho por mais um ano de vida nos brindando com seus incríveis textos e reflexões.
Um outro abraço e meus parabéns também ao amigo Ronaldo Ferreira Jr., da Agência um.a – que foi considerada uma das “Empresas Destaque PME” no Fórum Diversidade Exame & Instituto Ethos 2019.
Mais do que palavras ou letras, eles mostram realmente aquilo que é o mais importante: Saber como entender qual é o X da questão!
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