Júlio Andery disse : “Se eu tiver que morrer vai ser de tanto viver.”
A frase me marcou muito, ainda mais quando ela se confrontava com uma parte da letra do samba enredo da Escola Dragões da Real: “Dessa vida eu vou levar aquilo que eu viver.”
Andery está no meio de uma reconstrução de sua vida profissional, vivenciando o conceito de propósito que desenhou para si a partir dos seus 50 anos, já a Dragões da Real foi um presente oferecido pela amiga Lala para que eu e a Lully tivéssemos pela primeira vez a experiência de desfilar numa avenida. E estas duas histórias aparentemente desconexas, se tornaram para mim o grande enredo de um Carnaval incrível.
Eu, que já tinha corrido atrás de muito trio elétrico em 12 anos de Carnaval na Bahia, não fazia ideia do que era aquilo e vou falar: me surpreendeu e muito bem.
Trocar a diversão solta e sem compromisso – mas muito bem paga – da folia de Salvador, pela disciplina que existe dentro de uma escola de samba foi muito interessante.
Como foi divertido sentir-se um dente de uma engrenagem onde mais de 2.900 pessoas, divididas em 23 alas, ricamente fantasiados, com um samba-enredo gostoso de cantar e o firme propósito de transformar sonho em realidade, magia em boas notas e quem sabe conseguir um campeonato que em 20 anos de escola ainda não havia ocorrido.
Não vou aqui ficar teorizando sobre o Carnaval, acho que, às vezes, a gente leva a sério demais coisas que são muito mais simples. E em um mundo cheio de sociólogos, psicólogos, analistas políticos e especialistas de ocasião, prefiro lembrar da antiga marchinha: “Não me leve a mal, hoje é Carnaval.”
Afinal, estamos falando de um feriado (ponto). Se você curtiu, fez retiro espiritual, assistiu uma maratona do Netflix, foi para a praia, fez rafting, saltou de paraquedas, andou de bike, curtiu um hotel com programação infantil ou não fez nada, tá tudo bem! Feriado é para isso mesmo. O que importa é que você fez o que quis. Isso sim é liberdade.
Júlio Andery é um apaixonado pelo paraquedismo e guardadas todas as proporções, eu saltei de um avião bem alto e cai no meio do Anhembi.
Foi alucinante se deixar levar pelo clima contagiante, ao mesmo tempo que um senso necessário de conjunto pedia que o alinhamento, a coreografia e a famosa harmonia se mantivessem. E justo o Carnaval que traz tão forte o conceito de um “não proibir” e da liberdade consciente, tinha ali um senso de obediência e em ser consciente do meu espaço que de forma alguma impediu que eu me sentisse livre.
E não podia ser mais significativo que a minha Ala Explosão tivesse como tema “Tesouras da Censura”, reforçando o quanto a política, os regimes autoritários e sombrios haviam calado o riso por muito tempo, fazendo com que o riso fosse proibido.
Isso me dá a chance de falar que criticar o Carnaval do outro é simplesmente desconsiderar que nossa opinião não é unânime, ela não pode preponderar sobre as outras e que no mundo diverso que vivemos, precisamos exatamente disto: deixá-lo ter essa diversidade, ser sinônimo de diversão, afinal, a vida precisa ser também divertida.
E é justamente onde entra o enredo da Dragões deste ano: “A Revolução do Riso: A arte de subverter o mundo pelo divino poder da alegria”, com uma homenagem pra lá de merecida aos Doutores da Alegria, do incrível Wellington Nogueira.
Quando decidi sair na escola, amigos vieram me perguntar por que um palmeirense iria sair na escola da torcida do São Paulo. E foi aí que eu comecei a gostar mais ainda da história: Por que não?!
Desde quando existe uma conexão entre o futebol e o Carnaval que não pode ser quebrada? Ninguém perguntou que time eu torcia, eu não vi nenhuma menção ao time na quadra e encontrei sim foi um ambiente surpreendentemente interessante, familiar até. Me recebendo sem se preocupar com quem eu era, pra quem torcia, simplesmente dando espaço para que eu participasse. E por isso eu agradeço muito a toda a comunidade da escola.
Para completar a experiência, a quadra ainda é no bairro em que nasci e acabei reencontrando muitos amigos de infância, me convencendo totalmente que sim: eu iria desfilar no Anhembi pela primeira vez! E para fechar o pacote, Wellington Nogueira, além de criador dos incríveis e inspiradores Doutores da Alegria, é irmão de Regina Nogueira, que eu conheci na primeira agência que trabalhei: a McCann. E não é que eu os reencontrei também? Ela inclusive com um trabalho incrível e muito sinérgico como personal re-brander.
Entre tantas coincidências e reencontros, os ensaios aconteceram, a letra foi fácil de decorar e ficou na minha cabeça semanas, quando menos esperava lá estava eu a cantarolá-la.
