A autoridade de concorrência da França multou o Google na terça-feira (13/7), em € 500 milhões (cerca de R$ 3 bilhões) por não respeitar as medidas provisórias impostas no ano passado, que exigiam que a empresa negociasse “de boa fé” com órgãos de imprensa sobre compensação financeira pelo conteúdo veiculado na plataforma.
A França é um dos poucos países que implementou a reforma dos direitos autorais da União Europeia (UE), que concede a publicações o direito de solicitar remuneração quando seu conteúdo é exibido em redes sociais e plataformas on-line, o chamado “direito vizinho”.
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Entidades e veículos de imprensa franceses, incluindo o Sindicato das Editoras de Revistas, a Alliance of General Information Press (Apig em francês) e a Agence France-Presse (AFP), reclamaram à Autorité de la Concurrence de que o Google não estava negociando acordos de licenciamento “com boa fé”, depois que legisladores franceses introduziram o direito vizinho da UE na legislação nacional.
“O-Google ainda parece não aceitar a lei como ela foi votada, mas não cabe a um ator, mesmo dominante, reescrever a lei.”, disse a presidente da autoridade, Isabelle de Silva.
O Google se recusou a negociar com agências de notícias e empresas que não publicam “informações gerais e políticas”, acrescentou a autoridade, e não forneceu aos editores as informações necessárias para avaliar quanto dinheiro eles poderiam conseguir.
“A penalidade de € 500 milhões leva em consideração a gravidade excepcional das violações observadas e o fato de que o comportamento do Google levou a um novo atraso na aplicação adequada da legislação de direitos vizinhos.”, disse Silva.
“A decisão de terça-feira não anula automaticamente os acordos de licenciamento já acordados entre o Google e os editores, mas pode ser aproveitada para pedir uma renegociação.”, acrescentou o presidente da Autorité.
Segundo a autoridade de concorrência francesa, o Google terá que apresentar uma oferta de remuneração às publicações em dois meses, ou enfrentará uma multa de até 900 mil euros por dia.
Google chegou a fazer acordos e se diz ‘decepcionado’
A Apig e o Google haviam anunciado um acordo de US$ 76 milhões sobre o pagamento por material de notícias em janeiro, num passo inicial de negociações, porém de uma parcela ínfima do conteúdo que passa pela plataforma.
“Estamos muito decepcionados. A multa ignora nossos esforços para chegar a um acordo e a realidade de como as notícias funcionam em nossas plataformas. Até o momento, o Google é a única empresa a anunciar acordos sobre direitos conexos.”, disse um porta-voz da empresa em comunicado, citando ainda um acordo global com a AFP que estaria “prestes a ser finalizado”.
Foi um golpe para a gigante de tecnologia dos Estados Unidos e pode ter repercussões além das fronteiras francesas, já que De Silva disse que espera que o caso forneça um plano para outros países da UE que estão atualmente adaptando a legislação nacional à reforma de direitos autorais do bloco, e “Impedir o Google, ou outras plataformas, de reproduzir este comportamento.”
Austrália: A primeira a legislar sobre o tema
A Austrália foi o primeiro país a legislar sobre pagamento de conteúdo jornalístico. Em fevereiro, o país aprovou uma regulamentação obrigando as plataformas digitais a negociarem remuneração com as empresas de mídia por uso de conteúdo produzido por elas. A lei determina que se não houver acordo, o governo atuará como árbitro entre as partes.
Antes da votação final no parlamento, as empresas de mídia digital tentaram resistir, chegando a ameaçar que sairiam do país, mas acabaram se enquadrando.
O Google foi o primeiro a ceder, anunciando contratos milionários com grandes empresas de mídia antes mesmo da passagem da lei, enquanto o Facebook desafiou o governo, chegando a tirar links de notícias e de serviços essenciais de suas plataformas. No final, ambas fecharam grandes acordos com a mídia.
Queixas afirmam que o Google quis impor produto de notícias à imprensa
Um dos pontos contra o Google na França foi o fato de a empresa impor aos órgãos de imprensa a exigência de discutir uma nova parceria que incluía o produto de notícias Showcase, antes de estabelecer a remuneração com base no uso atual de conteúdo protegido por direitos autorais.
“A estratégia do Google era dizer: Ok, vamos pagar aos editores, mas não com base nos direitos vizinhos, e sim com base em nosso produto, Showcase.”, disse Damien Geradin, advogado que representou clientes contra Big Techs, do escritório Geradin Partners.
“É a estratégia geral do Google em relação a publicações que é rejeitada pela autoridade de concorrência.”, acrescentou.
De acordo com a autoridade da concorrência, a gigante da tecnologia também decidiu levar em consideração apenas as receitas diretas geradas pelo uso de material de imprensa para avaliar o dinheiro que deveria ir para as editoras — quando as receitas indiretas também deveriam fazer parte das negociações.
Conflito sobre o Showcase na Austrália acabou com flexibilização de lei
Na Austrália, o Showcase foi lançado em fevereiro após a empresa ter anunciado que não pretendia implantar o produto. O Google cedeu depois de ameaçar sair do país, irritado com a pressão pela remuneração das notícias veiculadas na plataforma.
A ferramenta acabou indo ao ar, embora sem a adesão das principais organizações de notícias, que preferiram aguardar a aprovação da nova lei de mídia, que foi publicada à luz da discussão.
Uma das principais emendas ao projeto de lei original é que as empresas jornalísticas interessadas em serem remuneradas pelo conteúdo exposto em mecanismos de busca (Google e seus concorrentes, como o Bing, da Microsoft) ou em mídias sociais (sobretudo o Facebook) estão livres para fazer acordos diretos com as plataformas, como algumas já fizeram.
Para alguns estudiosos do tema, isso abre a possibilidade de que se livrem dos aspectos mais temidos do código de negociação, assinando contratos diretos para incluir conteúdo em seus produtos Facebook News e Google News Showcase.
Caso as conversas não cheguem a bom termo, as empresas jornalísticas podem então acionar o Governo para que o processo seja conduzido pela nova lei, atendendo a algumas condições, inclusive faturamento mínimo de AU$ 150 mil por ano (US$ 120 mil).