Experiência de Marca

Benê, o filme. Dezembro de 1992

A rotina do escritório fazia com que eu me preocupasse.

Era um dia comum para mim.

A rotina do escritório fazia com que eu me preocupasse.

Nenhuma emoção.

Nada para se divertir.

Aí toca o telefone: Luiz sobe rapidinho. Roberto quer falar contigo.

Fiquei calmo pois, mesmo sendo o presidente da empresa chamando, a última vez que isso aconteceu era para tomar um sorvete com ele???

Aff.

Mas, apesar de ser uma fria, não era dessas de saborear.

Luiz, quero que você faça um filme pro Benê.

 Ele está se despedindo da empresa e quero fazer uma homenagem a ele.

Quero contar alguma coisa da vida dele, alguns fatos, sei lá.

Se vira.

Certo.

E essa encrenca é pra quando?

Vai haver um jantar no encerramento do nosso evento anual.

Vou apresentar neste dia.

Certo.

E isto, seria quando?

Daqui a três dias.

Mas, quem tem o texto? Fotos? As histórias?

Ninguém.

Foi por isso que te chamei.

E então, temos 3 dias para fazer tudo?

Claro.

É bastante tempo.

Bem, disse, acho melhor ir saindo antes que isso piore.

Tchau.

Até daqui a 3 dias.

Luiz, mais uma coisa…Cuidado, pois você vai descobrir alguns fatos interessantes.

Muita cautela ao abordar estes assuntos.

Tô saindo. Está cada vez pior.

Mais um detalhe: ele foi preso na revolução de 64.

Certo, e nos últimos anos, é um executivo.

Sensacional.

Tchau presidente.

Ato contínuo, usando o meu celular tijolão, marquei com uma produtora para sairmos em campo e tentarmos escrever a história, achar as imagens, abrir câmera para o que fosse necessário e editar o filme.

Pelo nosso cronograma, se tudo desse certo, teríamos o produto final, 3 horas antes da exibição para o nosso homenageado.

E, claro, ele não poderia nem desconfiar.

Montamos 3 equipes. Uma foi para a cidade onde ele nasceu, ver o que achava.

A segunda, para São Paulo. Tinha história lá.

E a terceira, no Rio de Janeiro. Uma história parecida.

Começou o corre-corre.

A produtora montou também um desk, para centralizar todas as informações apuradas, e a partir daí começamos a definir o texto de narrativa.

Costumo dizer que quem trabalha com o que fazemos, costuma ter mais sorte do que juízo.

E isto se comprovava mais uma vez.

Na Bahia, conseguimos achar tias, parentes, a professora, a babá, o vigário da igreja. Todos muito velhinhos, mas com uma lembrança viva do Benê criança.

Estava ficando emocionante.

Principalmente se desse tempo…

As cenas que gravamos ficaram lindas.

Os depoimentos, emocionantes.

As famílias colaboraram muito.

E um dos filhos entregou o pai: quando tem corrida, ele adora quando o Alain Prost vence.

Pesquisamos nos arquivos dos jornais cariocas e paulistas e achamos matérias que citavam o nosso personagem, inclusive com fotos e charges da época.

E numa delas ele aparecia preso.

As entrevistas com os familiares também foram ótimas.

Todos falando dele com muito carinho e com recordações bem-humoradas.

O draft do roteiro estava pronto.

Agora era decupar o material, escolher a trilha, quem iria narrar e começar a colocar o filme de pé.

Tínhamos um texto brilhante, material de entrevistas riquíssimo e começávamos a acreditar que o produto final seria muito bom.

Viramos 3 dias editando o filme.

Naquela época, não tínhamos um sistema digital para isso.

Era na mão.

Na base do preview para cada cena e efeito.

E chegou o dia.

Saí da produtora, com um monstro na mão e fui atrás do chefe.

Levei um tempo, mas achei.

Precisava mostrar a ele.

Não acreditei no que presenciei.

Ele ficou muito emocionado, e disse: providencia um médico, pois o cara não vai aguentar.

Só deu tempo de ir em casa trocar de roupa e ir para o local onde seria então exibido o filme.

A cópia para exibição chegou com uns 90 minutos de antecedência.

Vamos dar uma última espiada, disse.

Juízo e sorte, lembram?

Na cena que contava sua atividade na UNE e que acabou preso, havia uma imagem de uma charge em que o dono da empresa, já falecido, mas não importava, afirmava: tem que prender todos estes inúteis. Inclusive o Benê.

Gelei.

Não podíamos apresentar isso. E esta charge havia entrado para fazer uma passagem de assunto.

Vamos ter que alterar.

Quase arranquei os cabelos.

Mas vamos até o final.

Ainda bem.

Alguns frames depois, havia a entrevista que dizia: “Papai adora quando o Prost ganha do Senna.”

A esta altura, eu já havia virado uma pergunta com resposta em múltipla escolha:

Luiz será demitido pelo:

  • Dono da empresa
  • Pelo VP de marketing
  • Pelo presidente
  • Pelo fato do Senna ser um dos convidados
  • Todas as respostas acima.

Descobri que o Senna, em pessoa, estaria no jantar.

E estava.

Virei pra turma e disse: operação de emergência.

Precisamos ir para a ilha de edição e mexer nestes dois pontos.

Puta discussão.

Não dá, não dá.

Ferrou.

Tá louco.

Parou galera. Preciso ficar vivo!!!

Gente, estamos perdendo tempo.

Sai correndo aí.

Manda fazer.

Vou ganhar mais 2 horas.

Como? Me perguntaram.

Eu me viro.

Vamos apresentar o filme no final do jantar.

Depois da sobremesa.

Só tinha um problema: combinar com os russos.

Aguardei nosso presidente chegar, na porta, e, assim que ele apareceu, peguei-o pelo braço, e dei a notícia: não ficou pronto . Vamos passar no final do jantar.

Sorte minha que antes que ele esboçasse qualquer reação, alguém já tinha solicitado a presença dele em uma rodinha.

Terminou o jantar.

Estava com o filme no ponto pra soltar, mas havia mais um pequeno problema; por causa da correria e pelo fato de não haver outro equipamento disponível, não conseguimos conferir se estava tudo feito corretamente.

Íamos dar play sem conferir.

E com o c_ na mão….

Um pequeno discurso do presidente.

Ele pede que o Benê sente ao lado dele para ver o filme.

Play.

Que puta sufoco.

Foram 8 longos minutos.

Ao final, todos estavam superemocionados.

Nosso homenageado, muito feliz.

E o filme com tudo no lugar, sem problemas.

Fala-se que Deus protege os bêbados, os oprimidos, os mais fracos…eu acrescentaria: e, às vezes, os caras que se metem nestas encrencas.

Eu continuo achando que é mais sorte e completamente sem juízo.

Foi um dos momentos mais felizes de minha carreira.

Um simples filme do tipo: esta é a sua vida.

Mas, mais do que tudo, foi a felicidade de descobrir um ser humano apaixonante.

Até pouco tempo, Benê me ligava, pedindo cópias do filme, para enviar a algum parente ou amigo distante.

Pena que ele se foi abruptamente.

Será que lembrou de levar uma cópia do filme lá pra cima?