O Circuito Brasileiro de Surfe, que deveria ser a principal competição amadora da modalidade do País, não consegue atrair patrocinadores e atletas de elite.
Em meio a uma guerra política entre algumas das principais federações e a Confederação Brasileira de Surfe (CBS), o campeonato, cada vez mais esvaziado, tem etapas concentradas no Nordeste e mudanças de data a poucos dias do início das disputas.
“O Gabriel Medina, o Alejo Muniz, o Filipe Toledo, todos esses garotos eu vi competindo. O Campeonato Brasileiro amador formou esses jovens. Antigamente eles iam até a categoria júnior e depois começavam a correr o WQS, mas a geração do Brazilian Storm debandou no mirim porque estavam começando a acontecer esses problemas.”, diz Abílio Fernandes, presidente da Federação de Surfe do Estado do Rio de Janeiro (Feserj).
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Por um acordo entre as entidades filiadas à Confederação Brasileira de Surfe (CBS), o circuito nacional deveria ter quatro etapas anuais: uma no Sudeste, uma no Sul e duas no Nordeste, região com maior número de Estados. Todas fora do período de alta temporada para diminuir os custos com transporte e hospedagem dos participantes.
Na prática, não é isto que acontece. No ano passado, por exemplo, o campeonato teve quatro eventos, três deles no Nordeste, base política do presidente Adalvo Argolo, e um no Norte. O primeiro, em Fortaleza (CE), e o último, em Cabo de Santo Agostinho (PE), ocorreram nos meses de janeiro e julho, respectivamente, ambos de alta temporada.
“Tudo isso estava escrito, mas se mudou sem nenhuma convocação. Uma entidade séria, pelo o que eu considero, não pode fazer isso. Bobo é quem vai atrás, e como bobo eu não sou, tiro meu time de campo.”, afirma Silvio da Silva, o Silvério, presidente da Federação Paulista de Surfe (FPSurf).
“Atleta de São Paulo pode participar, mas não fala que é daqui porque não quero nem que a bandeira apareça nesses eventos para não ficar feio para a gente. Cada um vai por conta própria.”, completa Silvio.
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Segundo o presidente da CBS, Adalvo Argolo, a falta de patrocínio impede que o antigo rodízio entre as regiões seja respeitado. Sem dinheiro para bancar a realização do Circuito, a entidade vende as etapas às federações estaduais, que buscam patrocinadores locais para custear o evento e aumentar suas fontes de renda.
“O Sul e o Sudeste priorizam os eventos profissionais, então não tem havido interesse por parte das federações da região.”, alegou o mandatário nacional. Em 2013, o Rio de Janeiro recebeu uma etapa do Circuito Brasileiro.
São Paulo foi o primeiro, mas já não é o único filiado que boicota o Circuito Brasileiro. Rio de Janeiro e Santa Catarina, insatisfeitos com a ausência de um calendário e com a administração da CBS, também pararam de enviar equipes.
Na prática, de acordo com o próprio Adalvo Argolo, ciente do encolhimento do circuito, apenas um Estado manda delegação. No Nordeste e no Norte, onde o presidente conta com apoio dos filiados, a falta de verbas é o que deixa os atletas longe das competições.
“Nas duas etapas desse ano, somente Pernambuco levou equipe completa. Os atletas dos outros Estados vão aleatoriamente porque as federações não possuem dinheiro para mandá-los. Antigamente, tínhamos o poder público para bancar. O Ceará costumava participar regularmente, mas mudou o partido responsável pelo esporte lá e agora estão com dificuldades.”, afirmou Argolo.
Diante do esvaziamento, as etapas, antes com três dias de duração (sexta-feira, sábado e domingo), passaram a ser promovidas apenas no final de semana. Sem muitos dos principais atletas do País, os eventos se tornam pouco atrativos a patrocinadores, já escassos por causa do investimento direcionado aos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro 2016.
