Na noite de abertura do Silk Sonic no Park MGM em Las Vegas, Bruno Mars e Anderson.Paak reviveram em uma noite nostálgica alguns dos melhores hits da década de 1970: grooves quentes e sensuais, ternos de poliéster sob medida e as alegrias reminiscentes de uma noite sem smartphone.
Isso mesmo! A organização do show obrigou a plateia a colocar seus dispositivos móveis em pequenas bolsas durante o show. Ao final todos resgataram seus gadgets desbloqueando as bolsas eletronicamente em uma estação próxima à entrada do local.
“Estamos levando seus telefones para longe!” Disse Mars, cantarolando para a multidão, logo no início do show.
“Essa foi uma das melhores partes do show”, disse Margaret Whitener, 51, que compareceu à apresentação dos astros. “É bom estar sem distrações eletrônicas. E também quando as pessoas compartilham imagens de shows on-line elas desestimulam as outras a pagarem para entrar e prejudicam o artista”, disse.
Esta ação surpreendente da produção de Bruno Mars vem depois de outros artistas tentarem a cooperação espontânea do público. Eles têm se incomodado com as interações por meio dos celulares.
Jeff Tweedy a Björk, tentaram pedir aos fãs de boa-fé que se abstivessem de usar os dispositivos durante os shows. No mesmo caminho a estrela do indie-rock Mitski se apresentou no Shrine Auditorium com todos os ingressos vendidos. Mesmo com casa cheia a produção rodou um anúncio pré-gravado pela própria artista pouco antes de subir ao palco, pedindo aos fãs que reduzissem o uso excessivo do telefone, “para que eu possa ver vocês quando cantam juntos.” argumentou.
Vendo que seus apelos não causavam efeito ela postou série de tweets abordando o excesso de telefones em seus shows. “Quando estou no palco olho para você, mas você está olhando para uma tela”, ela escreveu, “Isso me faz sentir como se nós no palco estivéssemos sendo roubados e consumidos como conteúdo online em vez de compartilharmos um momento juntos.”
Enquanto alguns fãs simpatizaram, outros disseram que os smartphones eram uma necessidade para os jovens frequentadores de shows. Alguns argumentaram que os telefones ajudam a aliviar problemas como ansiedade social e dissociação em meio a grandes multidões. Depois de um dia ou dois de discussões inflamadas entre seus fãs, os tweets de Mitski foram deletados. Mitski se recusou a comentar o assunto.
Bruno Mars também justifica a retenção dos smartphones pela ótica da sensibilidade:“Fica difícil sentir a vibe da plateia para conduzir o ritmo e a dinâmica do show quando o que está a sua frente são milhares de luzes das telas dos telefones” disse ao Los Angeles Times. “Com as câmeras, você fica tipo ‘não sei se quero experimentar esse movimento de dança hoje à noite’. E se a piada infeliz parar na internet e virar meme?“, questionou Mars.
O TikTok é o aplicativo que está no centro desta polêmica que divide opiniões. “Eles não podem proibir o compartilhamento pelo TikTok”, reclamava um jovem na plateia do show.
“Tem que proibir porque deve ser difícil para o artista que espera uma plateia empolgada, se apresentar diante de centenas de cinegrafistas amadores.” disse a escritora Chingy Nea, 28, que também compareceu ao show.
“Eu costumava gravar tudo, mas percebi que qualquer que fosse a satisfação que eu conseguisse com os vídeos não valia a atenção ao show ali em tempo real.”dise outra fã presente no show
Krystle, 36 anos, que não quis dizer seu sobrenome discordou: “Um vídeo é uma lembrança e é mais barato que comprar uma camiseta”, disse ela. “Só não use flash e você não vai incomodar ninguém.”
Ela levou sua filha e sobrinha de San Bernardino para assistir Mitski e disse que conheceu a cantora no TikTok. “A mídia social é importante”, disse Krystle. “De que outra forma os jovens vão saber quem você é? TikTok é o que faz as pessoas virem aos seus shows.”
O TikTok ainda não havia decolado nos Estados Unidos quando Jean M. Twenge, professora de psicologia da San Diego State University, começou a escrever seu livro “iGen: Porque as crianças superconectadas de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes e completamente despreparadas para a vida adulta.
“A Geração Z estava em ‘ensaio geral’ para a pandemia”, diz Twenge. “Eles já estavam saindo menos, dirigindo menos e se comunicando mais digitalmente do que pessoalmente. Eles já estavam deprimidas. Mas os jovens não pediram para nascer em um mundo onde a tecnologia foi projetada para ser viciante. A boa nova é que estou vendo muitos jovens se manifestando contra a exaustão da mídia social.”
“O TikTok é uma plataforma massiva de descoberta de música, mas os usuários postam 10 segundos de uma música em vídeos e ela se torna viral sem que ninguém saiba quem é o artista, a história por trás dela ou qualquer coisa”, justificam os empresários. “Tudo parece super desconectado. E quando estamos no estúdio, a falta de atenção nos dias de hoje faz um artista pensar em escrever músicas mais curtas, em vez de pensar na arte”, observou Mitski.
“As mídias sociais permitiram o surgimento de talentos que nunca teriam uma oportunidade se elas não existissem. Por outro lado, elas têm provocado reações que tornam muito difíceis estes tempos em que vivemos”, disse Jesse Coren, empresário de Chelsea Cutler. “O acesso que os fãs têm-lhes, o escrutínio, os comentários negativos e mensagens ofensivas traz uma responsabilidade de comportamento perante a mídia social que é totalmente nova e fere a sensibilidade dos artistas. É invasiva e tem muito peso na saúde mental deles. Poderia ser diferente se o uso fosse feito com empatia e equilíbrio”, completou Coren.
Colocar smartphones em sacos selados pode parecer uma ação dramática para o que hoje é a terceira década de existência da internet, mas é uma concessão que alguns artistas acreditam que vai unir as pessoas.
“Sem telefones, não há medo envolvido”, disse Bruno Mars. “Você pode viver aquele momento sem preocupação. A beleza está em ver algo falhar e você poder falar sobre isso com a multidão, ficando o assunto só entre a gente.”