A aprovação, via Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet), do projeto de 2,8 milhões de reais inscrito por Pedro Lourenço para a realização de duas apresentações na Semana de Moda de Paris causou grande repercussão no cenário fashion nacional no dia 22/08.
Ao lado de Lourenço estão Alexandre Herchcovitch e Ronaldo Fraga, e eles formam o primeiro grupo de estilistas brasileiros a ter desfiles contemplados pelo mecanismo de renúncia fiscal – uma grande conquista para o setor, que vem batalhando por isso há anos.
“O diálogo começou ainda na gestão de Gilberto Gil”, lembra Fraga. “Ele foi o primeiro a entender que moda, assim como arquitetura e gastronomia, também é cultura. Hoje em dia, a cultura não fica apenas no museu. Assim como moda não significa só a roupa na vitrina.”
Em seguida, quando Juca Ferreira assumiu o MinC, o processo deu mais um passo, com a conquista de uma cadeira no conselho do ministério para um representante da moda, posto já ocupado pelo estilista mineiro, que ressalta: “Até aí tudo bem, mas quando assunto é dividir o bolo, é que a polêmica aparece”.
Com o projeto aprovado, Fraga terá direito a captar junto à iniciativa privada dois milhões de reais para realizar coleções que serão mostradas em São Paulo. Já Herchcovitch recebeu o incentivo de 2,6 milhões de reais para apresentar duas linhas em Nova York e na Capital paulista.
Para além da discussão se moda é ou não é arte e merece o benefício de uma lei de incentivo à cultura, o que parece ter causado o maior impacto nessa história foi a decisão de apoiar um projeto que não será realizado no Brasil – entre os três aprovados, o caso mais comentado foi, sem dúvida, o de Lourenço. Qual é, afinal, a contrapartida para a sociedade de uma iniciativa como essa?
Para responder essa questão, Fraga convida a viajar no tempo e no espaço até o Japão dos anos 1980. “A primeira vez que Kenzo Takada e Yohji Yamamoto se apresentaram em Paris foi graças à ajuda do governo japonês. Com esse incentivo, não apenas as marcas foram ‘vendidas’, mas sim um país inteiro.”
Cenário parecido foi vivido também na Bélgica nos anos 1990, segundo o estilista, quando o Estado passou a investir na moda e o país acabou se tornando referência na área e berço de nomes como Raf Simons, atual diretor criativo da Dior, e Anthony Vaccarello.
“Os países europeus têm a moda como uma forma de transmissão de seus legados às futuras gerações. Nossa ideia é que essa iniciativa possa fazer o mesmo pelo Brasil”, analisa o diretor superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel.
Por aqui, o cenário parece ainda mais complexo, pois nunca se consumiu tanta moda, e, ao mesmo tempo, a indústria está em crise por causa, principalmente, da concorrência com os produtos feitos na Ásia e da alta carga tributária, que torna o made in Brazil pouco competitivo no mercado global.
Mas o burburinho causado pela aprovação dos projetos de Lourenço, Herchcovitch e Fraga é interessante por si só, na medida em que pode incentivar outros estilistas e profissionais da área a mandarem bons trabalhos para o MinC.
“Durante os dois anos que fui conselheiro, não votei nenhum projeto de moda. Nossa classe é muito pouco articulada”, pondera Fraga. É impossível negar também que uma porta foi aberta por esse trio de designers. Para o Brasil ou para o mundo, tanto faz. “O importante é que cada vez mais a moda possa ser vista como um instrumento de comunicação e de transformação do pensar”, conclui o mineiro.
Fonte: Elle.