Foi assim então que entrei na avenida na última sexta-feira. Não reencontrei a emoção que nos dias anteriores surpreendentemente me tomavam, mas sim um foco muito grande em me divertir e aproveitar muito aquele momento. Havia sim uma preocupação com o “desenho” da ala, mas em nenhum momento isso me impediu de curtir aquela primeira vez.
Fiquei extremamente surpreso pela organização. Tudo funcionou como um relógio, e, apesar da escola não ter conseguido ganhar (ficou em 6º lugar, 0.4 pontos abaixo da campeã). Ela estava linda e não faltou o empenho de todos.
Mas queria ressaltar aqui o quanto tudo isso foi mágico. Claro que tudo é um negócio, e sinto muito por quem não vê ali uma forma de expressão e arte, mas é impressionante para um cara que vive o mundo dos eventos há tanto tempo, ver de perto o cuidado com os detalhes, as fantasias de desenho e acabamento incríveis, a história/enredo que estava sendo contada, os carros alegóricos alucinantes e compreender a verdadeira ópera que se representava ali, tendo eu e a Lully como dois dos seus personagens.
Como saltar para fora do avião confiando em seu paraquedas, a gente não pode ter medo do vazio quando quer voar (assim já dizia o querido Jorge Neto). E vou falar que foi muito boa a sensação de se deixar conduzir, pois era “só abrir seu coração e deixar falar a emoção…” Completando com um sonoro “Qua qua ra qua qua, deixa as mágoas pra lá
Qua qua ra qua qua, vamos juntos buscar!”
E é justamente como uma homenagem a esta experiência, que reuniu em seu entorno tantas mensagens importantes, pessoas queridas do passado, do presente e até mesmo do futuro, que eu queria fechar este texto, trazendo a letra que reforça a necessidade de voltarmos a rir, inclusive de nós mesmos.
A gente vive um mundo tendendo ao mau-humor, a rabugice, ao pessimismo e aos comentários negativos. As pessoas entram num elevador e não falam bom dia, a gente passa por conhecidos e não os cumprimenta, falta leveza, falta sorrir, “Falta poder brincar e sonhar, pois juntos podemos desatar os nós…”.
E se “Desta vida vou levar aquilo que eu viver”, é um verdadeiro sonho possível “Morrer de tanto viver”.
Mesmo sendo quinta-feira, vou aproveitar para fazer uma homenagem com delay, mas com gosto de #MTT (MondayToThank) e um sonoro agradecimento com toda a força e energia de uma bateria de escola de samba para toda a comunidade da G.R.C.E.S. Dragões Da Real, em especial à Laís, Thamy, Rosa, Kátia e Mário (coordenadores da Ala Explosão) – minha gratidão pela gentileza e carinho com que nos receberam.
Minha nota “deizzzzzzz…” aos Doutores da Alegria e Wellington Nogueira pela inspiração e merecida homenagem. E muitíssimo obrigado pela harmonia de enredos e temas que uniu o inspirador Júlio Andery com Jorge Neto e a letra do samba, me dando mais lições e aprendizados do que eu poderia esperar que um Carnaval pudesse me passar.
A gente volta desta semana tão esperada, reencontrando o dia a dia, mas que fique a mensagem principal deste feriado: mais do que alguns dias onde você pôde curti-lo do jeito que quis, não importando se a origem do Carnaval fosse cristã, atlante ou pagã, para mim sobrou um subtexto com um convite para que nós, o nosso trabalho e o nosso comportamento possam realmente subverter o mundo pelo poder divino da nossa alegria – ou seja um grande salto em formação para vivermos a vida de forma intensa, para nos sentirmos livres, sermos como somos e podermos aceitar o riso, a começar por aquele que existe dentro de nós:
É só abrir seu coração
Deixa falar a emoção
Qua qua ra qua qua, deixa as mágoas pra lá
Qua qua ra qua qua, vamos juntos buscar!
Deus sorriu pra mim
De alma lavada eu vou
A Dragões me fez assim
Criança Real eu sou
Solte a voz e vamos rir de nós
Poder brincar, sonhar
Todos juntos desatar os nós
A festa não tem hora pra acabar
Vem comigo gargalhar
Eu não quero mais sofrer
Dessa vida eu vou levar
Aquilo que eu viver
A receita da alegria
É caminhar contra o vento
Nos momentos de agonia
Ser amigo do tempo
Afaste a dor
Vista a sua fantasia
Viva o jogo do amor
A cura de cada dia
(A Revolução do Riso: A Arte de Subverter o Mundo Pelo Divino Poder da Alegria – música de Aquiles da Vila, Rapha Sp, Marcus Boldrini, Leandro Flecha, Ítalo Pires e Salgado Luz. Carnavalesco: Mauro Quintaes. Cantor: Renê Sobral. Presidente da Escola: Tomate).