Experiência de Marca

Beba-me, disse a garrafa...

Segundo a doutora e livre docente (USP) e docente e orientadora (Mestrado ESPM) Maria Aparecida Baccega, conforme citado na obra “Comunicação e Culturas do Consumo” (2008), há caminhos: “Consumir por necessidade, por desejo e vontade. Ou, na outra ponta, do iceberg, consumir por compulsão, por ansiedade. A escolha é, sim, de cada um de nós.”

Marina Pechlivanis*

Beba-me, disse a garrafa. Coma-me, disse o bolo. E Alice obedeceu

“A sociedade está se transformando em mercado, e o mercado em protagonista da mundialização. Logo, os meios de comunicação constituem hoje espaços-chave de condensação e intersecção de múltiplas redes de poder e de produção cultural.”

Jésus Martín-Barbero (1998)

Por que consumimos?

Por que queremos? Por que nos mandam?

Segundo a doutora e livre docente (USP) e docente e orientadora (Mestrado ESPM) Maria Aparecida Baccega, conforme citado na obra “Comunicação e Culturas do Consumo” (2008), há caminhos: “Consumir por necessidade, por desejo e vontade. Ou, na outra ponta, do iceberg, consumir por compulsão, por ansiedade. A escolha é, sim, de cada um de nós.”

Vivemos de trocas. Com nós mesmos, com o meio, com o próximo.

A mídia disponibiliza informações sobre estas trocas e nos sentimos imbuídos a consumi-las em forma de produtos, de experiências, de sensações. Ingerindo materialidades ou absorvendo imagens de uma certa composição de mundo com o qual interagimos.

“Talvez ingenuamente” — pontua Baccega — “, talvez infantilizados em excesso, aos nossos corpos colocamos a função de suportes de satisfação a qualquer preço. Não só uma erotização, não apenas uma estetização absoluta e sem critérios, caberia aos corpos neste processo — se o assumirmos de modo irrefletido e tolamente hedonista — a função de porta-vozes e suportes das linguagens do consumo: um prazer na consumação.”

Falando em consumação, por que participamos?

Julgamos vantajoso?

Ou são as vantagens que nos julgam?

Conjuguemos então, para melhor entender a questão.

A primeira abordagem pode ser no presente (“Quem é seu personagem favorito…”), no infinitivo: (“Por que você quer assistir a…”; “Quer concorrer a um…”), ou no futuro do pretérito: (“Quem você convidaria para tomar um chá com você? Por que?).

http://mundooi2.oi.com.br//materia_servicos_141/94726_Alice_no_Pais_das_Maravilhas.html

Mas o apelo sempre é no imperativo.

Participe. Inscreva-se agora. Consulte. Verifique. Faça o login. Cadastre-se. Venha. Não perca a oportunidade. Não perca tempo. Envie para. Leia o regulamento. Clique aqui. Lembre-se. Elabore. Responda. Crie. Concorra. Siga o twitter.

Motivou-se com as ordens? Definitivamente quer ver a Alice? Então decida-se.

Apenas ingressos:

http://omelete.com.br/promocao/promocao-alice-no-pais-das-maravilhas/

Aqui, valendo ingressos e camisetas.

http://promocoes.globo.com/Promocao/0,,GLP2830-7749,00.html

Para quem quer camiseta, boné, bloco, baralho, mouse pad, relógio, chaveiro…

http://entretenimento.r7.com/promocoes/todas-as-promocoes/alice-no-pais-das-maravilhas.html

Neste caso, valendo apenas para os seguidores da marca no Twitter:

http://www.iguatemiportoalegre.com.br/blog/?p=189

(Aproveite e veja o figurino do filme já transformado em tendência de moda — uma perfeita venda casada: “participe aqui e compre acolá”)

http://www.iguatemiportoalegre.com.br/blog/?p=364

Oras, oras, a adesão é sempre uma substantivação afirmativa.

Como em “fiz a minha inscrição”; “confirmei a minha participação.

Ou um gerúndio, na linha “estou participando”.

E nessa de “ando, endo, indo” é que fui de chapeleira maluca em uma promoção — de graça até injeção…— por acaso. Sem estes imperativos todos. Comprei um livro de Alice traduzido por Nicolau Sevcenko (por conta do tradutor) e a livraria me presenteou com ingressos (não visivelmente anunciados) para a Pré-Estréia do filme. Mais que um gift, uma dádiva inesperada.

Ótimo. Para o feriado — pensei — um bom programa em família. Não fosse às 2 horas da manhã. Racionalmente, ainda mais para algo que ficará em cartaz e depois tornar-se-á DVD, a ida não se faria necessária.

Mas quem não cede ao grátis?

Ao gifting? Ao sistema de trocas e de vantagens? À exposição de méritos, conquistas, distintivos?

Então vem o passado perfeito.

Conjugado com glória.

Eu fui. Eu vi. Eu ganhei.

Vini, vidi, vici.

O que explica isso?

O fato de existir uma permanente reconformação de novos hábitos de consumo, multiplicados com a devida freqüência e cobertura, propondo a degustação de novas experiências para a sociedade. Pois ao lado da indústria, que reproduz a matéria com suas receitas e fórmulas e as distribui em logística mundializada, estão os gostos. “Uma forma de dominação”, diria Pierre Bourdieu (2003), referindo-se à ideologia destes gostos que são socialmente construídos.

Acorda, Alice.

Este país das maravilhas está repleto de possibilidades esperando para serem promocionadas. Por que as pessoas realmente gostam disso. Ou melhor, passaram a precisar disso — julguem os doutos da psique da forma como quiserem.

Já dizia o coelho: “Ai, ai, meu Deus. É tarde, é tarde, é tarde!”.

Marina Pechlivanis é socia-diretora da Umbigo do Mundo, Mestre em Comunicação e Consumo pela ESPM e integante do GEA (Grupo de Estudos Acadêmicos) da AMPRO. Palestrou no Festival de Cannes/Promo Lions 2008 lançando o conceito “Gifting”, e é coautora do livro “Gifting” (Campus Elsevier/2009).