“Não existe um Circuito Brasileiro em que valha a pena você investir para o seu atleta competir. E mesmo ele não quer ir porque é um evento que não atrai, ainda que seja seletiva para o Mundial. Os eventos de alto nível são o Circuito Paulista, o Circuito Catarinense, e o Circuito Carioca Sub-14, além dos promocionais.”, diz Luiz ‘Pinga’ Campos, empresário e técnico de atletas, além de ex diretor de marketing esportivo da Oakley.
A inexistência de um calendário nacional para toda a temporada também atrapalha atletas, patrocinadores e federações, que não conseguem se programar com antecedência para as competições.
A segunda etapa do Circuito Brasileiro deste ano, por exemplo, estava marcada para ocorrer de 3 a 5 de abril, em Salinópolis (PA). A uma semana do evento, a CBS remarcou seu início para o dia 17 do mês, o que gerou reclamações de pessoas que já tinham comprado passagens e se organizado para participar do evento na data inicial.
O restante do calendário da temporada ainda não foi nem sequer divulgado pela CBS, cujo site estava fora do ar até o começo de maio. As comunicações oficiais são feitas pela conta da entidade no Facebook.
A guerra entre os presidentes de algumas federações e o mandatário da CBS é pano de fundo no esvaziamento do Circuito Brasileiro. Fred Leite, por exemplo, era vice de Adalvo Argolo na entidade nacional, mas se desentendeu com o antigo aliado, e, atualmente, como responsável pela Federação Catarinense de Surfe (Fecasurf), milita na oposição.
“Ele acabou com um circuito que era bonito. Iam todas as federações representando seus Estados. Com o passar do tempo, foi perdendo a graça. Hoje o Circuito Brasileiro é um Circuito Nordestino. Agora tem meia dúzia de atletas, antes ficava uma lista de espera. Então quem está errado? Será que somos nós ou ele?”, questionou.
Adalvo Argolo conhece a insatisfação de algumas federações, mas acredita que os opositores deveriam apresentar propostas de melhorias ou trabalhar para criar opções, em vez de se ausentarem do circuito.
“Algumas alegam descontentamento, outras não estão pagando suas anuidades, nem mandando documentação da nova diretoria. Tem brigas de porque entrou, porque saiu, merecia, não merecia… A CBS sempre tenta ajudar, mas não pode interferir nas questões de cada Estado. Cada um deve buscar o seu melhor.”, disse.
A decadência do campeonato interno também influencia nos resultados brasileiros no Exterior, já que os atletas enviados às competições da Associação Internacional de Surfe (ISA) são selecionados pelo circuito local. Sem os melhores surfistas em seus próprios eventos, o País tem times mais fracos no Exterior.
A CBS tenta compensar o desnível com convites a competidores que não se classificam pela temporada nacional, mas é difícil encontrar algum que aceite arcar com os custos. A entidade não tem fundos para pagar a viagem dos atletas, obrigados a utilizar o próprio dinheiro ou apelar a patrocinadores pessoais para competir pelo País.
No Campeonato Mundial júnior de 2014, no Equador, o Brasil ficou na quinta colocação geral, apesar de ter sido campeão e vice do Sub-18 masculino com Luan Wood e Elivelton Santos, respectivamente. O País foi ao evento com dois atletas a menos do que as principais delegações.
Isso quando há equipe. Na última edição dos Jogos Mundiais da ISA, no Peru, evento que marcou a comemoração dos 50 anos da entidade, a CBS não enviou representante. Segundo Adalvo Argolo, porque no mesmo período havia competições do WQS em Santa Catarina e na Bahia.
“Nós temos atletas preparados desde a infância, e, em contrapartida, uma Confederação muito mal administrada. Alguns anos atrás disputávamos todos os títulos mundiais amadores. Agora vamos para ficar em quinto ou sexto porque os melhores atletas do país não competem no circuito amador.”, sentencia Pinga.